terça-feira, 30 de setembro de 2014

FOLIA DE REIS


          Um registro imaterial ajuda a preservar as culturas locais. Em Ubatuba, quantos grupos e quantas tradições já se foram por não serem valorizados? Mariano, Modesto, Fortunato...Ah! Quantos moçambiqueiros se empenharam nessa devoção!?!
             Os grupos de Congada e de Folia de Reis continuam em Ubatuba por mérito de uma ação pastoral de uma geração fiel às raízes e por incentivo cultural municipal. Em relação à fotografia (de 1960), você sabia que foi o Velho Mariano, caiçara descendente de escravos de Paraty, que se dedicou nessa época à devoção a São Benedito em Ubatuba, fundando a Capela da Estufa?

Proposta de registro imaterial da folia de reis
Isabela Vieira 

           A tradicional folia de reis, presente na maioria dos municípios fluminenses, pode se tornar um bem cultural imaterial. O registro está em estudo pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que faz um mapeamento das folias no estado, em parceria com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). A proposta foi tema de seminário semana passada na cidade de Vassouras, no interior do Rio, que inaugurou também mostra temporária sobre o folguedo, com máscaras usadas na prática pelos grupos dos municípios do Vale do Paraíba.
        A folia de reis nasceu da catequização por padres portugueses no Brasil, que contavam histórias bíblicas por meio da dramatização. É uma encenação da viagem dos três reis magos ao local de nascimento de Jesus Cristo, para presenteá-lo com ouro, incenso e mirra. No cortejo, que entra na casa de devotos, são declamados cânticos em formato de repente.
   Assessora de Patrimônio Imaterial da Superintendência do Iphan no Rio e supervisora do mapeamento de folias de reis, Mônica da Costa conta que já foram listados folguedos em 15 dos 92 municípios. “Temos uma metodologia específica e queremos terminar o estado todo para fazer o pedido de registro”, disse. O mapeamento deve se estender a 2015.
          A professora Cáscia Frade, que estuda o tema há 20 anos e coordena o levantamento com o Iphan, ressalta a presença do ritual folclórico em quase todas as cidades fluminenses. Ela acredita que o registro pode estimular políticas públicas para estimular tal prática cultural e cita como exemplo a possibilidade de as prefeituras financiarem ajuda de custo aos grupos.
      “Cada grupo é mantido, principalmente, pelo chefe maior, chamado mestre. Ele é encarregado de toda a parte material, instrumental, indumentária, eles pagam as passagens dos integrantes do grupo, quando não dá para ir a pé. Com frequência, ele tem ajuda dos integrantes, dos amigos, mas não existe nenhuma verba [específica]. Uma ajuda do município faz a diferença”, explica.
       Outra proposta é a criação de uma aposentadoria para os mestres, como a que já existe para mestres da capoeira, e um salário para participar de atividades em escolas.
        Apesar de ter origens no período colonial, Cáscia conta que a prática continua forte entre os fiéis, com até 19 grupos por município. A fé, explica, mantém a tradição viva. “Os grupos vivem em função de promessas. Por problema de saúde, ter notícia de pessoa desaparecida, para o filho arrumar o emprego. Enfim, situações que levam a pessoa a pedir ajuda ao sagrado.”
        Caso o Conselho Consultivo do Iphan declare a folia de reis bem imaterial, o folguedo estará registrado ao lado de outras práticas como o jongo da Região Sudeste, as matrizes do samba carioca, o ofício das baianas de acarajé, o ofício de mestres de capoeira e a roda de capoeira, além da Festa do Divino Espírito Santo de Paraty, registrada em 2013.

FONTE: O GUARUÇÁ

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

A ÁGUA NOSSA DE CADA DIA

O rio (Ipirangunha)  está lá embaixo... tudo vai naquela direção (Arquivo JRS)
                             
                              Olá, Elaine Pigatto! Seja bem-vinda!

               Para a saúde do nosso corpo existe uma infinidade de veias, artérias e vasos sanguíneos. Se por infelicidade um mínimo entupimento ocorrer, a nossa existência estará comprometida. No meio ambiente também é assim. Daí a necessidade de preservar e valorizar o mínimo olho d’água e os lugares a marejar que se encontram pelos caminhos do nosso município (Ubatuba- SP). Não convém se descuidar de que é urgente um desenvolvimento sustentável porque os recursos não são infinitos.

