terça-feira, 31 de julho de 2012

AFAGOS: É BOM DEMAIS!




                O amigo Jorge quis saber mais detalhes de um texto que eu escrevi a respeito da tia Aninha (NUM CAMINHO DE FLORES), mais especificamente do vaso de flores de guaco que causou admiração na prima Nélia. Agradeço à curiosidade que me conduziu ao presente assunto: espero que seja esclarecedor e ajude a compreender um pouco mais do meu povo.

                Do tempo de criança, quando somente caiçaras moravam neste pedaço de chão (Ubatuba), era comum ver as mulheres, ao se visitarem, levar lindas braçadas de flores. Eram muitas vezes colhidas de plantas do terreiro (rosa, jasmim, madressilva, sabugueiro etc.), mas também não era incomum os ramalhetes de flores silvestres, tais como ciosa, tarumã, ingá-feijão, pacová, guaco e outras. Eles ficavam em vasos simples, em jarras d’água sobre a mesa das salas, enfeitando oratórios, deixando as casas com agradáveis aromas e tornando-as mais acolhedoras.

                Essas maravilhas coloridas e cheirosas, eram afagos que as pessoas trocavam. Também acontecia de ser sob outras espécies: um bolo saboroso, uma cuia de beijus ainda quentinhos, um quarto de paca, algumas ovas de tainhas defumadas, uma moreia seca num tom dourado, um cesto de jabuticaba, uma penca de banana da terra etc. Afagos: quem não gosta?

               

domingo, 29 de julho de 2012

AS MARCAS


Será que o Júlio fotografou esta capela?
Aqui era costeria (assinalei alguns dos buracos de pindás).
Esta é a Gruta do Canto.


                Eu quero que os meus amigos - principalmente eles! -  conheçam os nossos lugares e o nosso povo caiçara. Só andando e conversando com as pessoas é possível isto.

                Ontem, juntamente com o Jorge, Lucas, Estevan e Régis, fizemos o caminho que conduz à praia das Sete Fontes. No trajeto, exatamente na praia da Ribeira, chamei a atenção para os fragmentos de louças do nosso período colonial. Ocasionalmente eles estão aos nossos pés, mas é preciso ter orientação para percebê-los. Um pouco adiante mostrei, entre as árvores, a praia da Dinísia. Está cercada. Hoje ela é um bem particular.

                A praia do Flamengo é uma dádiva! Melhor ainda era no tempo do Antonio Leandro, do Tiquinho, do Braulino Rocha e outros contadores de causos que moravam ali. Agora vale a pena uma prosa com o Pedro Tomé e o Antonio Neves! Porém, o nosso destino era a praia das Sete Fontes, mais precisamente a casa da Mercedes, a caiçara (filha do Bureta) criada a bagre da praia Dura. Ufa! Que subida!

                Depois de um gostoso abraço na amiga e de um café, fui apresentar alguns detalhes do lugar: a Capela no canto da praia parece estar meio desprezada. Senti por não poder mostrar a Pedra da Pegada. O motivo: uma pedra enorme se desprendeu do morro, rolou até a costeira e caiu bem em cima da outra que tem uma pegada humana em perfeita condições. Quem sabe, no futuro, uma motivação turística resolva detonar o empecilho. Adentrando num “espaço particular”, aos pés da Gruta do Canto, numa pedra de fundo de quintal bem acima do nível do mar, fotografei uma pedra que, calculo eu, há milênios serviu de base para os pindás. Imagine só!

                Triste é ver no que se tornou o espólio do Velho Peralta. Também é notória a desunião de seus descendentes.

                Finalmente nos despedimos das praias e do caminho que tantas histórias guardam.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

UM GRANDE AMIGO


Eu, Michel e Estevan
                No mesmo dia da despedida da tia Astrogilda, eu recebi a visita do amigo Michel Lemarchand, um ilustre francês que se dedica há 35 anos ao serviço de comunidades carentes na cidade de Santo André, cidade próxima à capital paulista. Depois de anos... Que saudade!

                Michel é religioso, pertence ao Instituto Filhos da Caridade, cujo carisma é zelar pela espiritualidade do mundo operário (trabalhadores, familiares e organização). Adora o nosso lugar (Ubatuba) devido as belezas naturais que permitem um perfeito recolhimento e bons momentos de reflexão.

                Foi com Michel, Mahon, Frédy Kunz, Nelson, Jorge e outros que eu aprendi a atentar mais para um monte de questões relativas ao  mundo do trabalho e à dignidade humana. Em equipe nós participamos de significativos movimentos sociais, sobretudo na região do ABC e outros pontos da Grande São Paulo. Disso tudo nós conversamos no reencontro; nos lembramos de muitos nomes que participaram dos movimentos e colocamos a prosa em dia.

