domingo, 30 de setembro de 2018

ENXERGAR É MUITO MAIS QUE VER



               Ao ler uma série de anotações (acompanhando imagens) da professora Regina Natividade (“Rê” - de Ubatuba), não pude deixar de pensar o quanto elas são importantes para alguém que queira estudar as transformações no nosso litoral, sobretudo na Ilhabela, onde a mesma iniciou o seu ofício docente. São registros de 1993 que, comparados com fotografias atuais, podem permitir estudos pertinentes da região em relação à degradação ambiental e mudanças culturais no povo nativo, nos caiçaras do lugar. Espero que seja agradável a você se imaginar na Trilha dos Castelhanos, desfrutando emoções da caminhada. Eu e um grupo de alunos do curso Técnico de Turismo (Escola Aurelina- 1993) acompanhamos a Rê numa dessas oportunidades. De vez em quando encontro com alguém daquela turma que me diz: ”Nunca esqueço de quanto foi marcante aquele passeio na Ilhabela!”. Eu também digo o mesmo!

Eu estava em companhia do Sandro [um adolescente do Saco do Sombrio] quando fui conhecer a Estrada dos Castelhanos. Saímos da Barra Velha às 10:30 da manhã.


Olhando para trás vimos a Barra Velha e o canal de São Sebastião.


A estação de tratamento de água.

Então resolvemos fazer a primeira parada para descansar e saciar a nossa sede na primeira bica.

                                              Deus!!!

A beleza é infinita! Tudo o que encontramos pelo caminho é lindo!
Repare no jacu no galho da árvore.

O barranco da estrada.

Na segunda parada, numa pequena ponte sobre um riacho de água fresca.


E quando resolvemos trilhar a mata...
 Encontramos várias espécies de flores, pássaros, a vegetação e as árvores que habitam a mata. Acima uma helicônia e abaixo vários pica-paus no tronco dessa árvore imensa.


Uma impressionante casa de cupim.

O rio do meio da estrada é o sinal de que chegamos na praia dos Castelhanos.  Ao atravessar o rio, vem uma sensação de alívio, como diz o "Gibi" [irmão da Rê].






Porém, as fotos não é o registro de tudo que vimos.


E é muito menos do que sentimos durante a caminhada de sete horas e meia.



sexta-feira, 14 de setembro de 2018

QUE A VIRGEM ME ACUDA

Canoas do saudoso tio Aristides (Arquivo JRS)


               Hoje é feriado na cidade de Ubatuba, no litoral norte paulista.  É Dia da Exaltação da Santa Cruz; comemora-se a “Paz de Yperoig”. Oficialmente é o primeiro tratado de paz em terras americanas. Assim é a vida... Histórias e histórias... Muitas delas construídas a partir de mentiras e promessas.

               Para quem ainda não sabe: neste município, por ocasião do “achamento” do Brasil, quem vivia por aqui eram indígenas, do povo Tupinambá. Aqui era a aldeia de Yperoig. Inicialmente os índios se encantaram com os invasores,  os perós (portugueses). Eram homens diferentes. “Eles tinham vindo da casa do Sol, da direção de onde esta divindade aparecia a cada manhã”. Mas logo viram que a intenção dos perós era escravizá-los. Quem quer viver sob o julgo, perder a liberdade? Nem eu, bacurau! Então começa a luta, a resistência dos nativos. Nasce a denominada Confederação dos Tamoios, quando muitos dos diferentes povos existentes neste chão se unem contra um inimigo comum. “O mar ficava coalhado de canoas. Mais guerreiros seguiam por terra para atacar os portugueses da Baixada Santista”. Por outro lado, tendo mais recursos e contando com apoio dos padres jesuítas, a elite lusitana vai se armar e cooptar também índios para não perder o território que prometia muito, começando pela extração do pau-brasil.

               O Velho Catarino dizia:
              “Para dominar de verdade, eles enviaram os padres Anchieta e Nóbrega. Foram os mediadores do conflito quando os portugueses sentiram que podiam perder, pois os confederados estavam dispostos a tudo. E, de acordo com os registros que predominou na História, o padre Anchieta neste território ficou refém enquanto uma comissão foi até a Baixada Santista negociar as condições de suspender a Guerra dos Tamoios. O padre até gostou da ideia. Afinal, era só ele entre a indialhada pelada não é mesmo? Dizem que, para passar o tempo longe das tentações medonhas, mas maravilhosas, o sacerdote escrevia poemas na areia da praia e decorava-os conforme os dias passavam e as ondas apagavam. Que a Virgem me acuda era a sua prece. Por fim veio a solução: em 1563, depois de oito anos de conflito, no dia 14 de setembro, foi acordada a paz”.

               Só bem mais tarde soubemos que os portugueses não cumpriram a sua parte, ou seja, se aproveitaram da desmobilização dos inimigos e deram um jeito de exterminá-los. A estratégia dos exploradores portugueses se repete até hoje por aqueles que querem viver às custas dos outros, empobrecendo-os.  A jornalista Priscila Siqueira escreveu que, “destroçadas, o que restou dessas nações se repete em seus descendentes, os caiçaras”. Assim, volto a finalizar deste modo:
             Ou você comemora a Exaltação da Santa Cruz porque os Tamoios foram dizimados ou comemora a data como Traição de Yperoig porque a paz tão exaltada nunca houve.

domingo, 2 de setembro de 2018

CÉU OU INFERNO: COISAS DE GENTE

Uma jangada de lixo (Arquivo JRS)

Detalhes de uma jangada (Arquivo JRS)



Viajei por outras terras nem tão perto assim;
Voltei porque o lugar da gente é o lugar da gente.
Vi belezas de todo tipo, mas nunca comparadas com as daqui, do meu povo.
Após  décadas de ocupação desenfreada,
Motivada pela especulação imobiliária,
A minha  terra rapidamente se enfeia.
Também feias vão se tornando as pessoas!

Tudo vai se enfeiando!

Aquele rio, o da Toca do Bagre,
De Jundiaquara  nada restou.
E o canal de esgoto até transborda sobre o Itaguá.
O rio Tavares, batizado no terreiro do Velho Raé,
Tem um colar de lixo deixado por gente enfeiada:
Está esperando  a chuva que levará tudo para o mar.
“É uma jangada de porcariada!”.

A água do Velho Lucindo está podre,
Se retorcendo e alcançando a praia,
Onde tantas puxadas de rede
E tantos caiçaras  (Florindo, Aládio, Tibúrcio Mesquita...) labutaram.

É! O mar tá pra esgoto e lixo !  O mar não tá pra peixe!

A DANÇA DE MOÇAMBIQUE

Evolução em Moçambique  (Arquivo JRS)

Viva a resistência! (Arquivo JRS)


              
               Dias atrás, a partir de um convite especial, eu e minha esposa fomos até a cidade de Paraibuna para assistir uma Dança de Moçambique.

               Moçambique, a dança, é um bailado popular. Com pessoas numa indumentária própria, simples, com guizos nas pernas ou nos tornozelos. Ela se desenvolve numa coreografia bem movimentada, em filas ou arabescos, agitando, entrechocando os bastões, em lutas simuladas ou seguindo o desenho convencional, estrelas ou escadas, provas de equilíbrio, precisão e segurança, ao som, geralmente, de tambor, violão, rabeca e pandeiro. Vem do tempo dos escravos. Portanto, suas raízes estão na África. Por ser uma cultura popular, uma forma de resistência, foi nacionalizado, se adaptou à religião católica, ou seja, compõe a raiz da religiosidade popular brasileira. Então, pela origem negra, naturalmente honram São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, com letras da devoção popular. Lembremos que só assim os ritos dos negros, as  tradições africanas eram tolerados. Por isso que muitas vezes o bailado se apresentava como cumprimento de promessa. A vovó Martinha dizia: “Os pretos da Caçandoca dançavam o maçambique sempre”. Além da vovó, ouvi de muitos outros velhos caiçaras a denominação de maçambique. O saudoso tio Aristides, quando jovem, participava do grupo de moçambique do bairro da Estufa: “Eu dançava. Também dançavam o Tobias, o Ditão... Acho que até o Antônio fez parte daquele grupo. Tempo bom!”.  Até 1980, a Maria Charlot animava um grupo de dança semelhante no bairro do Taquaral. No centro da cidade, no coração de Ubatuba, o mestre moçambiqueiro era o Modesto. Não é preciso dizer que todos eram negros, descendentes de escravos que um dia foram arrancados da Mãe África, tal como a minha tataravó que viveu essa condição na praia do Lázaro.

               Ao assistir uma evolução dessa manifestação popular, você consegue ver além daquilo que se mostra, voltar no tempo para enxergar os negros se exercitando, ensaiando defesas e ataques no terreiro da senzala ou pelas capoeiras. Eram estratégias que alimentavam a resistência frente às agruras do Brasil que manteve por quase 350 anos a escravidão negra. Por isso que é triste escutar alguém dizer frases do tipo: “Quem disse que os descendentes dos escravos merecem reparação?”, “Eu sou contra a titulação de terras quilombolas” etc.

Quer ver uma mostra do grupo de Paraibuna? Então lá vai: https://www.youtube.com/watch?v=MkTditXI3Hw