               Na nossa realidade caiçara, as mudanças foram ao extremo. Quando eu nasci, há mais de meio século, todos se serviam dos rios para as muitas tarefas. Na casa dos meus avós paternos, na Praia do Sapê, o rio volumoso e piscoso ficava bem “próximo da porta da cozinha”. Foi lá que conheci marisco do rio (sururu), enguia (mussum), cágado, jundiá, mandi, cafula, camarão vadio, lagosta, piaba e tantos outros complementos da nossa alimentação. Já na Praia da Fortaleza, onde moravam os avós maternos, além do rio encachoeirado de muita serventia,  a água “vinha de longe” até ao cisqueiro em calhas de bambu. Era debaixo de uma enorme pedra que brotava aquela água cristalina. Hoje, nesse lugar, uma estrada cortou o terreno e destruiu tudo. Já não aflora água alguma. Perdeu o homem, perderam os outros bichos e danou-se a vegetação que ali existia. Ou seja, além da vida humana, é preciso um desenvolvimento capaz de atender aos demais seres. Assim escreveu Leonardo Boff: “Todos constituem uma comunidade planetária em que estamos inseridos, e, sem eles, nós mesmos não viveríamos”.

               A propósito, interessa aos moradores de Ubatuba: escutei, no posto de combustível do Bairro do Ipiranguinha, alguém afirmando que o governo estadual está com projeto em andamento para construir uma captação de água no município vizinho de Natividade da Serra, no lugar chamado de Balsa. Isso quer dizer que os rios com nascentes na Serra do Mar, antes de se encontrarem na represa de Paraibuna, devem dar um alívio aos paulistanos. Porém, volto a repetir: os recursos não são infinitos. Essa gente também precisa cuidar da água! Daí a preocupação de replantar água, de proteger os mananciais e de retomar atitudes que respeitem o meio ambiente.


               Desde já é bom se preocupar com a seguinte situação: caso persista a falta de chuva no território paulista, o fluxo de turistas para as represas deve cessar na próxima temporada (dentro de três meses). O litoral pode ficar saturado de visitantes. A questão é: a captação atual dará conta do recado? Um conselho: é bom cuidar das nossas águas e  garantir uma reserva de emergência em seu terreno.

sábado, 27 de setembro de 2014

PLANTANDO ÁGUA (II)

Até meados do século XX, nessa praça, havia um chafariz público. (Arquivo histórico)

               A falta de água para abastecer os grandes centros urbanos do Estado de São Paulo está até causando brigas, apedrejamento de prefeituras e outras barbaridades maiores. Digo: de quase nada adianta essas atitudes passionais. O desafio é outro: é urgente plantar água. Como? Replantado matas nativas, revendo sistema de monocultura e de pecuária intensiva. Outra situação gritante é a dos esgotos e do desperdício desse líquido tão precioso. E não tem desculpa para não obter sucesso nisso tudo porque as tecnologias e as pesquisas estão avançadas. Tarefa dificílima é transformar as mentalidades acomodadas nesse modelo egoístico, que pode ser resumida no dizer caiçara: “farinha pouca, meu pirão primeiro”.

               Em nossa cidade de Ubatuba, causa preocupação a ocupação desordenada nas áreas impróprias. Há uma voracidade em se apoderar de áreas e obter lucro com mínimos esforços, afetando principalmente a qualidade da água, a produção dela. Hoje eu faço questão de apresentar a problemática da água que bebemos.


               Será que muita gente sabe a origem da água nossa de cada dia? Em nossa porção  central do município temos duas captações: uma na Cachoeira dos Macacos e outra no Rio Grande, logo acima do Bairro da Figueira, na margem direita da Rodovia Oswaldo Cruz. Nesta, para quem não conhece a região do Pé da Serra, eu informo: mais de uma centena de moradias existem por ali, acima da represa de captação. O meu vizinho diz até que, no lugar denominado Sitieto, “um loteamento está nascendo”. Esse tanto de moradias não tem rede de esgoto. Creio que se trata de pessoas humildes e que edificaram com seus padrões particulares e seus parcos recursos, ou seja, com fossas em contato com o lençol freático, seguindo por declividade aos córregos e rios que se juntam na formação do Rio Grande. Pode ser pior, caso a "educação" seja aquela de canalizar diretamente para o rio. Perto da minha casa tem muitos casos assim.  É essa água que converge para a captação. Depois será tratada pela Sabesp, no Morro da Fazenda Velha, e seguirá para nossos lares. Ou seja, foi-se o tempo em que você podia “se agachá e tomá no rego”, conforme disse aquele caipira há tanto tempo, no Armazém do Maciel.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

NESSE MEIO TEM MUIÉ!

