domingo, 21 de abril de 2019

OUTRAS PARAGENS


Momentos na Serra da Mantiqueira (Arquivo JRS)


              Adoro viajar. Herdei da minha saudosa mãe este prazer.
            É muito bom respirar outros ares, conhecer outros hábitos culturais e realidades ambientais que não são tão familiares a nós. Por sorte, minha esposa também topa muito bem essas andanças; por isso está sempre pesquisando novos lugares para visitarmos. Por esses dias, atravessamos a Serra do Mar e o Vale do Paraíba para irmos à Fazenda Renópolis, em Santo Antonio do Pinhal, na subida da Serra da Mantiqueira, quase chegando ao município de Campos do Jordão.

            A fazenda é uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) desde 2011. Assim que chegamos, avistamos duas senhoras: mãe e filha. Dona Denise nos contou que a fazenda foi herança do sogro. A sua filha, Débora, da área de Artes, é quem comanda tudo. As atrações (Casa do Papai Noel, Museu Natural, licores, artesanato etc.) comprovam a sua eficiência.

            É legal conhecer o espaço das aves e dos animais que aguardam o retorno à natureza. São apreensões feitas pela Polícia Ambiental na região. Infelizmente temos ainda seres humanos que se divertem às custas dos sofrimentos de tais seres. Tem ainda um jardim japonês, um espaço de cultivo de ervas, trilhas curtas e muita água por todo lado.

         Parabéns às proprietárias por estarem construindo alternativas que vão ao encontro da preservação ambiental!

          Você pode fazer muito por essas ideias, essas iniciativas! Pode começar visitando a Fazenda Renópolis e contribuir com uma quantia irrisória sabendo que, de certa forma, a sua parceria garante mais um espaço para o nosso equilíbrio. A natureza agradece.

            É o frescor de outras paragens nos renovando em todos os aspectos.

            Ah! É muito gratificante ver o empenho da Débora e as suas realizações, sobretudo artísticas! E somos gratos à Bia pelo atendimento! Certamente que voltaremos mais vezes!



            

sexta-feira, 19 de abril de 2019

NEM TUDO SÃO FLORES


               
Jundu da Mococa (Arquivo JRS)

Jundu da Mococa (Arquivo JRS)

      Já escreveu o historiador Harari: “Um grande número de estranhos pode cooperar de maneira eficaz se acreditar nos mesmos mitos”. Eu creio que, recuperar a  natureza passo a passo, pode reverter o triste fim da nossa espécie. Tento, na medida do possível, dar a minha contribuição nessa realidade imaginada, nessa utopia de um mundo melhor. Também aplaudo as iniciativas de grande número de amigos (Pedro, Djalma...) e de estranhos que fazem de tudo por tais crenças. Ah! E não me omito naquilo que está no sentido contrário!

               Há alguns dias notei uma  ação  interessante  - das minhas! – na praia da Mococa (em Caraguatatuba): uma porção do jundu, no canto direito, foi protegida do vandalismo (nem sempre percebido por gente que se delicia na natureza preservada, se renovando a cada feriado ou final de semana). “Seu processo evolutivo ainda não está nesse estágio”. Ali tem uma mata especial, aves, plantas e outros seres que garantem a qualidade daquele lugar, a nossa qualidade de vida. E elas devem prosperar! Me parece que, das praias do município, ela é a única a receber esse tratamento. Parabéns aos ambientalistas ativos, sensíveis à nossa causa! Afinal, defender o jundu é defender a cultura caiçara. Deixo a sugestão de, inclusive, aproveitar o cisco trazido pela maré, de usá-lo como substrato na areia onde predomina tão admirável diversidade. Convidem as escolas para sensibilizar seus alunos, firmem parcerias com as entidades e publiquem nas diversas mídias o quanto é importante multiplicar tais atitudes (de respeito, de deslumbramento, de energias positivas...). Eu já deixei ali, na área protegida, a minha muda de abricó e o meu pé de pitanga. Quem poderia replantar manacarus?

