sexta-feira, 30 de novembro de 2012

ANJOS, SEMPRE ANJOS!

Esta orquídea eu herdei de um anjo, natural da Ilha das Couves.

Seja bem-vindo, Eduardo Landi!
Já tem alguns anos que o amigo Júlio se lançou em uma empreitada: fotografar todas as capelas do município de Ubatuba. Considerando que quase todas as praias e sertões têm a sua, ele ajuntou um material volumoso.
Mais importante que o registro fotográfico, foi a chance de escutar as histórias dessas capelas, dos caiçaras que as construíram e das lutas enfrentadas pelas comunidades, principalmente quando foi preciso se mobilizar por questões importantíssimas.
Os exemplos de articulação mais abrangentes ocorreram no início da década de 1980, quando passou por estas bandas um frei franciscano de ideias avançadas,  seguidor da Teologia da Libertação. O nome dele: Waldir. Foi quem motivou as lideranças das comunidades católicas a refletirem temas sociais (questões de disputas de terras, grandes empreendimentos imobiliários, indústria etc.) e a tomarem posturas mais solidárias e de compromisso com a qualidade de vida do nosso lugar.
Também, sob a liderança do frei, começou um movimento ecumênico. As igrejas deram os primeiros passos para um trabalho em comum em torno das injustiças praticadas contra os mais pobres, sob o princípio de que “Cristo veio para ser uma boa notícia aos mais necessitados” (Frei Waldir). Dessa união entre algumas denominações religiosas nasceram os movimentos contra o Projeto Porto Flamengo (Saco da Ribeira), a AVIBRAS (Sertão do Puruba), a Questão de Terra (Rio Escuro) etc. Desse pessoal e de outros cidadãos preocupados com os rumos do município nasceu o lema Ubatuba: pela vida, pela paz, efetivando o Movimento em Defesa de Ubatuba (MDU).
Ao reler a poesia do Mingo, passam rapidamente por minha memória tantas pessoas que bem poderia ser anjos para estar em todos os lugares.

                O LUGAR DOS ANJOS
                Os anjos costumam visitar
                as capelas simplesinhas,
                na praias isoladas,
                de paredes caiadas,
                para encontrar seus iguais:
                A menina de vestido de chita,
                a senhora que fala sozinha,
                as criancinhas que riem
                com as piscadelas
                que os anjos dão
                somente para elas
                e que fazem os padres
                ralharem irritados,
                espantando os anjinhos
                que fogem assustados.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

A PRAÇA DA MATRIZ


                Eu tenho a impressão que atravessamos mais uma crise na cidade. Por que digo isso? Porque os lugares estão deteriorados, desagradáveis e desvalorizados. Também as pessoas parecem apáticas, não se importando com o desleixo reinante. Para me fazer entender, recorro à imagem da Praça da Matriz retratada há algumas décadas.
                Olhando a imagem bonita, com agradável arborização, bem limpa, com um coreto que nos orgulhava porque era o lugar onde, logo após o término da missa, aos domingos, a Lira Padre Anchieta (sob o comando do maestro Pedrinho, do Alexandre Marques ou outro dos antigos, com músicos do quilate de Mané Mariano, Paulinho da Máquina, Mauro, Valter do Donato e outros muitos) animava nossos finais de semanas.
                Era nesta praça, repleta de jovens,  que começavam as trocas de olhares e sorrisos,  originando os futuros enlaces matrimoniais. Os rapazes circulavam numa direção; no outro sentido vinham as moças. Ai que emoção assistir um filme no nosso cinema!
                Também um atrativo eram as rodas de causos. Sempre eu procurava um ajuntamento para me deliciar com as façanhas narradas  pelos caiçaras em calças de tergal (produção do alfaiate Mendes, o pai do Júlio). Lá pelas 22:00 horas, eu já estava preocupado com o horário. Afinal, morando na praia do Perequê-mirim, precisava calcular um horário de ônibus que permitisse chegar relativamente cedo em casa, descansar e estar preparado para a labuta do dia seguinte e da dura semana de trabalho e estudo. Faço questão de dizer que, aos catorze anos eu já estava com carteira assinada (registrado). Quem cuidava dessa parte era a saudosa  Edna Marques, cujo escritório de contabilidade era onde funciona a atual Papelaria Marques.
                Voltando à praça, quando dava uma sede, caso não tivesse dinheiro para esbanjar num refresco, quem nos valia era o Braga, cuja pensão estava ao lado da bicicletaria Ipiranga, do Dito Bento, e, da Farmácia do Filhinho. De vez em sempre lá estavam: a dona Ofélia, o João Alegre, o Renato Teixeira, o Zezinho Marques, o Lacir e outros seresteiros. Deste pessoal, alguns já nos deixaram. Tudo ali está irreconhecível, exceto as palmeiras, o obelisco e o João Teixeira Leite, o nosso pintor primitivista que muito nos orgulha.
                Agora, se quero a paz desse tempo, olho a fotografia, imagino as feições nas animadas prosas  e me recordo das simpáticas companhias nos passeios rente ao acalanto das ondas de Yperoig.

