quarta-feira, 18 de outubro de 2017

NUNCA IMAGINEI!


                Mesmo que as pessoas desta história não vivam mais, eu sempre os estimei muito. Na verdade, eu continuo guardando os bons momentos que vivi com essa família, na praia do Perequê-mirim. É por isso que não citarei nomes. Na minha memória eles são imortais! Então... eu continuo gostando deles, das coisas boas que vivemos em outros tempos!
                Era uma família feliz. Ela, além dos afazeres domésticos, também faxinava nas casas de turistas. Ele trabalhava de encanador e eletricista, mas era entendido em outros ofícios (enfermagem, relojoeiro...). O menino, super educado, se dava bem com todos da vizinhança. Agora são todos mortos, de doença mesmo!

                Depois de muitos anos encontrei uma amiga que os tínhamos em comum, também vizinha na mesma rua. Os assuntos variaram, variaram... até que chegou na tão estimada família. “Pois é, depois que o marido foi-se embora, deixando- grávida, o (....) gostou dela e a assumiu integralmente, educando com maior empenho aquela criança. Ah! Ainda bem que eu testemunhei o amor entre eles!”. “Eu também!”.  “Que casa agradável era a deles, se lembra?”. "Sempre saíam juntos para as compras na cidade". "Nas festas da capela, e, nos finais de tarde, lá  estavam  eles olhando o mar". "Depois, foram-se um após o outro: primeiro foi o filho, por volta dos vinte anos. A doença agiu muito rápido. Em seguida, o pai que já era idoso...”. “Ele fumava muito!”. “É verdade". "A doença de pulmão o levou". "E a viúva reencontrou um amigo de infância, foram morar juntos, depois se casaram, mas a alegria deles não chegou a durar cinco anos. Ela faleceu nem sei  dizer de qual doença”. “É a vida, né?”. “Ah! Você soube que, um pouco antes de morrer, ela recebeu a visita daquela que havia lhe ‘roubado’ o primeiro marido, pai do seu filho? Pois é, ela veio de Santos e lhe pediu perdão”. “E o marido traidor?”. “Ele não veio, nunca apareceu mais por aqui”. “Você sabia que eu nada sabia dessa história de traição, nem desse perdão?”. “Ah não?!?”.


                Tristeza, né? O Velho Drummond disse num contexto mais ou menos parecido: “Se o inferno existir, este mundo deve ser o vestibular”.

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

DESEQUILÍBRIOS

  
Turistas no Perequê-açu-  década de 1960 (Arquivo Ubatuba Histórica)
         Há uma pequena parcela da humanidade que só tem a lucrar com o desequilíbrio emocional das pessoas.
         Quem é desequilibrado  demais sofre muito e causa sofrimentos. Se desfaz de bens, perde amizades e destrói amores. Em última instância, quem lucra com isso são aqueles que conhecem as engrenagens, que são partes vitais deste sistema econômico, possuidor de um espírito capitalista, baseado mais no lucro do que no trabalho. 
          Quando eu nasci, no litoral vicejava a ânsia por lucros a partir da venda das posses. Muitos dos caiçaras acreditavam que suas vidas seriam tranquilas a partir da negociação de suas terras, de construção de casas para aluguel nas temporadas etc. Apenas as comunidades mais afastadas das rodovias, onde o acesso era dificultoso, permaneciam nas suas tradições, mas "com um olho no peixe e outro no gato", propensos às novidades trazidas pelo turismo.  E foi chegando os "tubarões"! E foi chegando a moda dos "tubarões" e dos "tubarõezinhos"! Parte da caiçarada foi engolindo a isca, sonhando ser uma coisa que não estava em suas raízes: viver sem trabalhar, ter vida de turista. Se desfizeram de seus maiores bens, das suas terras, mas não realizaram seu grande sonho. Aos poucos foram vendo que a coisa não era bem assim, que não dava para ser como os ricos. Vieram os sofrimentos que resultaram em vícios. 
            "Legal é beber", dizem alguns. "Um grande barato é curtir uma erva", afirmam outros. "Agora, o máximo é cheirar e ficar doidão", repetem tantos miseráveis no meu cotidiano. Por isso, acho que posso publicar a seguinte contribuição de Eckhart Tolle, em seu livro O poder do Agora: "Todo vício surge de uma recusa inconsciente de encararmos nossos próprios sofrimentos. Todo vício começa no sofrimento e termina nele. Qualquer que seja o vício - álcool, comida, drogas legais ou ilegais, ou mesmo uma pessoa -, ele é um meio que usamos para encobrir o sofrimento. Essa é a razão porque, passada a euforia inicial, existe tanta infelicidade, tanto sofrimento nos relacionamentos íntimos. Eles não causam o sofrimento e a infelicidade. Eles trazem à superfície o sofrimento e a infelicidade que já estão dentro de nós. Todo vício faz isso. Todo vício chega a um ponto em que já não funciona mais para nós e, então, sentimos o sofrimento mais forte do que nunca"