               Mas nem tudo são flores na Mococa! No final da última temporada, num pequeno trecho de jundu preservado na primeira metade da praia, notei uma abertura de um pequeno caminho. As marcas das enxadadas ainda estavam frescas. Agora, menos de um mês depois, confira na imagem, já se abriu um lote e dá para ver umas instalações firmadas no local. Alguém mora ali? Tem necessidade mesmo de dar um fim na vegetação que se formou num longo tempo evolutivo? E o que dizer dessa quebra de harmonia tão acelerada em nossa realidade litorânea? “Ah! Logo pode aparecer um muro escondendo o óbvio abuso”.
Jundu da Mococa (Arquivo JRS)

               Depois, dessas mesmas pessoas se escuta: “Estão destruindo a natureza. Brasileiro é mesmo um povinho danado!”.  Hipocrisia! Conforme escreveu alguém no feriado (sexta-feira santa): “Hoje é dia dos hipócritas: não comem carne, choram com Cristo torturado, mas votaram no cara que é a favor da tortura”. É lógico que somente os hipócritas, inclusive uns parentes meus, devem se reconhecer nesta frase! Ainda bem que há pessoas firmes na realidade imaginada por Cristo: de dar a vida por um mundo melhor para todos e não apenas para uma minoria. E vida melhor exige respeito à natureza, à cultura que depende dela!

domingo, 7 de abril de 2019

ANJO DA GUARDA

As voltas das folhas (Arquivo JRS)

Anjo das guarda vai se fazendo nos momentos de descanso. A inspiração são as histórias dos caiçaras, as vidas que me cercam desde o meu lar até meu translado, indo trabalhar, em conduções públicas, apreciando a serra e o mar da nossa região. Um preso político continua preso: a história é cíclica porque os homens são os mesmos.


               “Parece que foi ontem aquele susto na praia”. Assim começa o relato do Maneco. Talvez nem seja este mesmo o seu nome real. Achei as páginas na mesma gaveta onde o Nenê guardou por tanto tempo seus rótulos de Ubatubana. Na verdade não é uma gaveta, é uma caixa feita especialmente para acondicionar com segurança algo que os Chiéus consideravam um tesouro: o papel retangular (onde uma embarcação aparece puxada numa prainha enfeitada de matas e costeira), a ser colado manualmente, litro por litro, identificando a famosa cachaça da cidade, que era distribuída pelos diversos lugares e distantes. Sucesso de público na década de 1970. Acabei de ler que um colecionador inglês tem um litro desse tempo: ele a classifica como a segunda cachaça mais rara do mundo. Deve ser mesmo. Imagine a distância de Ubatuba à Inglaterra. Se não fosse a internet, desconfio que dificilmente eu saberia disso. Agora, tendo falecido o estimado Nenê, ouso contar aos outros isto que tenho em mãos. Este amarelado caderno foi presente dele, por ocasião de uma visita que lhe fiz há alguns anos, quando tive o prazer de escutar um pouco mais de histórias e saborear de seu vinho devidamente escondido, modesta reserva pessoal.

               “O jundu da Maranduba era imenso, a gente enxergava o mar bem lá longe. A casa da Maria Balio, ao lado do Cruzeiro, ficava sozinha naquele terreno. Tudo ali era mato! Uma mata se estendia até o Canto da Barra. Era mato fechado mesmo! O nosso campinho era ali. Hoje é tudo praia, mas antes tinha até um barranco alto. A gente vivia brincando por ali, naquela mata. Tinha goiaba, araçá, pitanga, manacaru... Tinha muitas espécies de bichos: tatu, gambá, cotia, tamanduá, preguiça, preá... Os meninos, dentre eles eu, aproveitavam bem aquele espaço. Numa tarde, lá pela metade, olhando para baixo, na beira do barranco, estava morto o 'Corondó'. Tinha comido veneno de formiga – formicida – que comprara na venda do João Pimenta. Descemos o barranco para ver melhor, se estava morto mesmo. Estava. Seu pouco vômito era alaranjado. A gente correu para avisar outras pessoas”. 

              Faz-se necessário explicar: jundu é a mata que está na beira da praia, surgida nos milhares de anos sob a areia quente que ali foi sendo depositada, sobretudo pelo mar. É vegetação de resistência. Constitui-se um espaço de coleta para a sobrevivência dos moradores da beira do mar, da cultura caiçara.