domingo, 25 de novembro de 2012

FORMAÇÃO CIDADÃ


Década de 1980: vista da Praia Dura.


                  Por acreditar que as novas gerações devem conhecer as nossas riquezas naturais e culturais para que os valores sejam preservados e transmitidos aos que estão chegando, eu sempre me animei em conduzir as pessoas, sobretudo os mais jovens, aos lugares que tantas alegrias me proporcionaram. Na foto, um exemplo: alguns caiçaras adolescentes do bairro da Estufa (Zona Central) estão em excursão pela lado Sul do município de Ubatuba. Além de caminhar, eles tiveram oportunidades para conhecer as pessoas de cada lugar, os pontos de atração e as histórias. Hoje, todos são cidadãos que orgulham suas famílias e provam que nossos esforços não foram em vão.

sábado, 24 de novembro de 2012

A IMPORTÂNCIA DA LEI



                Em 2001, na Câmara Municipal de Ubatuba, aconteceu um encontro que gerou o documento Quilombos – a hora e a vez dos sobreviventes. Dentre os participantes estavam as saudosas  comadre Vitória e tia Astrogilda, o seo Genésio dos Santos , o Antônio Antunes e outros. Na verdade, era uma conquista se consolidando a partir de um trabalho de graduação individual (TGI) do meu irmão Domingos Fábio dos Santos, onde a estrela foi a finada dona Maria Galdino, uma descendente de escravo, natural da Praia da Raposa.

                Hoje, me apegando na fala da Deborah M. D. B. Pereira, uma procuradora regional da República,  destaco a importância de se ter uma lei para garantir a diversidade cultural e o desenvolvimento sustentável. Assim ela expôs:

A Constituição de 1988 quebrou o antigo ordenamento jurídico e introduziu novos valores, produzindo uma alteração radical no que esta palavra tem de mais forte, no nosso sistema jurídico. Na verdade, a Constituição está inserida em um movimento muito maior, um movimento mundial que tratou de rediscutir todas as áreas do conhecimento da humanidade, com reflexos no Direito. A mudança que ocorreu no Direito interno brasileiro aconteceu também no Direito internacional.

                E que mudança foi essa? Até 1988, todos se lembram muito bem, que dizíamos com muito orgulho     “esta é uma nação miscigenada, nós somos um único povo”.  Este era o discurso oficial e nós acreditávamos. Os índios eram aqueles que viviam em suas terras provisoriamente, cujo destino era serem inseridos naquela população miscigenada para formar um único povo, com uma única língua, uma única cultura. Somos um único povo, queremos todos a mesma coisa. As populações negras sequer eram citadas e viviam na invisibilidade, ou seja, ou estavam inseridas no contexto da miscigenação, formando a grande nação brasileira, ou não existiam, não eram contempladas singularmente.