Caiçaras ao mar (Arquivo histórico)

A amiga Fátima não nega a marca do pai João de Souza, o grande contador de causos da Praia do Itaguá. Viva mais esta pérola dessa minha colega caiçara!

Em letras garrafais o Echo Ubatubense exibia na primeira página ILHA DA VITÓRIA DECLARA GUERRA A ILHA DOS BÚZIOS! De boca a boca a notícia se espalhou feito rastilho de pólvora.

A Praça do Comércio, hoje Praça Nóbrega, se sussurrava aos quatro cantos, pois o noticiário não deixava claro qual a razão dos fatos. Haveria algum fato que justificasse tamanho perrengue entre as duas ilhas? O assunto fervilhava pelas ruas, bares, entre baforadas de fumo de rolo e babas do bêbado, que a cada cusparada resmungava: “Tem muié nesse meio!”.

A missa da sete não foi  a mesma. O mexerico era tanto que o padre parou no meio da missa. Naquele fatídico dia ninguém botou feijão no fogo. A conversa arrolava muitas opiniões cabulosas que convergiam todas numa só conclusão: “Nesse meio tem muié!”.

No meio do dia os batelões, as canoas de voga que chegavam abarrotadas de produtos para vender, vindos das praias distantes, voltavam com a incumbência de levar o acontecido para que todos tomassem ciência e se precavessem. Até o Bom Descanso (antiga fazenda de remanescentes de colonos, a oeste do município) ficou em alerta.

O diz-que-me-disse causou ponto facultativo. Quem iria trabalhar com a eminência da guerra aparecer por ali? Acabando com o nosso sossego, colocando em risco as nossas criancinhas e a integridade das moças de família? Precisavam de mais informação. As autoridades se reuniram para tomar uma atitude. Quem sabe mandar uma comitiva até lá. Encabeçados pelo Sr. Delegado de polícia, um grupo de respeitáveis cidadãos seriam convocados para compor a força tarefa. Mas quem se arriscaria a tomar o rumo daquelas bandas? Comentava-se que os ilhéus eram de poucos amigos e por vezes, cruéis. Outros diziam que eram intrigas, que na verdade eles eram desse jeito estranho para se protegerem dos piratas. Outros ainda, tinham até histórias do que acontecia com os intrusos. “Teve um que foi pendurado pelado e de cabeça para baixo naquela figueirona da praia só para tomar juízo, passou a noite sendo picado pelos mosquitos, dia seguinte seu corpo parecia pele de jaca dura”.

No final do dia, quando o sol já estava a um palmo para dormir no Corcovado, explode o comentário. Parecia um vespeiro danificado. Um arrastão humano tomou rumo do Porto do Guisard. Tinha gente até no alto da Cruz de Anchieta, sem dizer que as grimpas das amendoeiras parecia um ninhal de biguá de tanta gente pendurada. Todos buscando o melhor ponto para observar a chegada de uma traineira vinda do Mar Novo. Bravos homens que singravam o mar e se atreveram desafiar um território em guerra.

Canoas da barra tomaram o mar indo de encontro à nau vitoriosa e portadora de novas e precisas informações. Nelas iam as autoridades e políticos e uns gatos pingados de gente comum. Na praia, orgulhosas senhoras apostavam  na força dos maridos que se exibiam no remo como se fosse um campo de batalha. Outras famílias aguardavam na praia entre algazarra das crianças e o tricô da vida alheia.

Logo a lua tingia as águas da Baía de Iperoig, as canoas então retornaram deslizando no clarão como um bando de negros paturis. Ao emborcarem as canoas, o Prefeito foi logo tomando a palavra: “Povo de Ubatuba! Não há o que temer, a guerra é finita. Finita porque acabou a munição das duas partes em litígio. Os canhões existentes nas ilhas ainda são de bambus e consomem muita pólvora seca. Consumiram até todo o estoque de pimenta”.

Depois a história verdadeira se espalhou rapidinho: o conflito já estava resolvido, graças à sabedoria daqueles homens do mar que por lá estiveram e contornaram a situação. Um sujeito da Ilha da Vitória trocou sua mulher por uma canoa com outro sujeito da Ilha dos Búzios. A mulher não se acostumou e voltou para a ilha de origem. Desesperado, o sujeito da Ilha dos búzios, que ficou sem mulher e sem canoa, juntou um pessoal e carcou fogo na Ilha da Vitória que respondeu à altura. Em meio ao fogo cerrado, nossos heróis embarcadistas aportaram e vieram ter com os dois lados, conseguindo o acordo que devolveu a paz: a canoa ficou com a mulher, que manteve residência nas duas ilhas e a cada semana ela morava numa.