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

ONDE ESTAMOS NÓS?


Tiriba no nosso terreiro (Arquivo JRS)

ONDE ESTAMOS NÓS?
                                            Rabindranath Tagore

Onde estamos nós?
Muito longe, sem luz,
em uma cidade decadente,
abalada em seus alicerces,
em casa desmoronada,
sob o olhar taciturno de milênios,
com o corpo arqueado e a cabeça inclinada,
tremendo diante da cara fria
e do dedo em riste da tirania.
Fomos decapitados
pelas escrituras de mil artigos.
               O corpo hesitante treme
               compondo a sombra
               de suas imaginações.
               No lusco-fusco do entardecer,
               triste em casa,
               o desditoso espírito
               passa a vida
               rodeado de incontáveis medos.
               Vagarosamente,
               com o espírito assustado,
               arrasto-me na poeira,
               rejeitando-te.
Como se nós, sem pai,
vagássemos de trilha em trilha,
sem Deus e sem rei,
por um mundo cheio de medos.


              Escolhi esta poesia de Tagore porque, vendo tantos romeiros caminhando na Via Dutra, na madrugada, em direção à cidade de Aparecida, ela ajuda a entender o fenômeno dos incontáveis medos que nos afligem. É isto o motor principal da busca de tantas pessoas. Eu só gostaria que elas estivessem conscientes do perigo de ir andando pelo acostamento pela principal rodovia deste Brasil.
              Também há grupos de caminhantes que saem de Ubatuba em direção dessa cidade onde, há trezentos anos, os pescadores encontraram, no rio Paraíba, uma imagem de santa, dando início à devoção à Nossa Senhora Aparecida. Os antigos caiçaras faziam questão de, ao menos uma vez na vida, irem até lá para pagar alguma promessa e para passear. Ah! Tem coisa melhor do que passear?!?

              No ano de 1987, o Sr. Mário, frequentador da comunidade católica da Estufa, da capela São Benedito,  deu início a esse evento (ir a pé até Aparecida). A caminhada começava numa noite de quinta-feira, saindo do cruzamento da rua Rio Grande do Sul com a Thomaz Galhardo. Por volta da meia-noite o grupo de poucas pessoas já estava no alto da serra. De lá, seguindo pela antiga fazenda Santa Virgínia, ao clarear do dia  já se encontrava em Catuçaba, um distrito da cidade de São Luiz do Paraitinga. Era só o tempo para um café rápido e em seguida tomar o rumo da cidade de Lagoinha, sempre passando pelas trilhas entre pastos e matas. Ao anoitecer, bem na praça central da cidade, na pensão da dona Nice, um bom banho, uma modesta refeição e um leito para sono até a madrugada era a alegria de todos. Por volta das quatro horas da manhã, depois de um café preparado com muito carinho e dos acertos das contas, era hora de encarar a curta planície até a Serra do Bonfim, onde a parada obrigatória era  a Poça da Onça. Ah! Que água! E, depois de encarar uma manhã toda no chão de terra, subia-se um morro. "É o último, pessoal. Lá de cima a gente avista Aparecida!". Pronto! Alguns até choravam ao avistar a grandiosa obra. Depois era só achar uma pensão para um bom banho, fazer uma refeição e visitar os lugares, as igrejas, fazer umas comprinhas e embarcar no ônibus de volta. Vida de caminhante em meio da mata é outra coisa! Eu fiz esse percurso em três ocasiões. Numa delas éramos apenas quatro pessoas.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

ESPAÇOS DE MEMÓRIAS

Cais do Porto - 1939 - Antônio Gomide

No domingo passado (8 de outubro de 2017) aconteceu uma coisa bonita em Ubatuba: um grupo de maracatu, juntamente com algumas lideranças da igreja católica, realizaram uma cerimônia na praça Nossa Senhora da Paz de Iperoig, onde existia a “devoção aos santos dos pretos”, conforme me disse um dia o saudoso Sabá. Vou republicar um trecho para ajudar a entender esta prosa.