                Em 1988, isso muda radicalmente. Temos no preâmbulo da Constituição a afirmação que somos um país pluralista e uma seção dedicada à cultura, que diz exatamente que esse país é pluriétnico, multicultural. A Constituição põe um ponto final naquela noção de que a influência negra, a influência indígena e a influência dos demais segmentos que formaram essa nação fazem parte do folclore e passa a considerar a sua identidade presente na atualidade. Estes grupos não fazem parte apenas do imaginário popular dessa nação. Eles têm existência  no presente. Eles existem e têm reconhecidos  os seus direitos.

                A Constituição revela, pela primeira vez, que essa nação pode até ter sofrido miscigenações, mas continua sendo plural, continua tendo grupos que vivem uma existência singular, distinta dos outros segmentos da sociedade brasileira. Esses grupos –como os índios, como os remanescentes de quilombos, como os ribeirinhos, como as quebradeiras de coco-de-babaçu – têm vidas culturais próprias, orientadas por valores diferentes, e têm o direito de continuarem existindo desta maneira.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

ESCAPAR DA CRUZ É UMA VIRTUDE


                Em 1º de abril de 1851, no Paço da Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo, Barbosa da Cunha assinou o seguinte documento:
                A Assembleia Legislativa Provincial decreta:
                Artigo único: Fica elevada à categoria de Cidade a Vila de Ubatuba, com a denominação de Cidade de Santa Cruz de Ubatuba, revogadas as disposições em contrário.
                - A cruz se foi. Foi o que eu disse numa roda de prosa, onde quase todos eram adolescentes. Sabe como eles  rebateram esta afirmação?
                - Será? Você acha mesmo?
                Fiquei a pensar depois de outros comentários dentro do assunto. É mesmo! Convém pesquisar quando foi que a Santa Cruz foi apartada do nome e por quais motivos isso aconteceu!
                Será que foi decorrência do Estado laico definido na Constituição republicana? Ou quiseram tirar o peso do nome (que lembra sofrimento)? Em tom de brincadeira, eu digo que era para não ocupar muito espaço na placa dos veículos.
                Veículos em Ubatuba? Certamente que, antes de 1930, era quase impossível encontrá-los em nossa cidade. É dessa época a primeira via rodoviária que nos interliga com outras cidades através da Serra do Mar. Estou me referindo a estrada para Taubaté. Foi construída em 1930, sobre o caminho das tropas que precisavam do porto de Ubatuba desde o século XVII.
                A “Estrada de Taubaté” (Rodovia Oswaldo Cruz), ao longo dos anos, foi ganhando o contorno da atualidade. Porém, não devemos esquecer que o primeiro acesso para as vilas de Serra Acima é aquele que até hoje existe (da Cachoeira dos Macacos para a Vargem Grande). No livro de Félix Guisard (Achegas à história de Ubatuba), a referência é que esse caminho foi feito “em cima do carreiro de antas, do tempo dos tupinambás”. Foi o mesmo que, por determinação de Bernardo José de Lorena, em 1787, se viu esvaziado mediante a ordem de que “todas as embarcações que zarpassem dos portos paulistas estavam obrigadas a se dirigirem para Santos”. Alguns consideram como sendo tal medida a causadora da primeira decadência de Ubatuba. Quer ver o tal caminho? Basta pouco sacrifício para transpô-lo.
            Agora, se quiser o mais fácil, siga o moderno traçado e vença a Cruz de Ferro que anunciava aos tropeiros, até a década de 1960, que estavam a meio caminho entre o espigão da serra e o lagamar da Praia do Cruzeiro. A questão continua: Como escapar da cruz?

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

PICOLÉ E SABEDORIA



                Aristides, um dos filhos do velho Cabral, era um caiçara que observava bem as coisas, mas de um modo muito discreto. O seu olhar era fixo no olhar de seu interlocutor, como se enxergasse o fundo da alma alheia. Os seus comentários e observações só se mostravam em muita profundidade para quem fizesse um esforço reflexivo.

                Os assuntos do Aristides eram coisas do cotidiano, do nosso simples dia-a-dia.  Somente em época de eleição  os seus ânimos pareciam se exaltar. Não sei dizer de onde ele se municiava com tantos fatos históricos nacionais para aplicar em nosso contexto de cidade quase que totalmente isolada, já na divisa com o Estado do Rio de Janeiro.

                Numa ocasião, quando se findava o mandato de um determinado prefeito, para que entendêssemos a  sua análise de conjuntura, explicou um fato do tempo do rei D. João VI: “Ao embarcar de volta para Portugal, deixando aqui o seu filho D. Pedro I, um putanheiro de marca maior, aquele gordo porcalhão raspou os cofres do Banco do Brasil e levou embora todo o nosso dinheiro. É assim que está acontecendo hoje: os fundos para a manutenção do ritmo regular do nosso município e de várias obras do nosso interesse se veem num sangradouro. Na verdade, já dizem por aí que não há fundos nos fundos”. E, para encerrar, sempre recorrendo a uma frase de efeito humorístico, ele tascou:

                “Os fundos viraram fundilhos puídos. Até para soltar catinga no ar deve-se calcular a pressão para não rasgar de vez o pano.  É essa condição que se vê: uma péssima lição de séculos se atualizando”.

                Nesse dia distante, ao perceber que eu o escutara com toda atenção, o homem me deu um picolé de groselha. Ao voltar para casa, todo satisfeito, eu fui repetindo entre as lambidas:
                - O seu Aristides  é muito sabido.

domingo, 18 de novembro de 2012

À SOMBRA DE UM TARUMÃ


Que tal um prato à base de peixe seco e cará-moela?

                Um velho amigo escreveu algumas linhas elogiando o texto que eu fiz, num dia desses,  a respeito dos cheiros. Nesta semana fiz questão de passar todos os dias num dos acessos para o meu bairro. O motivo: um velho tarumã está florido e perfuma um bom trecho da rua.

                O tarumã, conhecido na Ilhabela como taquiuva,  nasce facilmente a partir da semeadura natural feito pelos passarinhos. É uma árvore que cresce  muito. Os habilidosos caiçaras preferiam a sua madeira para tirar lindas gamelas, mesa de prensa, “queijo” de fuso, pilão etc.  

                Na minha infância, no caminho do rio, um pé de tarumã se destacava pelo tamanho e por ter uma base oca, onde as galinhas adoravam botar ovos. Quando a vovó Eugênia me dava a missão de descobrir onde determinada galinha estava botando, o primeiro lugar a ser sondado tinha de ser aquele tarumã bem evidente.

                O tarumã do caminho do rio não ficava longe da casa de farinha do vovô Armiro. Era alto, e, de qualquer ponto, a gente o avistava. Diziam os mais velhos que, no tempo dos índios, a madeira dessa árvore era muito usada para moquear peixes e fazer piracuá (farinha de peixe seco). Faziam isso por causa do cheiro especial que passava para o pescado, dando um sabor especial à iguaria.

                Hoje, por não ser tão exigente, seco o meu peixe numa simples madeira. A propósito: você já experimentou o peixe seco preparado com cará-moela? Quem quiser pode consultar o mestre cuca Julinho Mendes. Eu prometo editar a receita assim que ele me enviar.

sábado, 17 de novembro de 2012

DEU NA TV, MAS RODEIA O NOSSO LUGAR


Eu aposto numa geração de leitores e de produtores de reflexões vitais para  a atualidade

                Um motoqueiro, certamente depois de muito atormentar a vida de seus vizinhos com um som em alto volume, foi baleado e morreu. Isto foi em São Paulo. Ao que tudo indica, conforme o comentário do apresentador, o sujeito era um trabalhador alienado. Deduzo então:  ele investia o seu salário na sobrevivência e no consumo dos “produtos da moda”. Para ele, isto era ser bonito, sinal de alguém de status. Sentia-se valorizado pelo potente aparelho de som que lhe custou a vida.
                Em relação à minha vizinhança, quando um “miserável cultural” está refém do “barulho chique”, primeiramente notifico-o que o seu “maravilhoso som” não está agradando tanto como ele imagina. Só depois recorro à polícia. Afinal, se você não tiver paz nem em sua casa, onde mais vai ter?
                A minha sugestão é que as polícias (militar ou municipal) deem muita atenção a mais esse problema. O que deu na televisão mostra que, se não considerarmos e deixarmos de corrigir esses “pequenos” desgastes, nós podemos estar caminhando para uma guerra civil resultante de uma educação capenga, de crises de identidade, de perda da autoestima etc. São sinais evidentes de que já estamos “coisificados”, vivendo de acordo com os objetivos da classe dominante. Não duvido que próximo de você vive gente assim: que precisa ser notado pelas coisas que tem e não pelo que é ou poderia ser.
                Alienação boa é aquela que é fonte de prazer da leitura. Conforme escreveu Rubem Alves, em 1999:
                “Por meio da alienação sou capaz, ainda que por um curto espaço de tempo, de sair da minha realidade e viver a realidade do outro... Esse exercício voluntário da alienação é fonte da boa saúde mental. Quem não consegue fazê-lo é porque já está meio enlouquecido”.
                Questão: E quem nunca pensou em fazer isso, além de perturbar o direito do outro, é o que então?
                Em tempo (porque eu acho importante cuidar da saúde das pessoas e do nosso espaço caiçara):
                1- A dona Maria, caiçara, moradora do Sumidouro, diz que não imagina a quem recorrer numa situação paradoxal (mas nem tanto conforme noticiários de outros lugares!): perto da sua casa funciona uma mistura de cassino e salão de forró, com apoio de policiais que também moram por ali. Que verifiquem o fato as autoridades que resistem à corrupção.  
                2- O Tião, um areeiro desocupado, se lamenta do descaso das autoridades ambientais que não controlam a retirada de barro numa interligação recente entre as ruas da Promessa e Babaçus, no bairro do Ipiranguinha (Ubatuba). Pergunto: Será que elas sabem disso?

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

UMA RESTINGA FANTÁSTICA

Praia da Lagoa - Fonte: Google

                Diógilei Trada, da cepa caiçara dos Zacarias, tem buscado conhecer mais sobre a nossa terra. Que bom!
       Hoje, para contribuir com ele e outros, dou algumas dicas sobre a Praia da Lagoa que, até o começo da década de 1980, vivia praticamente isolada. A partir da divisa sul (Canto das Galhetas), é a quinta praia de Ubatuba. É uma praia profunda, de tombo. Bem preservada, lógico! Por isso que caberia às secretarias de Turismo e/ou Meio Ambiente uma atenção especial. Por mim, tudo aquilo, desde a Caçandoca, seria tombado como Reserva Caiçara.
                O terreno, desde a bifurcação do caminho para a Praia do Simão (ou Brava do Frade), abriga importantes vestígios do nosso passado colonial. As minhas fontes são as antigas rodas de causos, mas temos a vantagem de constatar in loco os sinais que atestam as narrativas dos nossos antigos.
                Logo no começo estão os paredões de uma grande represa.  Até o rio da Aguda foi desviado para a formação de um grande lago no local.
                Acompanhando o acesso à praia, logo acima do barranco, corre uma valeta quase imperceptível, por onde seguia a água que movimentava a roda d’água na casa grande. De acordo com os nossos antigos, ela resiste até hoje porque foi revestida de alcatrão. A  quanto tempo!!!
             Na letra A está a ruína da sede relativamente bem demarcada, mesmo que ocupada por grandes árvores. É bom reparar bem no poço da roda. A letra B ajuda a localizar as colunas de acesso à sede. É um conjunto interessante, que resiste às depredações. O ponto C demarca onde, de acordo com o Aristeu, era a enfermaria da fazenda. Na margem da lagoa está o ponto D assinalando o local do grande  rancho para abrigar as canoas do fazendeiro. O ponto E é o rico mangue, onde se pode degustar o fruto da corticeira. Quando maduro, o interior da fruta que parece uma graviola miúda, tem um tom alaranjado muito atraente e um sabor agradável. Já a letra F assinala o ponto de fechamento da barra (ocorre duas vezes por ano) e o início do Caminho de Servidão da Pedra do Frade, um dos marcos da Fazenda Lagoa.

sábado, 10 de novembro de 2012

ECOSOFIA


Da Floresta do Cedro o vovô Armiro trazia as taquaras para fazer balaios.