       Perplexos e bestificados com a solução acordada o povo ficou estático. O bêbado, segurando num tronco de amendoeira, berrou a todos com seu bafo azedo: “Num disse que tinha muié nesse meio?

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

DIA DA ÁRVORE

 
Dia de aprender assim é mais gostoso. (Arquivo JRS)

                Ontem, 21 de setembro, comemorou-se o Dia da Árvore. É uma data especial à educação escolar (mesmo que em alguns calendários escolares ela já tenha sido apagada). Afirmo isso porque,  a cada comemoração acompanhada de reflexão e ato concreto, uma nova mentalidade se forma. Foi assim comigo. Na minha escola primária, na Praia do Perequê-mirim, essas comemorações sempre foram marcantes: cantávamos o Hino Nacional, escutávamos uma preleção e ajudávamos no plantio de mudas por ali mesmo, no entorno. Quem levava as mudas era um japonês bem idoso, mas altamente disciplinado e amante da natureza. Aquele senhor que morava sozinho, numa pequena casa, na margem da rodovia, era um dos migrantes do início do século XX. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, os colonos alemães, italianos e japoneses foram retirados das áreas que ocupavam no litoral. Na verdade, então, aquele pobre homem que tanto colaborou para a nossa civilidade, era um remanescente de um grupo retirado dali devido ao conflito mundial. Dizia o finado Dito Coimbra: "Ele voltou depois de acabado a guerra. Naquele lugar os japoneses tinham uma colônia, um pedaço de terra". Só sei dizer que aquela humilde figura estava presente em todos os momentos marcantes da nossa escola, se orgulhando de fazer parte da nossa vida comunitária. Eu me emocionava logo cedo ao vê-lo do lado da nossa fila, com a mão direita sobre o coração, escutando o hino e vendo a bandeira ser hasteada. Depois, enquanto nós nos dirigíamos em fila para a sala de aula, ele punha o chapéu na cabeça e voltava à sua lida. Hoje, quando passo na Entrada das Três Praias, ainda tenho a impressão de ver a sua casinha e a sua imagem sempre em atividade, mexendo a terra e tendo um olhar tão puro. Outra pessoa maravilhosa morava ali perto: o Seo Dito Santo.

                No sábado, ao passar pela Praça Alberto Santos, ao lado da Barra da Lagoa, avistei crianças e suas famílias desenvolvendo atividades para comemorar o Dia da Árvore, a chegada da Primavera: pedalaram, plantaram, lancharam e brincaram deliciosamente. Ah!  Que bom!

                Que bom que a praça estava limpa das sujeiras eleitorais! É sinal que, ao redor dali, tem gente bem formada, capaz de coibir esses abusos! Imagine como ficaria feia a fotografia com esses péssimos "exemplos cívicos" (faixas, fotografias enormes, papéis etc.) largados sobre gramados e calçadas! No entanto, ainda tem uns e outros que minimizam isso e até defendem toda essa porcariada.

                Eu aposto nessa nova geração! Só ela pode superar essa onda de “sem-noção” que encalha nas praias de Ubatuba!  Essas crianças, desde já, dão sentido à nova fase da humanidade, a fase planetária! Assim, plantar uma árvore, refletir e exercer outros gestos de civilidade pode nos dar esperança de que, conforme escreveu Leonardo Boff, “não vamos de encontro a um desastre, mas ao encontro de um novo renascimento”. Fica então o desafio da nossa modesta missão: contribuir com a mudança de um estado de consciência.


                Parabéns à Escola Criar-te que promoveu o evento!

sábado, 20 de setembro de 2014

POESIA SOB CONTROLE

       
Olha aí o João! (Arquivo JRS)

           Ali, entre o morro e a praia (onde sapinhaoá era em fartura), rostos caiçaras se teciam nos afazeres e nas diversões. Dona Pitiá fazia seus benzimentos.  Seo Fabiano, Maneco Antunes, Ditinho Henrique, Silvério Sabá, Didi e outros mais vividos confabulavam com o meu pai a respeito do evento que acontecia tão longe, mas que assistíamos naquele terreiro areado. Parecia que todas as crianças brincavam por ali. No fundo, todo mundo era uma só parentalha. E tudo tinha o seu valor porque promovia a solidariedade. Quem? Onde? Quando? Eu, menino ainda, no lugar chamado de Pedra Branca, no meio da Praia da Enseada!
A convite do Gastão, um dos cariocas que a extração do granito verde atraiu para Ubatuba, fui assistir, com o papai, a final da Copa do Mundo de Futebol que se realizava no México. “Ah! Como era linda a Ludmila, a filha daquele senhor!”. Dele era a primeira televisão que trazia imagens coloridas. As poucas outras existentes eram em preto e branco, com péssima recepção de imagens. Dentre os rostos contentes, me recordo ainda do Basílio, do Mariana, da Conceição, do Moacir, do José Carlos de Góis e do João Batista Antunes. É deste, também conhecido como JOBÀN, o poema a seguir. Aos mais novos que não leem e aos desmemoriados: prevalecia neste Brasil a ditadura militar.

DECLARAÇÃO

Quero deixar bem clara a minha posição:
Não sou contra os homens que mandam
Por não saber dirigir
Nem contra os que obedecem
Por não saber reagir
Nem contra os que agridem
Nem contra os agredidos
Quero deixar bem claro:
Não importa a cor
O nome ou origem
Não importa o grau cultural
Nem a beleza física
Sou contra, sim:
Os que aceitam quando podem recusar
Os que recusam
Porque não querm se envolver
Os que sugerem quando devem agir
E os que agem sem pensar
Os que omitem para não somar
E os que fogem pra se libertar
Quero deixar bem clara a minha posição:
Não sou a favor de amedrontar
Para dominar
Nem abrir mão para enganar
Nem pedir quando é necessário
Nem encobrir erros
Que mesmo encobertos aparecem
Que a força emana do povo
Eu sempre ouvi falar
O que eu nunca acreditei
É que existisse essa força
Força essa que caminha para a extinção
E fortalece o poder arbitrário.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

AS BEIÇUDAS ESTÃO VOLTANDO

         
Visita ao cerco (Arquivo Chiéus)
            Peter Santos Németh, autor do Glossário Caiçara de Ubatuba, em seu blog (canoadepau.blogspot.com), observando a rotina dos pescadores da Praia da Enseada, nos apresenta mais algumas reflexões ao ser caiçara e à preservação da qualidade do nosso ambiente marítimo.

         Esse mês de julho passei quase inteiro na Praia da Enseada em Ubatuba, revendo meus amigos e Mestres Caiçaras. Não foram somente "férias", na verdade foi minha pesquisa de campo para o projeto de mestrado em ciência ambiental pelo PROCAM/NUPAUB/USP.
       Nesses 20 e tantos dias remei alguns quilômetros, recolhi algumas centenas de metros de tresmalhos, conversei outras tantas horas sob a sombra da nossa velha amendoeira e registrei mais de 700 fotografias e vídeos.
       Morando fora da Enseada por mais de três anos, constatei algumas mudanças positivas e outras negativas. Entre as negativas estão a verticalização desenfreada (e ilegal?) de alguns empreendimentos imobiliários que sistematicamente vêm avançando ano a ano da Praia Grande, pelas Toninhas e agora Enseada e Saco da Ribeira, tudo isso numa região em que o saneamento é perto de zero e o único emissário submarino da Enseada é irregular e obsoleto. Na verdade o emissário apenas "varre" pra debaixo d`água o esgoto junto com cerca de 200 litros de cloro por dia. (Não sei o que é pior para o ambiente o cloro ou a merda). Outro problema são as garagens náuticas, vulgas marinas, que à revelia da lei municipal, ampliam suas instalações tirando o sossego de praias destinadas aos banhistas com seus tratores circulando ou estacionados na areia o dia todo, desvalorizando nosso veranismo.
Mas nem tudo são más notícias, em meio aos ruídos de tratores e jet-skis, do cheiro de cloro, merda e óleo, alguns pequenos milagres estão ocorrendo.
          Embora a pesca artesanal continue decaindo, as fazendas marinhas dos pescadores estão garantindo uma renda extra com a produção crescente de mexilhões (mariscos) e algas de forma 100% sustentável. Esse ano que passou toda a produção foi vendida, e para o ano que vem já estão "plantando" uma nova safra.
  
         Além de garantir a renda em tempos de vacas magras, os cultivos estão prestando um importante serviço ambiental pois são verdadeiras fábricas de organismos marinhos, que entre os mariscos e algas alimentam-se, crescem e se reproduzem, dali se espalhando por toda a região e repovoando as costeiras com espécies nobres como lagostas, polvos, robalos, garoupas e até meros.
Foram vários os relatos de garoupas voltando a ser capturadas nos antigos pesqueiros que por anos ficaram sem produzir nada. Garoupas de 3, 4 e até 6 quilos foram pescadas.
      Mas os próprios pescadores locais alertam para o "perigo" da temporada, quando aqueles "caçadores-sub de aquário" vêm em massa matando tudo que se move em nossa costeira, que é protegida pelo GERCO sendo proibido o arrasto e a caça-sub.
         Só nos resta a esperança de que os órgãos ambientais e de fiscalização façam cumprir a lei que protege nossos recursos para o uso preferencial dos pescadores tradicionais. Mas na prática, até hoje, nenhuma ação preventiva já foi observada tendo como alvo a caça-sub, somente os pescadores artesanais é que são sistematicamente fiscalizados. Arpões, arbaletes e fisgas são livremente comercializados para qualquer um que possa pagar, sem a exigência de licença de pesca, idade mínima ou qualquer tipo de restrição. Assim, ano a ano uma verdadeira matança ocorre em nossa costeira impedindo sua regeneração.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

LENDAS CAIÇARAS - A GRUTA QUE CHORA

Painel de escola (Arquivo JRS)

           
                No ano passado, conduzindo uma turma de adolescentes até a Praia da Sununga, me deparei com uma realidade: poucos deles ouviram falar de uma lenda que envolve essa praia, a gruta que fica no canto esquerdo. “É uma tal história de serpente, né? Como é que é mesmo?”
             Eu até já contei uma primeira versão dessa lenda! Hoje, recorro ao trabalho do Seo Filhinho para a adaptação a seguir.

                “Marcelina, uma caiçara adolescente que morava nas cercanias da Praia da Sununga, de repente pareceu aniquilar-se, comendo pouco, sem ânimo para nada. De nada valiam os banhos, benzimentos e remédios da cultura local. Diante da preocupação da mãe e de outras pessoas que gostavam muito dela, ela tentava acalmá-las.

                Dias se passaram, tristes e apreensivos, até que certa madrugada, de seu quarto a mãe escutou soluços e palavras desconexas. ‘Não vá. Não...não quero...espere...’ Ao acordar em lágrimas e vendo a mãe sentada em sua cama, Marcelina se abriu: ‘Sabe a história daquele bicho que mora na Toca da Sununga, que diz que ninguém pode passar por lá sem provocar a sua ira, deixando o mar revolto e impedindo o trabalho dos pescadores? Pois é! O Seo Antero, lá da Praia das Sete Fontes, disse-me que viu, numa noite o tal bicho: do meio pra cima parece o dragão que tem no quadro de São Jorge, o resto do corpo parece de uma cobra. Foi milagre ele não ter sido devorado naquela noite. De lá pra cá eu tenho sempre a impressão que esse bicho me segue. Numa noite, há alguns meses, aconteceu uma coisa bem estranha: o bicho, do jeito que o Seo Antero descreveu, entrou no meu quarto. Eu queria chamar a senhora, mas não consegui soltar a fala, nem correr. De repente... aquela coisa feia se transformou num moço bonito e ficou comigo até o galo cantar três vezes na madrugada. Dessa noite em diante ele tem vindo ficar comigo. Agora mesmo eu estava chorando porque não queria que ele fosse embora. É por isso que eu não tenho vontade de mais nada, a não ser ficar pensando nele’.

                Depois de algum tempo dessa revelação, passando por sua casa um velho monge, a mãe contara os tormentos da filha e de todos os familiares. Era comum naquele tempo desabafar com alguém da Igreja e se sentir aliviado. Na verdade, aquele homem era um padre que revelou: 'o padre José de Anchieta, antes de morrer, teve uma visão que dizia ser tarefa da Ordem dos Jesuítas expulsar o monstro que se abrigava na Toca da Sununga. É por isso que aqui cheguei. Vim nos passos de Anchieta'.


                Chegando ao local, o monge, acompanhado dos fiéis católicos do lugar, ergueu os braços num largo sinal da cruz, murmurou sua prece e aspergiu sobre o local a água benta que trazia. Naquele instante, tal como um trovão violento, a água do mar invadiu a toca e abriu um caminho por onde o monstro se foi, num turbilhão de espuma, mar afora.  Desse modo, graças à fé desse religioso, os caiçaras se viram livre daquela maldição”.

               Continua lá, na Praia da Sununga, a Gruta que Chora pelas muitas vidas devoradas pela serpente. Vale a pena conferir!

domingo, 14 de setembro de 2014

ERA UMA VEZ...

        
Grande Lua em Ubatuba (Arquivo JRS)
        Olá, Marcelo Augusto!  Seja bem vindo ao blog!

Eu chamo de novos colonizadores todos aqueles que, desde o advento do turismo (que trouxe turistas, grileiros de terras, obras, condomínios, ocupação desordenada, poluição das nossas águas, tomada dos jundus etc etc.), vieram para a cidade de Ubatuba tentar melhorar de vida (montar seu próprio negócio, ter um emprego regular, viver num lugar mais calmo etc.). Estão na mesma classificação os caipiras que desceram a Serra do Mar, deixando seus lugares (Catuçaba, Vargem Grande, Cunha, São Luiz do Paraitinga, Redenção da Serra...), os pobres migrantes de tantos Estados que constituíram mão de obra barata para a construção civil, e, ainda, os em melhores situações econômicas que fugiam das cidades maiores e de seus problemas. Muitos desses novos colonizadores já completaram três gerações por aqui, mas a maioria dos seus descendentes não sabe nada da cultura caiçara, dos saberes originários daqui. Aquilo que preenche seus espíritos também não é da origem de seus pais. Na verdade, é gente que não tem nenhuma raiz cultural a não ser as modas ditadas pelos meios de comunicação. Não tem memória. São vítimas da massificação cultural. E, conforme já disse alguém, “um povo sem memória não propõe nada; só copia”. Agora você entenderá melhor o restante do texto.

Aproveitando uma folga, estou caminhando com a mana Ana. Nesses serões, quando a Terra se refresca, já não é tão normal encontrar, como em outros tempos, as pessoas proseando nos banquinhos, pelos portões.  Mas... exercitando e fazendo caminhadas se vê muita gente! Que bom que nós, em nossa Ubatuba, temos uma academia a céu aberto! De repente...

       De repente, em duas bicicletas, quatro adolescentes passam farreando. Um deles, com potente voz, canta uma música que tem uma letra horrível e reveladora, pelo baixo nível do palavreado,  de quão desrespeitoso  e atrasado culturalmente  é o rapaz. “Miserável cultural!”. Na hora comentei: “É um dos novos colonizadores que só colabora para a degradação da nossa cidade”. De repente...

      De repente reparei naquele rapaz e me veio à mente outro momento, parecendo história de “Era uma vez...”.

 No ano de 1976,  eu trabalhava em uma obra na Praia da Enseada, onde o construtor, Idílio Barreto, contratou quatro operários recém-chegados de Minas Gerais. Eram “piões de obra” que “queimavam panela” para alavancarem uma nova fase de vida. Dentre esses, eu admirava muito o “Miro” porque era bem educado, trabalhava caprichosamente e não desperdiçava o seu suado salário. Mais tarde, quase um ano depois, ele trouxe o restante da família (esposa e três filhos). Foram morar num dos nossos sertões.


       Sem nunca ter a intenção, os nossos caminhos foram se cruzando. Desse modo, acompanhei nascimentos, casamentos dos familiares, locais de moradia etc. Fico contente porque o meu amigo – muito batalhador! – se realizou (tem uma boa casa, carro e parece estar muito saudável). Agora, contrariando a lei da evolução, onde subentende que os nossos filhos têm que ser melhores do que nós,  vem a decepção: o miserável rapaz, que até transparecia estar sob efeito de algum alucinógeno, é neto do “Miro”. Que regressão! O que diria o seu avô, caso estivesse ao meu lado, caminhando aos cuidados de uma Lua que despontava e fazia brilhar toda a Baía de Ubatuba, tendo que escutar tais barbaridades?

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

MEMORIAL CAIÇARA

Astrogilda e Silvário: dois exemplos para nós caiçaras (Arquivo Toninho)

MEMÓRIA DE LUTA

        Começava o século XXI quando, no ginásio esportivo de Ubatuba (Tubão), por iniciativa de alguns caiçaras, nos reunimos com diversas autoridades para discutir a questão das terras em Ubatuba, sobretudo dos remanescentes da Fazenda Caçandoca e do Camburi. Disso resultou no valioso material ajuntado no título: Quilombo – a vez e a hora dos sobreviventes. Dentre as diversas falas (Genésio, Vitória...), escolhi partilhar o breve relato da Tia Astrogilda, natural da Praia do Pulso, casada com Silvário, da Caçandoca.

Hoje, já se passando dois anos do seu falecimento, ouço notícias desencontradas das pessoas que convivem no espaço que tanto lhe custou. Quem, das pessoas beneficiadas por essa lutadora, sabe do quanto essa mulher simples, sempre presente em nossas reuniões, foi uma força inestimável? Não será uma empreitada valiosa ter um memorial caiçara assim?

A fala da Tia Astrogilda é apenas uma das muitas que podem atestar o quanto sofreram os caiçaras com a chegada dos especuladores de terra para fins imobiliários em Ubatuba. Foram muitas as famílias expulsas da Caçandoca!

“Quando nós saímos enxotados de lá, ninguém levou nenhum tostão, nem para comprar um pão para comer na viagem. Eu estava grávida de uma filha. Era o nono mês. Saímos e fomos morar na Enseada, na casa que o Dorico cedeu para nós; lá nós passamos os nossos pedacinhos.
Passei fome, passei sede, passei tudo o quanto não prestava, não tinha nada, não tinha roça. Nós largamos para trás muita roça, muita mandioca que ficou lá jogada e o pessoal do Gabriel aproveitou um pouquinho e fez farinha para a gente comer e vender uns quilinhos. Sei o que sofri; como diz a história: comi o pão que o diabo amassou. Mas, com a graça de Deus estou aqui com 81 anos de vida, com sessenta anos de casamento com o Silvário, firme com os oito filhos que saíram da Caçandoca todos pequeninos, feito uma escadinha, agora estão todos criados, todos casados. Só que não moram aqui comigo e com o Silvário; moram fora porque ninguém pode ficar naquelas condições. Foram saindo para arrumar emprego e por lá ficaram, casaram e estão vivendo por lá [na Baixada Santista].
Nós vivemos aqui na estrada de Taubaté, no Morro das Moças, compramos um pedacinho de lama, aterramos e com esforço fizemos um barraco; e estamos vivendo lá até hoje.

Da Caçandoca, não tenho muito que falar porque me sinto mal”.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

EU E O BEIJA-FLOR

Beija-flor no ninho num pé de graviola (Arquivo Anilsi)

Seo Martins, da Trindade. (Arquivo Eric Porto)
               Agradeço ao Elias pelo texto de hoje. Adoro receber contribuições  ao  nosso  ser caiçara.    Um forte e carinhoso  abraço à  família.


Há alguns dias atrás fomos surpreendidos por uma visita agradável, um beija-flor passou a fazer ponto em frente nossa janela. Quando acordava ao abrir a janela lá estava ele, sentado no fio do telefone do vizinho que passa próximo. O passarinho dava um pequeno e curto voo rasante e logo voltava. A curiosidade bateu forte e passei a querer saber por que ele não saía dali. Eram todas as manhãs e tardes, e não consegui descobrir o porquê de ter escolhido esse lugar. Afinal, não tinha nenhuma flor ou bebedouro e  era  apenas  um beija-flor .  

Enquanto varria a varanda, ao olhar para a laranjeira que tenho em minha casa, notei algo diferente, que me fez voltar ao passado e lembrar do meu avô, Seo Martins. Era um velho caiçara nativo de Trindade-RJ, um grande guerreiro defensor  dos costumes e tradições  de um povo que aos poucos vão se perdendo no tempo.

Eu era pequeno, mas lembro como se fosse hoje, quando chegávamos na sua velha morada, casinha de pau a pique muito aconchegante. Era notória a alegria com que recebia os amigos, mas principalmente os netos. Ele pegava uma pindaíba (caniço ou vara pra pescar) e também um bonito apodrecido, “moído” como ele costumava dizer, e corria providenciar a mistura para o almoço. Não demorava muito, vinha ele com quatro garoupas de encher os olhos de qualquer pescador. Vem-me água na boca só de lembrar aquela posta de garoupa com banana verde, o nosso tradicional azul marinho:

- Vamos fazer um escardado pra daqui a pouco.

 Minha avó costumava sempre cozinhar umas mandiocas para o café da tarde e socava no pilão outras, deixando para os passarinhos comer. Esse cuidado mantinha o quintal colorido de aves, que já contavam com a refeição proporcionada por vovó. Meu avô também era defensor  dos bichinhos, gostava tanto deles que junto a casa tinha um poço de água corrente feito por ele através de um desvio da água da cachoeira, onde minha avó lavava louça, roupas e onde ele consertava os peixes .Nesse poço ele passou a criar uma lagosta ou pitu, aquela toda listrada de preto, que um dia ele havia pego para servir de  isca para pescar e resolveu criá-la no poço. Apiedou-se do bichinho e deixava claro que não podíamos matá-la. Era a ordem dele para todos os netos.

Hoje, quando desvendei o mistério do beija-flor e, ao olhar a laranjeira, o vi a alimentar o seu filhote, lembrei - me de sua preocupação com os bichos, veio à memória quando eu chegava em sua Casa com o meu bodoque, ele me dizia:  


- Meu filho não dê bodocada naquele passarinho; ele trouxe seu filhote para se criar perto de nós.