                Durante o café em família, Michel fez uma análise de conjuntura da Europa na atualidade. Explicou as consequências de um rompimento cultural com as tradições que ocorreu, de maneira acentuada, na década de 1960. Só agora a sociedade francesa, por exemplo, percebe o quanto foi danoso o rompimento com as suas raízes fundamentais (e fundantes!). Enfim, tudo foi muito bom, mas o mais importante de tudo foi revê-lo sempre disposto em se comprometer com a vida comunitária. Que ele e os Filhos da Caridade continuem sempre firmes e com saúde para os desafios. Este é o desejo da nossa família: eu, Gláucia, Maria Eugênia e Estevan.

                Amigos assim são sempre bem-vindos!
                
                Valeu, padre Miguel!

quinta-feira, 26 de julho de 2012

MAIS UM ASTRO


(Imagem do livro Os caiçaras contam)


                Ontem, à 15:00 horas, sepultamos a tia Astrogilda, caiçara da praia do Pulso.

                “Ali, onde hoje é a casa do Bernadino do Prado, antigamente era a casa do tio Anastácio, o pai da tia Astrogilda”. Assim me mostrou recentemente o papai, explicando como era aquela praia e os seus moradores no começo do século XX. E continuou: “Depois de casada com Silvário, filho do Estevan Marcolino, a titia foi para Santos. Era assim naquele tempo: muita gente buscava melhores condições e trabalho em Santos”.

                Atualmente, depois de passar alguns anos morando na Enseada, há mais de duas décadas que o simpático casal se fixou no bairro Morro das Moças, na rua que foi batizada com este nome diferente: Astrogilda da Conceição. Além dos depoimentos de ambos, recolhidos pelo Domingos, também é possível apreciá-los no livro Os caiçaras contam, publicado no ano 2000.

                Dela guardarei muitas recordações. Uma expressão interessante: quando queria fazer a gente pensar um pouco mais, lançava a seguinte frase: “No fim deste dia, você pense no que fez e nas pessoas que encontrou. Veja se não  carece tentar arrematar um dia mal alinhavado”. Foi com este pensamento que eu desci o morro do cemitério do Ipiranguinha na tarde garoenta de ontem.

                Recorrendo às crenças primitivas, eu prefiro olhar o céu estrelado a partir da praia do Pulso, imaginar mais uma estrela luminosa e dizer aos meus filhos que a tia Astrogilda virou astro, se compôs na estética e na poesia do Universo. Enfim, será mais uma pessoa que permanecerá viva nas nossas lembranças como um modelo de simplicidade de vida caiçara.

                Ao tio Silvário, aos primos e primas só desejamos firmeza para continuar sem o apoio desta mulher, deste esteio essencial.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

“NÃO XINGA A MAMÃE...”


Vovó Martinha, a parteira.
Mamãe está feliz entre o Wagner e o tio Marcelino.


                    O meu tio Chico Félix, um destemido homem do mar, depois que achou uma garrafa  encalhada na praia e tomou o seu líquido, achando-o delicioso, nunca mais se endireitou. Ou melhor: tornou-se um viciado em bebidas alcoólicas para o resto da vida. Ele era um homem de bom coração; a gente gostava dele apesar de tantas extravagâncias. Além do mais, um especialista em causos: adorava contar de momentos vividos e de mistérios que pareciam desafiá-lo.
                Quando o tio Chico estava sóbrio, era um homem de pouquíssimas palavras. Nessas ocasiões estava totalmente envolvido com o mar, enfrentando os desafios em cima de uma canoa. Confesso que ainda não vi alguém desafiar o mar, sob qualquer condição, tal como o titio. No entanto, embriagado ele virava um “xarope”, infernizava qualquer um, inclusive a sua mãe (vovó Martinha). Fazia uma catação de orquídeas e samambaias pelos quintais e trocava pela “mardita branquinha”.
                Num final de tarde, começou do nada um bate-boca com a vovó. Éramos os três em casa. Eu estava controlando a situação até certo ponto. De repente fiquei desesperado pelo rumo das afrontas. Ele partiu para os xingamentos. E dos pesados! Foi quando chegou outro tio: o Neco, o penúltimo dos oito filhos (só homens!).  Então respirei aliviado. Expliquei-lhe rapidamente o desenrolar. Novamente uma série de xingamentos veio aos borbotões, parecendo cano d’água quando se rompe.
                O tio Neco não conseguiu se conter. Partiu para cima do irmão, também apelando com muita exaltação: “Não xinga a mamãe, seu filho da puta”. E soltou mais um monte de palavreados acompanhado de uns tabefes. Coitada da vovó.
                Na hora eu me contive, mas logo veio o inevitável ataque de risos.
                Depois de tanto tempo do ocorrido, me recordo de como a mamãe gostava dessa história. Ela ria gostosamente quando, estando a irmandade reunida, alguém repetia o “não xinga a mamãe, seu filho da puta”. Quem diria que isto iria se tornar um código de família?

terça-feira, 24 de julho de 2012

SACO DA RIBEIRA

1970
1988
2012
             
                 Em três momentos da praia do Saco da Ribeira, podemos perceber o quanto de transformações os mais antigos moradores já presenciaram.
                 Foi-se o tempo onde o lugar era preferido para as puxadas de rede, arrastões de picaré e coleta de siris.
                 Na mata atual, percebe-se a tomada dos morros por uma espécie exótica: o pinus (pinheiro). Desapareceram as manchas das antigas roças de mandioca.
                 São muitas as mudanças!

segunda-feira, 23 de julho de 2012

A DONA GERTRUDES É NOSSA!