                Desde 1960, mesmo que quase não se escute, existe o conceito de ecosofia (que surgiu a partir das questões ambientais). Trata-se de uma forma de estar, de agir no mundo. É a relação do ambiente com o humano. Na realidade, os ecosofistas sempre estiveram entre nós, mas nem sabem que recebem esta denominação. Eis alguns exemplos:
1-      Ao mais antigos não recolhiam tudo da natureza apenas para deixar estragando em suas casas. Pelo contrário, eram sensíveis aos outros seres, também “criaturas de Deus” a partilhar das coisas ao redor. Pensavam: “Nós comemos goiaba, araçá, manacaru, pitanga etc., mas também tem os bichos que vivem disso tudo”. Era procedimento que garantia sustento para todos.
2-       Era característica dos antigos roceiros plantar respeitando o descanso da terra. Quantas vezes eu ouvi o meus avós e tios decidindo a respeito de uma nova área para roçado! “Voltaremos naquela capoeira da na Grota da Badeja. Já tem uns cinco anos que plantamos mandioca lá”. Os índios já cultivavam a mandioca neste preceito. Os termos  coivara, tiguera, capoeira, mata fechada etc. são decorrentes dessa tradição agrícola dos antigos moradores dessa terra (Ubatuba). Entre os caiçaras, somente a cultura da banana nunca deixava os lugares mais úmidos.
3-      Até no uso de condimentos tem uns resquícios de ecosofia. As cozinheiras, inclusive a mamãe e a vovó Eugênia, não usavam pimenta nos seres “mariscados” (marisco, saquaritá, preguai, guaiá, corondó, sapinhauá, santola, siri etc.). Diziam: “Não presta usar pimenta senão a natureza não dá mais”. Eu penso que pode estar nisso uma espécie de identidade e de compaixão. Afinal, pimenta nos olhos de qualquer um não é refresco.
             Um filósofo (Alexey Dodsworth-Magnavita) diz que “não interessa aos ecosofistas a imagem da coruja de Atenas a alçar voo apenas quando o dia se findou [...] Limitar-se a explicar o que se passou, decolando apenas no ocaso da vida, não é algo que atrai os ecosofistas”. Então, se pautando nos exemplos possíveis de continuar praticando e nas novidades preservacionistas, de desenvolvimento sustentável etc. vamos exercitar a nossa obrigação ética de agir no mundo a partir da nossa realidade próxima. É assim: as admiráveis caminhadas começam com os pequenos passos.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

COISAS QUE APRENDI


                “As coisas que eu aprendi eu posso ensinar” é uma frase que escutei do finado Aristeu Quintino, em 1982, na Praia da Ponta Aguda. O local: casa da ASEL, uma entidade fundada pelo saudoso frei Pio para dar apoio aos caiçaras. Era uma assistência necessária num tempo em que não havia nenhuma estrutura oficial de assistência social aos mais pobres. Era parte do compromisso evangélico do religioso italiano que se dedicou ao povo ubatubano.
                Nessa base da ASEL, no lado sul do município, o Aristeu prestava seus talentos de enfermeiro, de zelador e de outras habilidades que tinha. Lembro-me de uma ocasião em que tirou cipó (timbopeva) no mato próximo para ensinar, junto com o João Araújo, a arte de fazer balaios às crianças da região. Era uma tarde gostosa. Por estarmos perto da cachoeira, somente algumas “butucas” apareciam esporadicamente para nos picar. Porém, todos aprenderam o básico da cestaria. Eu já sabia mais ou menos daquilo porque cresci vendo os meus avós, sobretudo o vô Armiro, a tecer as taquaras em práticos balaios e samburás. Mas sempre é bom continuar aprendendo, né?!
                Nos dias hoje, ocasionalmente, passo alguns princípios do que sei fazer. O material básico não precisa ser o cipó, nem a taquara. Das pilhas de papeis eu monto os canudos, vou trançando e dando os contornos dos nossos antigos utensílios. Muitos se interessam e se alegram em aprender mais uma arte que veio dos antigos tupinambás. É a porção deles se manifestando na nossa cultura caiçara, nas coisas populares.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

UMA ESCOLA NOSSA

                Há bastante tempo eu não via, por dois anos seguidos, uma escola pública estadual com tantos eventos envolvendo  alunos e professores! Estou me referindo à E.E. Semíramis Prado de Oliveira, no Saco da Ribeira. Começamos o último semestre com uma Festa do Folclore bem participada. Em seguida,  prosseguindo a seleção feita nas classes no primeiro semestre, sob a batuta das professoras Luísa e Karina, a Tabuada Semíramis foi um show em todos os aspectos, sobretudo das torcidas. Parabéns ao João Pedro por mais uma vitória!
Na semana passada, os alunos - espontaneamente! - comemoraram o Halloween. No outro dia, a equipe do Grêmio Estudantil, juntamente com o professor Benedito, até efetuou palestra na Escola Idalina (Ipiranguinha). Hoje (6/11), completando a programação do início do ano letivo, nos dois períodos aconteceu a Feira do Conhecimento, onde os alunos expuseram seus trabalhos, demonstraram suas experiências e puderam apreciar um conjunto bem interessante e repleto de conteúdo. Até a Elektro fez uma palestra maravilhosa. São comprovações de que aproveitaram bem os esforços dos professores, da equipe gestora e dos demais funcionários que formam um conjunto eficiente.
                Eu reforço: um conjunto eficiente sempre apresenta um bom rendimento. A coordenação não divaga em temas abstratos, e, juntamente com a direção, zela pela autonomia do projeto político pedagógico, cuida da disciplina, do bom aspecto das dependências do prédio, dos encaminhamentos cabíveis em casos especiais etc. Os alunos também percebem isso! Logo após o ENEM, os alunos comentavam entre si sobre as condições deploráveis que encontraram em outras unidades, onde fizeram as provas. Reconheceram que a disciplina da “Semíramis” faz a diferença. Certamente que, continuando nesse rumo, teremos uma safra de novos cidadãos. Em tempo: mesmo que “as autoridades” não queiram enxergar...Que venha a cidadania!

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

QUESTÃO DE CIDADANIA


               
                  A fotografia mostra o trabalho realizado há pouco tempo no Rio Tavares, na ponte que da rodovia (BR 101). Trata-se da limpeza dos aguapés, do lixo que foi se encostando por ali, e, do desassoreamento (retirada da areia acumulada).
                O assoreamento é, em parte, natural porque a erosão acontece desde o ponto mais elevado da Serra do Mar. Aos poucos tudo vai descendo. Assim se formaram pelos milênios as nossas planícies mais apropriadas à ocupação humana. A outra contribuição, para entender porque é importante um novo documento a respeito do meio ambiente: as pessoas precisam respeitar a mata ciliar (que protege as margens dos rios, servindo de barreira à areia e ao lixo dos “sem noção”, dos “cabeça oca” etc.
                Hoje, quem reparar no mesmo ponto onde registrei a imagem, notará que a areia já ocupou novamente a calha do rio. Uma ação lógica seria alguma secretária municipal, em conjunto com o órgão federal que cuida dos recursos minerais, agilizar um processo que resolva, no mínimo, dois problemas: liberar o rio para melhor escoamento das águas e empregar os pequenos areeiros. Note bem: os pequenos! (Friso isto porque não duvido que “o mundo está cheio de sem noção” com máquinas, caminhões e influências corruptíveis na esfera do governo municipal).
                Eu creio que em outros pontos do município as coisas se repitam, tenham rios assoreados que podem gerar empregos aos pobres trabalhadores. Isto também é parte da sustentabilidade. Basta a população se mexer e exercer a cidadania.

NÃO CHORE PELO MATIAS

               
          Há quase duas décadas, por ocasião de uma visita aos parentes da Praia do Saco das Bananas, registrei o pequeno Matias na canoa, logo acima do lagamar. O dia estava lindo. O menino era muito curioso, estava sempre especulando sobre alguma coisa. De vez em quando o Albertino, de quem recebia todos os cuidados, ralhava: “Deixa de perguntar tanta coisa, menino. Parece que nunca gasta a pilha!”. É a imagem que eu guardo, como moldura, de um lugar que viu seus filhos deixarem seus hábitos e suas plantações. Agora, próximo das costeiras, entre os remanescentes bananais, brotam as casas dos turistas. Foi-se o tempo dos Antunes de Sá, os moradores do Saco dos Morcegos. Também ninguém do Gregório Crispim ficou. O velho Teófilo, dizem, viveu com desgosto seus últimos dias na casinha de pau-a-pique, logo depois da morte da amada Palmira. Do João Araújo eu guardo as histórias. Dos outros, já no Morro do Simão, que moravam entre o Rio do Inhame e o Espigão da Lagoa, até as imagens estão borradas. A escola, que funcionava na casa do Luiz Januário, somente deixou algumas ferragens das carteiras antigas no meio do mato, do tempo em que os alunos sentavam em duplas. Somente o semblante do pequeno Matias continua bem vivo.
                No Dia de Finados, ao passar pelo seu túmulo, encontrei a mãe que chorava. Acho que esta é a sua rotina dos últimos dois anos. O menino da canoa, de tantas perguntas, se foi. Ao me aproximar, a única coisa que me veio à mente foi recomendar que não chorasse mais pelo Matias. A vida continua; a luta é para quem está vivo. A última coisa que pude oferecer foi a imagem que eu registrei naquela tarde tranquila da Praia do Saco das Bananas. 

sábado, 3 de novembro de 2012

SE ELA É INEVITÁVEL...



                Eu cresci escutando o meu pai dizer que “para morrer basta estar vivo”.  Sempre pensei que todos deveriam estar preparados para algo inevitável como a morte, um fato que nenhum dinheiro ou beleza do mundo consegue subornar.

                Ontem foi Dia de Finados. Durante a semana, as pessoas por todo o mundo comemoraram à sua maneira (Dia das Bruxas, Halloween, Zombie Walk etc.) essa relação com a morte e suas derivações. Eu digo que é uma das expressões culturais mais antigas. Os estudos  arqueológicos interpretam alguns vestígios de mais de dez mil anos como sendo parte de rituais aos mortos.

                É sabido que os povos antigos (“pagãos”), nessa época do ano, por ocasião das colheitas, convocavam todos os antepassados – os seus mortos – para a vida. Era o Dia dos Mortos. Depois, com o advento do cristianismo (e a sua imposição pelas guerras aos povos antigos), houve a transformação para o Dia de Todos os Santos. E, redirecionando a primitiva festa, declarou-se o segundo dia de novembro como o Dia dos Finados.

                Portanto, de qualquer forma é uma das primeiras manifestações culturais que mostram o nosso desejo da imortalidade. Não importa o nome que derem à data; o importante é brincar com a morte e levar a vida a sério (com vontade de torná-la melhor para todos). Nisso, os nossos antepassados, sobretudo os bons exemplos, devem voltar em nossas memórias e em nossos atos.

                A cada ano eu faço questão de convidar os meus filhos para ir à sepultura de minha mãe. Acendemos uma vela representando a vontade de manter viva memória de seus exemplos, de continuar agradecendo pelas nossas vidas. Só assim eu compreendo a imortalidade: retornar à Mãe Terra, mas continuar fermentando as ações de quem continua sobre este chão.