segunda-feira, 17 de setembro de 2012

ELE TAMBÉM NÃO ACHARIA JUSTO


Quem quer enxergar além da imagem?

                Continuando a leitura da obra de Justo Arouca  (Ubatuba – onde a lua nasce mais bonita), recuperei da lembrança algumas injustiças ocorridas com o meu pai (Leovigildo Félix dos Santos) e outros caiçaras na execução da estrada Caraguá – Ubatuba.

                Estando com quatorze anos, o meu pai e outros adolescentes (Arcendino Apolinário, João Oliveira, Pedro Marinho, Benedito Oliveira, Laureano Francisco e Jaime Oliveira) também foram trabalhar na abertura da estrada. Que narre o papai:

                “Era um tempo difícil. Não tinha trabalho além da pesca e da roça de subsistência. Quando a companhia atravessou o rio da Mococa para avançar sobre a Tabatinga, nós começamos no serviço da estrada.

                O Mendes, que não sabia escrever, era o feitor. O pagador era o Rubens.

                No governo do Adhemar de Barros as coisas andavam ruins. Quem trabalhava no D.E.R (Departamento de Estrada de Rodagem) não tinha crédito nem para uma caixa de fósforos. Depois que o Jânio foi eleito como governador é que as coisas melhoraram.

                A gente pegava o vale e trocava no Armazém do Santana, em Caraguá. Ele era genro do Miguel Varlez, o administrador de obras do D.E.R.    O Santana ficava com 30% do vale, não dava dinheiro. Só dava outro vale para ser gasto nas mercadorias dele. Fazer o quê? A gente precisava comer.

                Foi um ano só de vale! Todo mundo saiu. Houve uma sindicância. O pagador (Rubens) perdeu o cargo.

                Todos esses, da minha idade, saiam do Sapê ainda de madrugada para o trabalho que era na divisa com a Mococa, uma distância de sete quilômetros a pé. O serviço era arrumar bueiros, fazer valas, construir barracão, cortar capim para os burros e outras coisas mais. A gente só chegava em casa depois de escurecer. Desse pessoal só ficou na firma o Arcendino, que era órfão de pai e não podia deixar de ajudar a mãe. Ele foi contratado mais tarde; se aposentou pelo D.E.R. Agora já é falecido”.

                Podemos concluir algumas coisas desse fato vivenciado por papai e os outros: a) O progresso, em todos os tempos, se fez às custas dos trabalhadores (que muitas vezes eram crianças e adolescentes); b) Diante de rostos marcados pelo desgaste, é muito cômodo para a maioria somente dizer que “os caiçaras são vagabundos”; c) Resgatar o que os mais antigos do lugar vivenciaram é uma forma de, através da memória,  construir outras possibilidades políticas; d) O Justo Arouca foi admitido mais tarde, em 1956, mas certamente que, diante de tais situações, ele também não acharia justo e até poderia citá-las em seu livro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário