sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O CADERNO DE HAMAKO (II)

Dona Helena e suas plantas (Arquivo Harumi)

                Creio que é inevitável: quando a palavra é lançada ela ganha autonomia, vai buscando outras combinações e gerando outras pontes de histórias. No texto anterior muitos comentários apareceram e outros ainda estão por vir.  Por exemplo, soube que a Dona Maria Helena (Hamako) começou a escrever por volta de 2004, por estímulo do Thomas, seu genro.

                Thomas De Carle Gottheiner era meu conhecido desde o começo da década de 1970. Foi quando ele adquiriu uma propriedade na praia da Fortaleza, bem perto do tio Maneco Armiro, o tocador de rabeca. Sempre se deu muito bem com a caiçarada, participando dos nossos eventos e momentos. Depois, já no final dessa década, nos reencontramos no restaurante e pizzaria Perequim, na parceria inicial com Mike e Gustavo, na praia do Perequê-mirim. Mais tarde buscou uma participação política, pois tinha uma preocupação constante com os rumos da nossa Ubatuba. E aí se uniu à nossa amiga Mirtes (Harumi Honda) e foram felizes. Ele – Thomas – foi um ótimo ouvinte das prosas da Dona Helena, percebeu que seus relatos mereciam um registro e fez de tudo para que ela mesma fosse a autora dessa proeza. Assim podemos acompanhar no Caderno de Hamako:

Na praia

                Eu e meu irmão Yassuo pegávamos pitus na praia, no capim da margem [do rio]. É debaixo dele que o pitu fica escondido. A gente passava a peneira debaixo do capim e pegava muito, mas só levava para casa os grandes. Os pequenos a gente soltava. Essa praia era muito bonita.

                Para pegar a manjuba precisava de quatro pessoas: duas seguiam na canoa (uma para remar e outra para jogar a rede), duas ficavam na praia e iam soltando a corda. Quando chegava bem perto do final da praia, a gente começava a puxar a corda. Nessa hora, as pessoas da canoa também já estavam puxando do outro lado. Duas pessoas puxam o lado do chumbo e duas pessoas puxam o lado da boia para chegar junto no saco que tem as manjubas. Sempre eu ia junto para jogar a rede. Eu gostava muito.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

O CADERNO DE HAMAKO

Eu e Dona Maria Helena, no sítio da Cristina  e Roberto (Arquivo JRS)





















        No começo da década de 1990 eu conheci a jovem Mirtes (Harumi Honda), professora, colega da minha futura esposa, na escola Deolindo, em Ubatuba.  Pessoa maravilhosa, amiga estimadíssima em nossa casa! Mais tarde, coisa melhor aconteceu: conhecemos a sua mamãe. 

              Hamako Nishi Honda, a querida Dona Maria Helena, amava orquídeas e, contrariando uma das principais características dos nipônicos, adorava uma prosa. Falava de tudo que era agradável ouvir, sobretudo da sua experiência de vida. Logo eu me encantei com a sua sabedoria, com a sua genuinidade, com a sua bondade. Fiquei freguês de suas prosas, sobretudo de seus relatos sobre suas origens, no litoral sul do estado de São Paulo, quando descrevia a lida de seu pai com a pesca da manjuba. Eu, apesar das correrias da vida, sonhava em escrever um texto para publicar e dar a conhecer a mais gente um testemunho de vida tão importante. Mas a vida, escorrendo tal como a areia na ampulheta, também deixou de animar essa mulher. 


               Após o falecimento da Dona Maria Helena, em 2015, eu me lamentei de não ter ido mais vezes em sua simpática moradia para mais prosas. E, então, fiz uma proposta à Mirtes: “Vamos sentar juntos e escrever um texto para homenagear a sua mãe?”. Ela adorou a ideia; ficamos de olho numa ocasião, no momento de fazer a hora, de não esperar acontecer. De repente, num belo dia, eis a notícia dela: “Zé, não sei se ainda interessa, mas acabei de achar o caderno de anotações da minha mãe, todo escrito por ela, onde conta como foram morar nas margens do rio Ribeira de Iguape e como iniciaram a pesca da manjuba, como secavam o peixe e encaixotavam”. Estalei os olhos e a cabeça! Na primeira ocasião, entre sair de uma escola e embarcar no ônibus para outra, passei na casa da minha amiga. Revi o Marcos, filho da Mirtes, e conheci o seu irmão Minoru: tudo gente boa! Que beleza o tal caderno! Comecei a leitura imediatamente e terminei de fazê-la na viagem. Que viagem! É esse caderno que agora põe tudo a se movimentar. Boa leitura. 

A manjuba

          Para pescar a manjuba, precisava de licença. Meu pai logo obteve a licença. Comprou a rede de 50 braças (mais ou menos 70 metros), uma canoa grande e outra pequena e logo começou a pescar. No outro lado do rio tinha uma praia bonita onde se pegava manjuba. Nessa época meu pai tinha uma porção de camaradas para ajudá-lo na pesca. Quando estavam pescando na frente de casa, eu ia levar o almoço para eles na praia. Enquanto eles estavam almoçando, eu colocava as manjubas na minha canoa para trazer para a nossa casa, depois lavava para salgar em seguida. A manjuba ficava 24 horas no sal. Para cada latas de manjubas, era colocado mais ou menos 4 latas de sal para ficar bem salgada. No outro dia tirava do sal e punha para secar ao sol, onde ficava em torno de 3 dias. Quando o sol ficava muito quente, a gente enrolava a esteira, de manhã por volta das 11 horas, e, à tarde, depois das 15 horas, abria a esteira e espalhava as manjubas. Depois de secas, colocava em caixas de madeira (que cabia 20 kg). As cabeças eram tiradas.
         Tinha uma senhora que ajudava a encaixotar as manjubas. O sal deixava nossas mãos bem finas, que nem cal. Tinha dia que eu pedia para essa senhora lavar os sacos de sal. Ela ia, mas ficava xingando o tempo todo porque lhe doíam as mãos. Ela gostava de uma pinguinha, ia na cozinha para beber. Também gostava de pimenta vermelha. Na hora do almoço ela amassava no prato a pimenta, depois colocava arroz, feijão e outras coisas para comer.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

FEIRA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL - RELATOS (VIII) O MUNDO EM QUE VIVO - Ortênsia Quintino dos Santos

 
Odócia e as filhas Lílian (no colo)  e Ortênsia (Arquivo Ponta Aguda)
A minha estimada Ortênsia, filha dos saudosos Aristeu e Odócia, sempre foi empolgada pelos avanços dos seus alunos. Agora, enfrentando outras lutas, eu só posso dizer o quanto me orgulho dessa mulher valorosa, dessa caiçara de prosas, cantos e histórias. Vinte e três anos se passaram desde a “Feira” ocorrida na escola “Deolindo”, em Ubatuba. Seus alunos, tal como suas significativas lições, a tornarão imortal. Neste rumo deve seguir o nosso idealismo. Grande abraço. Até. 

Diariamente nos deparamos com depredações e “desacatos” à natureza. Tanta maldade que, apesar de já estarmos acostumados com o que vemos nosso coração não está totalmente preparado para tanta violência. Baseado nesses acontecimentos tristes, assim como tantos outros, eu resolvi por em prática algumas das coisas que aprendi sobre o Meio Ambiente, no curso de Educação Ambiental ministrado pela Fundação Vivendo a Terra.

Na escola em que leciono (EMEI Estrela D’Alva, em Caraguatatuba) é que coloco em prática, pois acho que são com os pequenos que conseguiremos um bom futuro. Já que alguns adultos ou já se esqueceram do que aprenderam ou não se preocupam em transmitir. Mas que na verdade é para eles também muito mais do que importante.
A cada dia procuro fazer com que meus alunos encontrem nas ruas, praias etc., elementos que são prejudiciais à natureza. E o que consigo perceber é que, a cada palito de sorvete ou papel de bala que eles encontram,  sentem como se um crime estivesse acontecendo. Eles reclamam que na praia há muita sujeira e poucos latões de lixo. Apesar da pouca idade, eles já são bem conscientes, me deixando admirada com suas perguntas e respostas.
Numa aula sobre o Meio Ambiente, perguntei a um aluno qual sua maior preocupação, se era com ele ou com os alunos (em relação à conservação da natureza). Respondeu-me que ele se preocupava com ele e com os adultos: “eu sou consciente apesar da pouca idade, mas os adultos, mesmo parecendo conscientes, continuam fazendo as mesmas maldades”.

Eles reclamam sobre os animais que vão à praia, dos papeis de sorvetes jogados na areia, da água que não é limpa. Eu comecei a verificar que à medida que os dias passavam eles se preocupavam mais e mais. Eles me falavam a cada queimada e derrubada de mata que viam (mesmo sendo em algum comentário na televisão), dos animais em extinção etc. Alguns alunos me pediam para fazermos as experiências que viam em programas de televisão para verificação da qualidade da água. Realizamos a proposta; ficou ótima! Eles ficaram tão interessados que até planejaram outras amostras.

Na Semana do Trânsito trabalhei com cores, sinalização. Ao invés de colar gravuras nas paredes, fiz atividades extraclasse, com dramatização e expliquei-lhes o quanto a fumaça  dos carros é prejudicial à natureza em geral. Quando voltamos à sala de aula, eles produziram gravuras e fixaram na parede a respeito do que haviam aprendido.
Para finaliza todo o trabalho, eles fizeram uma “maquete” com casas, uma floresta e animais de um lado e de outro. Fizeram prédios, carros e árvores, e, curiosamente, usaram a cor marrom. Justificaram o uso desta cor como sendo uma forma de exemplificar a ação de poluentes e outras agressões bastante comuns no meio urbano.
Ensinei-lhes como fazer porta joias com palitos de sorvete, aproveitando para trabalhar um pouco o tema lixo, reciclagem, utilidade da madeira, explicando-lhes a importância do reflorestamento. Meu objetivo durante todo o ano letivo foi trabalhar um pouco sobre algumas agressões à natureza e usar a temática ambiental em todas as atividades. Espero que num futuro próximo eles consigam realizar o que para nós é um sonho: “Mantermos vivo o ideal de ajudar na preservação da natureza”.


Observação final: todas as atividades foram desenvolvidas dentro do construtivismo, sempre respeitando a opinião dos alunos. Através do respeito pela criança é que temos a certeza de formarmos homens críticos, conscientes e politizados.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

AS CARAVANAS (II)

Olha que carga preciosa no barco "Maria Silla"! (Arquivo Iolanda)


Hoje, recordando da importante presença das religiosas em nosso município, faço questão de oferecer aos leitores do blog a narrativa da Ir. Iolanda. Para quem não sabe, as FMA (Franciscanas Missionárias de Assis) iniciaram, em 1982, a Creche Francisquinho, no bairro da Estufa. Quando você passar por lá, repara num trenzinho de alvenaria que eu fiz. Continua dando alegria às crianças!
Agradeço muito à Iolanda pelo texto. Que beleza!

“Caravanas” de 1970 a 1974
Nos anos de 1970 a 1974, durante as férias escolares de julho e janeiro, nós Irmãs Franciscanas Missionárias de Assis (que dávamos aulas) e mais alguns leigos que se dispunham, tirávamos de 18 a 20 dias, para ir a Ubatuba fazer uma espécie de missão com os caiçaras e pessoas do sertão de Ubatumirim.
Na época ainda não havia a estrada Rio-Santos. Aquele povo das praias e do sertão plantava mandioca, colhia, ralava e fazia farinha com grande sacrifício, inclusive, ‘lutando’ contra a “imundície” como chamavam a formiga saúva, que muitas vezes devastava as plantações. Quando conseguiam fazer a farinha, ensacavam-na para ir vendê-la na cidade. Este era outro grande sacrifício, porque tinham de ir a pé com o saco de farinha nas costas, atravessando praias e morros.
O padre Frei Pio Populin, franciscano, grande missionário de Ubatuba por mais de 30 anos, idealizou um barco que pudesse transportar o povo das praias e do sertão, para ir vender seus produtos na cidade, seja a farinha, como também artesanatos que muitos faziam de madeira ou palha, ou para irem a médicos, etc. Esse barco, construído pelo (na época frei Odorico) foi uma bênção para o povo. Os “timoneiros” eram os conhecidos Salvador e Nelson. E era do barco que também nós nos servíamos para chegar à praia Ubatumirim. Que medinho quando estava em alto mar! A travessia durava aproximadamente duas horas. Quando víamos ondas muito altas e fortes, olhávamos o rosto do Salvador para ver se estava preocupado ou tranquilo. Se estava tranquilo, também nós nos acalmávamos. Descíamos em Ubatumirim, e,  divididas em equipes,  uma equipe ia a pé para o sertão, outra atravessando um rio e depois um morro para a praia Almada e cada equipe durante o dia fazia visitas às famílias, levando uma boa palavra de amizade, um incentivo, uma bênção de Deus.  Muitas vezes comíamos o que nos ofereciam com tanto carinho aquilo que tinham: bananas, farinha doce, café com beiju: que gostoso! À noite, eram eles que vinham ali nas escolas onde ficávamos hospedadas para dormir e guardar nossas coisinhas. Então, pequenas catequeses, orações e depois brincadeiras, cantos com viola ou violão, e até “arrasta-pé”! Ô tempinho bom foi aquele! A última caravana foi em 1974 quando a Rio-Santos já estava adiantada e havia chegado até Ubatuba e mais para frente e logo não foi mais necessário o barco, porque os ônibus o substituíram. Ótimo! Porém, como sempre, ao lado do que é bom, o progresso traz também o que é ruim. Pelo fato de as praias de Ubatuba ser lindíssimas, aqueles que tinham e tem dinheiro, começaram a comprar os locais onde os caiçaras tinham suas casinhas simples, para construir seus casarões. E assim os caiçaras foram sendo empurrados para outros lugares mais isolados, ou não sei dizer para onde.
O fato é que a partir daí tudo mudou. E agora, Almada e outras praias por ali já são dos turistas.
            Envio algumas fotos desse belo tempo das inesquecíveis caravanas, que gostávamos tanto. As irmãs que sempre iam: Ir. Clara, Ir. Antonia,
Ir. Maria, Ir. Redenta,Ir. Iolanda, e umas ou outras pessoas ou irmãs, uma ou duas vezes.

            Com saudade deste tempo.   Ir. Iolanda

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

A MENINA NINI

             
Nini no quintal - 2016  (Arquivo JRS)
Como desfecho provisório da minha tarefa, conhecendo desde criança a história da Nini, eu fui somando tudo: menina caiçara + fotógrafa estrangeira + sensibilidade social + vítima inocente e desamparada + ideologia católica tradicional + injustiça percebida + oportunidade de crescimento + imagem da menina = arte que desperta.
Menina de Ubatuba - Imagem: Cláudia Andujar.

                       Foi a arte que me despertou para esta minha tarefa. A partir da sensibilidade de uma estrangeira que passava com uma câmara fotográfica pelo mesmo caminho onde se encontrava a Nini, a imagem ficou registrada, foi para outras partes do mundo e despertou a atenção de um pesquisador. E, graças à sensibilidade da amiga Mary, ela chegou até as minhas mãos.

               Nini, onde estás? No Study Collection (coleção de estudo), “um acervo destinado a trabalhos de pesquisas, mas não necessariamente para exposição”. Tinhas sido vendida entre 1962 e 1966. Lá, no Museu de Arte Moderna (MoMA), em Nova York, estavas perdida. Dentre tantas coisas, te esqueceram. Museu é assim mesmo, né? Até a fotógrafa, de acordo com o jornal, falou: “Não me lembro bem”. Ainda bem que nós nunca te esquecemos!

               Olha só como essa caiçarinha, filha da tia Thereza Lopes, viajou!


               Ah! Eu fiquei exultante por te achar! Espero que tenhas ficado alegre também! Beijos e abraço. Até. 

Em tempo: ainda espero contactar a fotógrafa para saber detalhes da época, do contexto da "imagem da Nini".

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

A HISTÓRIA DE NINI

             
A prima Nini, em Aparecida (Arquivo JRS)
                 Seja bem-vinda ao blog, Maria Célia!

                De acordo com a matéria exposta na primeira parte, o museu de Nova  York encontrou as imagens vendidas pela fotógrafa radicalizada brasileira Cláudia Andujar nos anos 1950 e 1960 em seu acervo secundário. E, o que facilitou o pesquisador Ângelo Manjabosco, foi um “currículo da fotógrafa para pontuar o período da vida dela entre 1955 (quando chegou da Suíça) e 1974”. Ao final, ao ler a parte em que a fotógrafa diz: “Comecei a fotografar porque queria conhecer o Brasil! Sempre gostei de viver aqui, sentia que as pessoas eram mais afetuosas do que o [o lugar] que eu tinha anteriormente”, senti a vontade de conversar, de ouvi-la a respeito da fotografia da “menina de Ubatuba”. A primeira ideia foi encontrá-la nas redes sociais, na internet. No entanto, as tentativas foram infrutíferas. Só sei dizer que, hoje, a fotógrafa está com 85 anos. Seria tão bom poder ouvir suas impressões da nossa gente daquele tempo! Por enquanto, leiamos, então, o que a Nini escreveu:

               No final de 1967, eu Maria Aparecida dos Santos, sentia que algo forte iria acontecer, mas não sabia com quem.
               Em janeiro de 1968 comecei a trabalhar na casa da Dona Dionísia Bueno Veloso, na Rua Dona Maria Alves. Nós éramos muito pobres. Meu pai, José Messias dos Santos, nos abandonara. A situação ficou difícil para a minha mãe Thereza Lopes e mais cinco filhos. Eu tinha três anos na época. Aos onze anos eu comecei a trabalhar para colaborar nas despesas de casa. Trabalhar era a solução.
               No mês de fevereiro, eu que nunca tinha entrado num hospital, nem sabia como era, sonhei que estava no hospital com a minha mãe. As camas eram altas, os lençóis eram brancos. No outro dia sonhei que passava na Praça Nóbrega e, no banco, estava sentada uma mulher vestida de preto. Fui vê-la; era Nossa Senhora que estava chorando. Passou mais uns dias. Em 23 de fevereiro cheguei da escola (estava na quarta série). Dona Dionísia falou para eu ir na A.L.A., na casa das freiras, buscar jornal velho para colocar debaixo do colchão, pois iria chegar gente [hóspedes] na sua casa. Fui. Quando voltei, um carro me atropelou. O condutor era Pavoni Júnior, estudante de advocacia. Estava se omitindo do socorro, mas um senhor tinha visto tudo e fez com que ele me levasse até a Santa Casa de Ubatuba. Eu estava inconsciente, coluna quebrada, cabeça arrebentada, clavícula quebrada exposta, bacia fora do lugar. Com a batida, caiu sangue no cérebro. Dr. De Luca, médico da Santa Casa diagnosticou que meu caso era grave e não quis dar transferência, porque “morreria no caminho”. Passaram-se dias, eu não morria, não sarava e ficava pior. Minha mãe tirou-me para o Hospital das Clínicas (SP). A grande ajuda, por intermédio da minha irmã Maria Lopes, que trabalhava na casa do Jango Teixeira, vizinho da Santa Casa, veio do Dr. Simoneti, delegado de Taubaté e genro do Jango, que se encontrava em nossa cidade. Ele conseguiu um helicóptero para me levar.
               Eu cheguei ao Hospital das Clínicas no dia 4 de março de 1968. [Notar que o acidente aconteceu no dia 23 de fevereiro]; precisava da transferência por escrito do médico. Minha prima Luzia Félix, que tinha ido junto, voltou até Ubatuba e retornou com o documento assinado pelo médico. Minhas pernas perderam os movimentos, eu continuava inconsciente e não enxergava. Depois a visão voltou e eu fiquei paraplégica. Passei em cirurgia pelo Dr. Arnaldo: duas vértebras quebradas e infeccionadas e medula comprometida. Uma vértebra não foi possível recuperar. Fiquei internada lá mais de cinco meses; depois, no Instituto de Reabilitação, fiquei mais 4 meses e pouco. Recebi alta em cadeira de rodas. Voltei para a casa de parentes, pois não tínhamos casa. Logo minha irmã [Maria] casara com Paulo João Monteiro. Foi quem nos deu um terreno onde minha mãe pediu ajuda para os outros para construir a casa. A prefeitura da época nos ajudou. E tivemos uma casa.

               Apesar da vida de sofrimentos, Deus sempre nos acompanhou. Minha mãe falava: “O Senhor é meu Pastor e nada me faltará mesmo que faltasse”. A fé em Deus nos moveu. A vida passa rápido, a felicidade e a eternidade com Deus nos espera. Aguarda a nós e a todos. Temos que fazer a nossa parte, confiar e esperar em Deus que tudo pode e que nos ama infinitamente é a solução. Tudo passa, só Deus é eterno.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

A ARTE DESPERTA

A prima Nini (Arquivo JRS)

               o título que me veio à mente, num primeiro momento, me remeteu a uma condição inevitável de algumas pessoas não se aguentarem acordados diante das imagens da televisão. Ou seja, todo o empenho de muitos profissionais da mídia televisiva não desperta como supõe o título acima, ou até serve como sonífero.  Até prefiro que seja assim. Mas vamos ao que interessa!

               No dia 28 de novembro de 2015, no jornal Folha de São Paulo, no caderno Ilustrada, com o título MoMA descobre 5 fotos de Cláudia Andujar, uma imagem atrai a atenção, está devidamente assinalada com uma seta riscada em tinta azul. É um detalhe deixado pela minha “censora” Mary Igawa, que guarda as principais notícias para que eu possa ler e aproveitar nas minhas atividades escolares. No caso, ela sinalizou para o que lhe chamou a atenção: o nome da cidade. Aquela fotografia foi feita há mais de cinquenta anos na cidade de Ubatuba. Eu, ao me concentrar na tarefa de recortar as matérias para a minha prática, também dei atenção especial à imagem da menina. Eis um trecho da matéria do jornal:

Quinze anos antes de encontrar os ianomâmis, Cláudia Andujar conheceu uma outra tribo (...) Agora, dois retratos destes índios, gênese daquilo que determinaria sua vida como fotógrafa e ativista, foram encontrados numa acervo secundário do MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York, junto a outras três fotos do início de sua carreira. Trata-se de uma menina sentada em Ubatuba

               E quem é a menina? Ai essa amiga Mary! Ai este meu olhar curioso! Ai esta minha facilidade para guardar feições!


               No instante em que vi a imagem, sobressaltei: “É a Nini! Lógico que é! Olha o olhar! Olha o nariz! Olha a boca!”. Então, passei a imagem para o mano Mingo recomendando que verificasse se eu estava certo. Em seguida, na primeira oportunidade, fui até a casa da Nini, no bairro da Estufa. “É, sou eu mesma! Estava comendo uma maria-mole daquela que vinha em copinho com um brinquedo em cima. Onde você achou a fotografia?”. “Ah! É segredo! Da próxima vez vou fazer uma entrevista mais detalhada com você e então falarei mais a respeito da fotografia”. Ela se conformou, nem insistiu. Era sábado, bem cedo. No mesmo dia, no final da tarde ela me telefonou para me informar melhor de onde trabalhava por ocasião do acidente que a deixou paraplégica. Ou seja, deduzi que ela estava ansiosa pelo assunto. E quem não estaria?

sábado, 1 de outubro de 2016

ALIADOS DA NATUREZA



Alcides, Solange Vasconcelos e Santiago (Arquivo: Cristiane Demarchi)

     Muito legal a iniciativa do Santiago em dar essa oportunidade de mais gente conhecer os saberes do povo caiçara através da fala do Alcides, do Camburi. É o que denomina-se etnoconhecimento. Daí a importância de não se perder a grande diversidade étnica deste planeta, de resgatar a etnobiodiversidade. Daí a importância de se orgulhar de nossas raízes culturais que, graças a esta condição única no planeta, resultou na cultura deste lugar (entre a serra e o mar). Parabéns, irmão!

Pausa para a pose (Arquivo Cristiane Demarchi)
Alunos de Biologia participam da palestra no Módulo. Tema: Agroflorestas

         A palestra sobre Agroflorestas, que ocorreu  na noite de quarta-feira (21/09), dentro da programação da XIV Semana Institucional do Centro Universitário Módulo, teve como convidados Luiz Claudio Santiago Bernardes e Alcides Alves Jorge.

    Santiago Bernardes é autor do livro Palavrandando. Biólogo e educador ambiental, ele dá palestras sobre as Agroflorestas na comunidade Quilombolas.
       Alcides Alves Jorge é artesão e agricultor quilombola, morador de Camburi, na região Norte de Ubatuba, e há oito anos desenvolve trabalhos de Tecnologia em Agroflorestas de plantios convencionais de monoculturas como mandioca. O trabalho é desenvolvido nessa região do município de Ubatuba, por sistema de mutirão e pelos povos caiçaras e quilombolas.
        Essa tecnologia ameniza limitações do terreno, minimiza riscos de degradação inerentes à atividade agrícola e aperfeiçoa a produtividade para a comunidade.
         O objetivo do projeto é unir conhecimento, vontade, disposição para junto à comunidade dar continuidade ao processo de regeneração da floresta através de espécies arbóreas. Outro objetivo é a produção de alimentos, baseada em alimentos limpos e saudáveis.
          Natália Francione, 20, é uma amante desse movimento de Agroflorestas. Ela esteve presente na palestra e já participou nos mutirões. Aliás, ela afirma ter conhecido Alcides através deste movimento.
          Para Natália, na restauração da área degradada é muito importante falar de Agroflorestas e de manejo sustentável. “Seu Alcides é um exemplo de ser humano que se preocupa com essas práticas antiga de queimadas. Ele sabe que isso é uma terrível degradação do solo”. Alcides vem desenvolvendo projetos na área dos Quilombolas para amenizar este impacto. “Plantando, colhendo e semeando. Esta é a ideia. Só assim podemos matar a fome do povo”, afirma Natália.