Um dos encontros da irmandade caiçara do meu  lado materno.
                Na década de 1980, deixando a praia das Toninhas, dona Gertrudes, a vizinha da dona Dorcelina, vem morar no centro da cidade, mais exatamente na Rua Ponciano Eugênio Duarte, na margem do Rio Grande de Ubatuba, “o lugar de muitas ubás”, nas proximidades da Aratoca.
                Como todos os velhos caiçaras, ela faz questão de manter muitos dos traços culturais que herdou. “Isso é a razão da nossa vida. É a nossa alegria”. Esta é a sua significativa expressão nas ocasiões em que faz questão de acolher a Folia do Divino, oferecendo um autêntico almoço caiçara aos foliões e seus convidados. Como católica, essa é parte de sua devoção que não pode faltar. Assim foi no sábado, anteontem, quando depois da Acolhida e antes da Despedida do Divino Espírito Santo, todos puderam se regalar com tainha seca e batata doce, pirão, doces e outras tantas iguarias da nossa culinária. Tudo regado com uma boa e simples prosa. Bons momentos! Inesquecíveis momentos! De acordo com a mana Ana, “todos se regalaram”. Importante: o preparo e a secagem dos peixes seguem a tradição e é a própria dona da casa quem realiza todas as etapas com todo o ritual característico.

                Os gestos da dona Gertrudes (vó do Rodrigo e do Rogério Estevenel) que resguardam, dentre outros aspectos, a nossa musicalidade, nos remetem às nossas raízes, faz retomar um texto da Kilza Setti, em seu livro Ubatuba nos cantos das praias, onde se lê:

                “A posição do caiçara em relação à conservação do acervo cultural que lhe ficou de herança é muito clara. É como se houvesse nichos culturais de proteção, onde se guardam recortes de um fazer musical ancestral, celebrado e repetido somente quando na certeza de estar ao abrigo de profanações, zombarias, ou tratamentos ostensivos de desprezo. Este parece ser um traço bem nítido de uma população caracterizada como intersticial, atualmente sem espaços físico e cultural próprios; sem uma situação definida junto à sociedade maior e, por isso mesmo, difícil de ser avaliada em termos de censo. [...] é certo que muitos indivíduos cujo estilo de vida e cuja cultura poderiam ser classificados de ‘rústicos’ vivem na cidade e desenvolvem práticas musicais ligadas à tradição caiçara. Esse pequeno segmento fixado na cidade e nas cercanias dela tem consciência de que pode ser vulnerável a críticas. Daí as precauções quanto à divulgação de suas tradições”.

domingo, 22 de julho de 2012

A FORÇA DO FOGO




                Nesta semana, a minha sobrinha Carla sentiu saudade de fogueira, de uma festa nos moldes juninos, onde tem pipoca, canjica, cuscuz, amendoim, bolo de fubá, bandeirinhas coloridas, etc. Então, conversando em casa, decidimos mexer em algumas coisas do espaço para que pudéssemos promover a tal festa. Também estávamos sentido falta disso, de reunir nossos familiares. Logo demos a incumbência da lenha para um dos irmãos; outra sobrinha se encarregou das bandeirinhas; a minha esposa se organizou para os muitos e variados pratos. O quentão ficou por minha conta.

                Ontem, logo depois da festa na casa da dona Gertrudes, onde a Folia do divino foi acolhida com tanta alegria e comedoria farta, de acordo com o relato da minha irmã Ana, o pessoal foi chegando à nossa casa. Encheram a casa. Divertiram-se bastante. Aproveitaram bem o calor e os momentos em volta das labaredas e das encantadoras brasas. E ainda sobrou lenha para outra fogueira.

                Aproveitei para apresentar uma peça que eu ganhei há alguns anos do Jairo, meu irmão. É um parafuso de fixação. Explicarei melhor, recorrendo ao meu pouco conhecimento que tenho, graças à curiosidade, sobre ferrovia.

                Os trens correm sobre trilhos devidamente fixados em dormentes que, tradicionalmente são de madeiras duras, com um tratamento especial contra a umidade. Entre os trilhos e os dormentes, existem placas de apoio, cuja finalidade é aumentar a área de apoio entre eles. Também essas placas de apoio prolongam a vida dos dormentes, evitando seu cisalhamento.

                Deixando de dar mais volta ao assunto, a peça que eu tenho como lembrança é um tirefão, uma espécie de parafuso de “rosca soberba”, em cuja cabeça adapta-se uma chave especial ou cabeçote de uma máquina chamada de “tirefonadeira”, utilizada para aparafusá-la ao dormente mediado pela placa de apoio. A tal peça, encontrada em um ponto da Serra do Mar, depois de mais de 120 anos, continua perfeita graças à aplicação das técnicas de galvanoplastia usada pelos ingleses no ferro. Ou seja, é uma peça que representa a ferrovia começada em nosso município (Ubatuba), na passagem do Império para a República, mas que nunca foi concluída por motivações políticas (a força política local, naquele tempo, foi favorável à Revolta da Armada, ou seja, era monarquista).

            É isso: nossa história também faz parte da prosa em torno da fogueira.

sábado, 21 de julho de 2012

NOSSAS REFLEXÕES NOS CAUSOS



Durante a nossa prosa, as sairinhas faziam festa numa banana. Que beleza!

                O desafio às reflexões que produzimos é alcançar uma essência nobre que possa ser aplicada muito além daqueles que estão na nossa intimidade e nas cercanias. Ninguém pode negar que existe uma interdependência planetária exigindo uma amplitude maior de solidariedade, mas que está sendo desprezada por muitos de nós.

                No cotidiano, a função nobre da política (cuidar da cidade, garantir e aperfeiçoar o espaço coletivo) é fato gritante de distanciamento de uma essência nobre. Porém, isto nem sempre é evidente em outras áreas. Tomemos por exemplo a educação escolar: quem não se empenha em desenvolver bem o seu papel em prol do conhecimento, recorrendo a uma série de artifícios para “se dar bem”, está procedendo tal como um político desonesto, mas não é capaz de admitir isto. Ou, como escreveu Bertold Brecht, nem se percebe no analfabeto político que está se tornando.

                Massificação cultural, caos reflexivo e outros termos parecem ser sinônimos de que as coisas vão de mal a pior no uso e na depuração da nossa racionalidade.

                Será que, tal como algumas espécies já comprovadas, teremos que adotar uma constituição mais complicada e monstruosa para sobreviver?

                Os nossos causos, além de alegrar o cotidiano, apresentam, às vezes até implicitamente, retomadas de sábias sentenças para aperfeiçoar a vida no planeta. Mais importante: eles fazem parte da tradição oral dos caiçaras.

                Isto eu escrevi após uma visita à amiga Néia, a vizinha da cachoeira, que tem rente à porta da cozinha um alimentador e observatório de passarinhos. É uma mulher caiçara de muitos causos! Fez parte da equipe do Ranchinho Caiçara, um programa na rádio local (Costa Azul) onde os protagonistas eram Júlio Mendes, João de Souza, Bigode, João Barreto e mais alguns.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

CIO DOS CANDIDATOS

Eis o cio dos candidatos: quem alcançará o prêmio? (Foto: Júlio)

É impressionante como aconteceu isto: da união de um caiçara de Caraguatatuba com uma caiçara de Ubatuba, nasceu o Júlio, o nosso sensível e criativo caiçara que consegue, no presente texto, ir ao âmago da disputa pelo poder.


É como se uma fêmea começasse a exalar o seu cheiro para atrair, dos mais diversos e longínquos lugares, seus machos, para alguns dias e algumas noites de amor.
Amor para preservação e manutenção da espécie. Amor que, para a fêmea que oferece, prazeroso sem dúvidas, mas muito sofrido, sacrificado. Sofrido também para o macho, que de seu habitat tranqüilo e costumeiro, passa a ser também de sacrifício e disputa, tudo para conseguir o troféu maior: o ato sexual. Tudo em função da perpetuação da espécie. Tudo coisa da natureza que Deus criou.

São assim também as cidades em épocas de eleições, com cios que acontecem de quatro em quatro anos e que duram aproximadamente três meses. Suas fêmeas (Prefeituras e Câmaras Municipais) exalam o cheiro do poder e do dinheiro. Seus machos (os candidatos), atraídos por esse odor, enlouquecem em disputa de tão almejado troféu. Esse cio transforma cidadãos. O “bicho” começa delirando ao pensar no poder e no dinheiro, abandona o lar e larga sua família, passa a andar em bando, vira santinho, faz promessa, fala mentira, xinga, bufa, briga e no final volta para casa acabadinho, magro, endividado, com olheiras e com ar de profunda anemia.
São muitos por uma fêmea, são muitos querendo o seu amor, o seu amparo, o seu poder, o seu dinheiro fácil. Não há riscos estar no prazer desse cio político, haverá talvez, decepções, desilusões, surtos psicóticos. Passado o cio tudo volta ao normal. Ao vencedor vida fácil, ao perdedor o consolo de esperar mais quatro longos anos e tentar novamente. Se for astuto, um bom papo de aconchavo, junto ao vencedor, fica resolvido os problemas deixados pelo cio. Vida fácil também terá. É tudo em função da perpetuação da espécie. Tudo coisa da natureza que o poder criou. Tudo as custas do trabalho suado do povo.
Nota: Este texto, por sua atualidade, foi republicado a pedido do autor.
Fonte: O Guaruçá

quinta-feira, 19 de julho de 2012

NUM CAMINHO DE FLORES



Araçá vermelho: quem já experimentou? Mas eu prefiro o amarelo.

                A minha tia Aninha, mulher de grande simplicidade e sempre disposta nas tarefas inevitáveis da sobrevivência, em certa ocasião, mesmo adoentada, me recebeu, como de costume, muito acolhedora.

                Meio que sentada em sua cama, ela, com um semblante sereno, especulou por todos da nossa família, principalmente pela mamãe. Em seguida elencou as suas preocupações: uma galinha estava chocando na gamela da prensa, na casa de farinha; o mato em volta da casa e também no mandiocal precisava ser carpido. Nem se esqueceu da capela que necessitava de uma arrumação para a festa de junho que se aproximava.

                Ainda ela dizia as suas preocupações quando, no radinho sobre a mesa, uma música popular tradicional deu outro rumo à conversa. Comentou: “O importante numa canção é a beleza da letra e a melodia”. E continuou, agora de olhos fechados, como se falasse embalada pela composição:

                “Nesta noite passada eu tive um sonho bonito com o Maneco: ele estava daquele jeito  mesmo, ou seja, sempre ativo, atento a tudo, querendo tudo no lugar e implicando sempre com pouca coisa.

                Assim que me viu, me chamou para andar e ir ver uma coisa na roça. Eu fui sem falar nada, só reparando no caminho já conhecido com muitos tinhorões brilhantes e margaridinhas amarelas. Também reparei nas tinticuias floridas, parecendo uma colcha em rosa e branco por todo o morro. O velho pé de araçá vermelho estava carregado de frutas, se oferecendo para quem quisesse daquelas delícias.

                Não andamos muito, mas eu já estava cansada. Nisso o Maneco, mostrando a moita de guaco também florida e cheirosa, disse: ‘Lembra-se dela, Ana? Desde o nosso casamento ela está aí; foi o nosso remédio tantas vezes. Quero que você colha uma braçada de flores e leve-a para a nossa filha Nélia. É o remédio que ela precisa para ter paz em casa’.  Depois de dizer isso, ele se foi por um caminho todo florido. Eu voltei sozinha para casa; acordei agora mesmo. Nesta horinha!”.

                E nós continuamos a prosear quando alguém adentrou pela porta escancarada da cozinha. Era a prima Nélia, a sua filha. De lá mesmo ela exclamou:

                “Que ramalhete bonito e cheiroso de flores de guaco! Tá lindo no vaso! Quem foi que trouxe para a mamãe?”

quarta-feira, 18 de julho de 2012

HISTÓRIAS ARREPIANTES



É peixe! Nós o chamamos de peixe-morcego.

 Ai que saudade da comadre Vitória!
 É preciso dizer que ela foi muito importante na luta da Caçandoca e da Caçandoquinha, onde o meu primo Antunes é uma das lideranças quilombolas?

                       

Encontro com o Capeta



Esse caso aconteceu no interior de Minas Gerais e foi contado pela Vitória. É sobre um homem muito ruim, casado com uma tia dela, muito religiosa. Essa mulher sofria muito com as grosserias do marido e até mesmo foi ameaçada de morte por ele. Certa vez, enquanto rezava o terço, o marido subiu silenciosamente no alto de uma parede – a casa não tinha forro e a parede que separava os cômodos não chegava até o telhado – com uma faca na mão e a idéia de se atirar dali sobre ela e matá-la. Sentada numa cadeira e compenetrada em sua oração, a tia não percebeu o perigo que corria. Mas, quando olhou para baixo, o que o homem viu foi uma cruz de brilho resplandecente sobre a cabeça da mulher. Cegado por aquela luz e se sentindo tonto o homem caiu. “Isso é coisa do demônio!”, disse o homem inconformado, que continuava com suas ameaças. A única coisa que a tia fazia era rezar por aquele homem atormentado.

Uma noite, o homem saía de casa quando a mulher perguntou: “Aonde você vai a essa hora?”. “Vou me encontrar com o capeta” -  foi a resposta bruta, seguida da batida de porta.

Tinha se afastado um pouco de casa, raivoso como sempre, na escuridão da noite daquele lugar de poucas casas e sem iluminação elétrica. Continuava andando quando ouviu o rosnar de um cachorro que se aproximava. Logo pode ver o cachorro preto enorme que aparecia na sua frente, os dentes eram os mais afiados que já tinha visto e os olhos da fera brilhavam na escuridão. Apavorado, o homem percebeu que junto com aquele rosnado feroz havia uma voz terrível e aos poucos começou a entender o que lhe dizia: “Ordene à sua mulher que pare de rezar por você, pois vou lhe levar. Vou agora para a sua casa e se eu chegar lá primeiro, você é meu”. Dizendo assim a fera o atacou. Correndo desesperado na direção de sua casa, o homem se defendia com um bastão que costumava carregar para se proteger de cobras. O bastão ficou praticamente destruído com as dentadas do animal medonho. Vendo a porta de casa, o homem se atirou para dentro, transido de pavor. Tendo chegado antes, se voltou para ver a fera que, sentada do lado de fora, o olhava fixamente. Então ouviu uma gargalhada terrível enquanto aquela aparição sumia. Foi até a mulher e lhe pediu que rezasse com ele e, a partir desse dia, tornou-se um homem muito religioso.



terça-feira, 17 de julho de 2012

UMA FUNÇÃO AOS CAUSOS


Viva os nossos causos! Saúde aos nossos caiçarinhas!

                De vez em quando alguém me questiona sobre os causos de pescadores, caçadores e outros. Eu discorro sobre alguns aspectos, faço a pessoa rir, mas, no final, não sei se ela entendeu muito bem o que eu quis lhe dizer. O que deve prevalecer como objetivo de toda narrativa é uma reflexão significativa, capaz de reorientar o viver. Explicarei melhor:

                Importante mesmo, diante de um causo, de uma história fantástica, de um mito, não é lhe  dar crédito, mas sim não ter dúvidas sobre seu significado. Por isso, quem faz de tudo para transformar personagens desses gêneros em algo verossímil, está produzindo um tipo de sabedoria no mínimo inadequada. Conforme disse Sócrates há muito tempo, na Antiga Grécia: “Eu  não tenho tempo para dedicar-me a tais ócios”.

                Ainda no mesmo desafio de produzir um conhecimento que eleve o ser humano – e a humanidade! - continua o pensador grego: “Por isso deixo tais coisas onde estão, e não penso nelas, senão em mim mesmo, quando medito se sou uma criatura de constituição mais complicada e monstruosa que a de Tífon [filho do Tártaro e da Terra que se insurgiu contra Júpiter. Depois de vencido, foi enterrado sob o monte Etna], ou se, quem sabe, sou um ser de natureza mais suave e simples, dotado de alguma essência nobre e ainda divina” (Ver Fedro, Platão).

                Eu acredito que as duas dimensões (monstruosa e nobre) estão igualmente em potência no nosso ser. A sabedoria é quem dará um encaminhamento para as suas manifestações/realizações. Um exemplo caseiro: a minha esposa, percebendo as crianças trocando farpas em várias ocasiões, dá-lhes uma bronca e discorre acerca do ódio gratuito, demonstrando, através de notícias do cotidiano, no que ele (ódio) pode desembocar. Mas eu sei também de pais que estimulam a violência desde os primeiros anos de seus filhos! Certamente que os frutos serão colhidos. A recompensa pode ser os Campos Elíseos ou o Tártaro. Nisto a titia Maria da Barra sapecaria um Cruz-credo!

                Finalizando: a cultura, desde os nossos causos locais até a avançada tese científica que está sendo produzida neste momento, é um modo de produção criativo da consciência que, desejo eu, deve nos conduzir a uma essência nobre.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

DEFUNTO TROCADO POR PORCA

Coisas tão saborosas quanto os nossos causos!

            Não tem com não gostar das narrativas reelaboradas pelo Júlio. Em muitas coisas nos lembra o saudoso João de Souza, o "caiçara do pé rachado". Agradecemos ao  O Guaruçá por nos oferecer mais esta pérola.

Poucos sabem, mas existem em nosso município sete cemitérios; alguns desses encontram-se desativados, mas foram cemitérios que até pouco tempo acolheram os mortos das famílias que habitavam as regiões norte e sul de Ubatuba.

O transporte de um cadáver não era como hoje, onde o morto é transportado de automóvel, dentro de um caixão, não dando trabalho a vivo algum. Antigamente o defunto era carregado nos ombros de dois homens, sob um pau, dependurado dentro de uma rede, ou um lençol que se fazia de rede. Era até mais confortável para o defunto porque vinha balançando, sentindo ar puro, o sol ou a chuva na cara gelada, ouvindo ainda as últimas conversas e os últimos lamentos, enfim, o morto tinha uma agradável despedida. Não era como agora em que o defunto é carregado dentro de um caixão, vestido com terno, rodeados de flores, num calorão e numa sufocação desgraçada e que ainda, se for colocado numa gaveta de concreto, aí tá no inferno direto. É coisa que não deve agradar!

Acontecia que, como todo ano, toda véspera de natal, os irmãos Raposo, como eram chamados, ofereciam aos demais familiares um banquete digno de festa natalina, onde o cardápio principal era leitão a pururuca; leitõezinhos esses que ninguém sabia de onde provinham; sabiam apenas que três dias antes do natal os irmãos sumiam, carregando numa sacola, uma rede de balanço e um lençol.

O Natal estava chegando e chegando estavam os parentes que vinham de Curralinho- MG, para visita e comemorar a festa de natal e fim de ano em suas companhias. Fazer uma ceia para dez pessoas é uma coisa; fazer ceia para trinta, quarenta, é outra.

- E agora? Como é que nós faremos com tanta gente em nossa ceia de natal?

Essas foram as perguntas dos irmãos Raposo.

- Ouvi dizer que pro lado de Catuçaba tem uma fazenda onde o dono cria muitos porcos.

- Tem certeza?

- Ouvi da boca do Cipriano que toda semana sobe e desce a serra levando e trazendo mercadorias para negociar.

- Se foi ele quem falou, então é coisa certa.

Não deu outra! Três dias antes do Natal os irmãos Raposo sumiram levando a espingarda carregada pela boca, o cachorro veadeiro, a rede de descanso, fumo de rolo e uns cinco litros de cachaça...

Morrera Juvenal Juvêncio de picada de cobra. Foi uma urutu-cruzeiro. Não teve jeito, em menos de duas horas o homem estava morto. Era um cidadão da cidade de São Luiz do Paraitinga; viera fazer serviço de roçada nas terras de Juca Paranhos, no Horto Florestal. Seus parentes estavam vindo para levá-lo e enterrar na terra natal...

A barraca de Tuniquinho, no alto da serra, era o ponto de paragem e descanso dos tropeiros e viajantes que percorriam os duros caminhos da serra, indo e vindo de Taubaté, São Luiz, Catuçaba, para Ubatuba.

Devido as festividades de natal o movimento de tropeiros era fraco nessa época. Tuniquinho estava fechando seu recinto quando ouviu um latido de cachorro, logo em seguida avistou dois paisanos se aproximando, carregando o que normalmente seria um defunto. Não teve jeito, já estava escurecendo e Tuniquinho então teve que reabrir as portas de seu boteco ao cortejo fúnebre e dando hospedagem aos dois homens.

- Meus pêsames, senhores. Quem morreu? - Perguntou Tuniquinho.

- Um primo nosso que trabalhava em Catuçaba! - Respondeu um dos Raposos.

- Morreu de que?

- Mordida de cobra! Cascavel!

- Essa não tem jeito, mordeu tá morto!

- Estamos cansados, podemos dormir aqui? - Perguntou um dos Raposos.

- Fiquem a vontade; comam, e descansem! Querem uma pinguinha?

Realmente estavam cansados porque o suposto defunto era grande e pesado. Tomaram o litro de cachaça oferecido por Tuniquinho e o restante que ainda lhes tinham no borná, encostaram o “defunto” num canto e dormiram profundamente.

Não tardou e chegou outro cortejo, esse vinha de Ubatuba, era o cortejo do defunto Juvenal Juvêncio, carregado pelos parentes de São Luiz.

Tuniquinho coçou a cabeça e falou:

- Hoje é dia!
Acolheu mais cinco pessoas, quatro vivos e um morto, dentro de uma rede, que foi deixado ao lado do defunto dos irmãos Raposo.

- Meus pêsames, senhores. Quem morreu? - Perguntou Tuniquinho.

- Um irmão nosso que trabalhava em Ubatuba! - Respondeu um dos irmãos.

- Morreu de que?

- Mordida de cobra! Urutu-cruzeiro!

- Essa não tem jeito, mordeu morreu. Mas que coincidência, este outro aí ao lado também morreu de picada de cobra. Cascavel. Aí pras bandas de Catuçaba.

- Quem é ele?

- Não sei, é gente de Ubatuba, os primos vieram buscar!

- Estamos cansados, podemos dormir aqui? - Perguntou um dos parentes.

- Fiquem a vontade, comam e descansem! Irei trazer uma pinguinha.

Comeram, beberam e dormiram também profundamente, devido ao cansaço de subir a serra com o defunto nas costas.

Era noite de lua cheia e aquele queijão redondo ainda estava aceso lá nas grimpas do céu. Com o clarão que se formou, um macuco pôs-se a chororocar na beira do aceiro, fazendo com que os irmãos Raposo acordassem. Acordaram e depararam com aquele pessoal que dormiam no outro lado do salão. Não teve conversa, não teve despedida, não teve barulho nenhum; perante o escuro do salão, pegaram o defunto e mais do que depressa, puseram-se serra abaixo...

Agora quem cantava no galho do limoeiro era o galo de Tuniquinho. O clarão do dia já se fazia presente. Toniquinho dormia e do mesmo jeito o pessoal de São Luiz seguiram viagem, carregando o seu defunto no balanço da rede, em direção à cidade de São Luiz, berço de Oswaldo Cruz.

Quando Tuniquinho acordou não encontrou nem vivo nem morto no salão de hospedagem, encontrou apenas uma nota de reis, deixada pelo pessoal de São Luiz, para cobrir as despesas. Achou estranho, porém, a poça de sangue deixado no local onde um dos mortos tinha ficado. Se fora mordida de cobra, porque tanto sangue assim? Isso deixou Tuniquinho intrigado...

Quando o dia clareou totalmente, os irmãos Raposo já estavam com seu defunto próximo a Cruz de Ferro. Vinham cantando alegremente, contando piadas, assobiando; numa alegria de quem em breve tiraria a barriga da miséria. Quem via, não percebiam que estavam carregando um defunto...

Já o pessoal de São Luiz, que também levavam seu defunto, era só choro, lamentações, recordações do morto, enfim, numa tristeza que dava dó. No último mirante da serra, encontraram com o coronel Sebastião Amâncio, um fazendeiro criador de porcos, juntamente com seus capangas, que ao ver a comitiva fúnebre, fez questão de dar os seus pesares e aproveitou para fazer uma pergunta:

- Vocês não cruzaram com dois homens, assim, assim, assim?

- Encontramos com dois que pernoitaram no Tuniquinho e que levavam também um defunto para Ubatuba! - Respondeu um dos parentes.

- São eles, só podem ser eles! Vamos atrás deles! Ordenou Sebastião Amâncio aos capangas armados até os dentes.

A galope desceram a serra... Chegando na Cruz de Ferro, alcançaram os dois suspeitos procurados.

- Alto aí! - Ordenou Sebastião Amâncio, apontando sua arma para os irmãos Raposo.

Os irmãos avermelharam, um olhou para o outro e, em sentido duplo, pensaram: “Agora estamos ferrados.” As fisionomias dos dois delatavam-lhes. O coronel já engatilhava a garrucha e já tava com o dedo no gatilho.

- O que foi seu coronel?

- O que foi, é que vocês são ladrões de porcos e estão levando a minha leitoa prenha aí nesta rede, fazendo-se passar por defunto!

- O que é isso seu coronel, o senhor está nos ofendendo e desrespeitando o defunto!

- Cale a boca e abra a rede. - Ordenou o coronel.

Os irmãos Raposo consideraram-se mortos. Cagados e mijados, não tinham para onde correr, pois estavam cercados pelos capangas do coronel. O jeito foi abrir a rede... Tremendo e pedindo clemência, os irmãos Raposo foram desenrolando o defunto; primeiro apareceu o pé inchado mordido pela cobra, depois a barriga também inchada, o pescoço roxo e por fim a cara branca e gelada de Juvenal Juvêncio... O milagre aconteceu na vida dos irmãos Raposo. No momento não sabiam como, mas a leitoa roubada se transformou em defunto.

De joelhos agradeceram a Deus pelo milagre. Agora quem ficava vermelho de vergonha era o coronel, que não sabia onde enfiava a cara, devido o tamanho disparate.

- Sinto muito meus senhores pelo que fiz, peço-lhes mil desculpas.

- Agora não adianta mais seu coronel, a sua ofensa foi muito grande para nós!

- Quero recompensá-los pelo meu erro; peçam o que quiserem que eu farei. - Revelou o coronel.

Diante da proposta do coronel e já sabendo o porque do milagre, os irmãos Raposo, fizeram um pedido ao coronel:

- Queremos, coronel, que o senhor leve esse defunto para São Luiz do Paraitinga, porque é lá que ele vai ser enterrado.

- Mas vocês não estão levando o defunto para ser enterrado em Ubatuba?

- Não coronel! Nós descemos a serra com o defunto apenas para cumprir um desejo e uma promessa dele.

- E que desejo era esse?

- O desejo era que quando morresse e antes de ser enterrado, pediu para que nós passássemos a mão direita dele na Cruz de Ferro, aqui na estrada dessa serra.

O coronel, diante da vergonha e perante a situação, colocou o defunto na garupa do cavalo e subiu a serra.

A briga maior, agora seria com o pessoal de São Luiz, que pensando estarem carregando um defunto homem, estavam carregando a defunta da leitoa prenha, do coronel.

Foi justamente o que aconteceu; próximo a São Luiz o coronel alcança o cortejo, e dá o grito:

- Alto aí!

- O que foi seu coronel?

- O que foi é que vocês estão levando aí a minha leitoa prenha, fazendo-se passar por defunto!

- Que desrespeito é esse seu coronel, estamos levando o corpo de Juvenal Juvêncio.

- Abram a rede. - Ordena o coronel.

Ao apoiar o suposto defunto no chão, saíram da rede 32 porquinhos que nasceram da leitoa morta... Aí não teve conversa, foi um quebra pau que deu medo... Tiro pra todo lado, nego correndo pro mato, defunto rolando pelo chão, coronel correndo atrás de porquinho, enfim, a briga só teve fim quando um dos porquinhos meteu a boca no pinto do defunto, pensando que era a teta da leitoa sua mãe. Aí não teve jeito o defunto deu um grito, levantou-se e pediu: “Por favor me levem para o cemitério”.
Foi um natal triste para os de São Luiz; já para os Raposos de Ubatuba, renasceram com o natal e nunca mais roubaram porcos, transportando-os fazendo passar por defunto.

                                                                           (Fonte: O Guaruçá)