Em Ubatuba só existia a Igreja Matriz, no centro da cidade, mas não era essa atual. [Era na Rua Conceição, numa área que abrangia o Ateneu Ubatubense e antiga Câmara Municipal]. Só que os escravos, todos os pretos, não podiam entrar nela. O que acontecia era de acompanharem seus donos, mas nem pensar em entrar no templo. Só que a negralhada já tinha ficado dependente dos ensinamentos da religião dos brancos e queriam de qualquer modo poder entrar na igreja. Também havia branco piedoso que não se conformava em ver a minha gente sem lugar decente para a devoção. Como fazer isso se o costume religioso dizia que os dois –branco e preto – não podiam se misturar? Para encurtar a conversa,  porque eu não sei os detalhes, acharam a solução: construir uma igreja para os pretos. ‘Era pequena, mas era bonitinha’ dizia a mamãe. Ficava também no centro da cidade, mais perto do rio [Grande]. Hoje não existe mais. Nem eu conheci essa igreja em pé. Hoje, no lugar dela há uma praça [Nossa Senhora da Paz de Iperoig]. É no caminho para a Rampa [área do mercado de peixe], quase chegando no Sobrado do Porto [Casarão da Fundart]. Por volta de 1910, a Igreja de São Benedito, mais conhecida por Igreja dos Pretos, foi demolida. Parte do altar dela, dizem, foi levado para compor aquele bonito altar da Matriz [Exaltação da Santa Cruz]. Depois disso, preto e branco puderam frequentar o mesmo lugar sagrado”.
 
Como é importante recuperar as memórias da nossa gente, da nossa terra! Afinal, os africanos começaram a chegar a partir de 1533 nesta terra chamada Brasil. A historiadora Mary Del Priore repassa que “em carta datada de 3 de março de 1533, Pero de Góis informava que pretendia receber dezessete peças de escravos ‘forros de todos direitos de frete que soe pagar’. [...] Pelo alvará de 29 de março de 1559, o rei fazia mercê àqueles que tinham construído engenhos no Brasil, permitindo-lhes mandar resgatar ao rio do Congo e de lá trazer para cada um dos ditos engenhos até 120 peças de escravos resgatadas às suas custas, os quais virão no navio que o dito feitor (da ilha de São Tomé) lá enviar para trazer escravos”.

Aquela praça merece outras celebrações e um painel histórico ensinando nossa história e os valores do nosso povo (caiçara) que faz parte deste caldo cultural brasileiro!

Ah! Que saudade do Velho Sabá!

terça-feira, 10 de outubro de 2017

NÃO SERÁ ASSIM

Não será assim (Arquivo JRS)

               Tempos atrás avistei na linha do jundu uma flor da minha infância: a palma de Santa Rita. Colhi e plantei no meu exíguo terreiro.
               A palma de Santa Rita era apenas umas hastes, floridas com espigas, nos braços de uma mulher, num quadro que ficava sobre a mesa da vovó Eugênia. “É Santa Rita, meu filho, das causas impossíveis!”. Não fazia muito sentido para mim até no dia em que eu vi aquela quantidade enorme, em diversos tons, colorindo o jardim da vovó. Coisa linda! Mais atraente que as madressilvas e as rosas! Elas brotavam da terra, de uma espécie de cebola (bulbo), ‘batata’ como dizia todo mundo. Numa manhã fui colhê-las sob orientação da vovó: “Pegue a serenga, Zezinho, corte só a espiga, mas bem rente ao chão. Mas tome cuidado para não cortar as folhas! É que as ‘batatas’ precisam delas para continuar crescendo debaixo da terra até quando a gente colher e replantar de novo. Enquanto isso elas vão vegetando”.

               Alguns anos mais tarde eu conheci a praia da Santa Rita. Apenas um morador ocupava todo aquele espaço. Era o Nilson que trabalhava de caseiro do Pirani, um “tubarão”, dono de lojas na capital paulista. Em 1972, “um incêndio no edifício Andraus, deu um enorme prejuízo ao Pirani”. Assim comentavam os simples caiçaras que ficavam sabendo das notícias pelo rádio. Mas voltando ao assunto, o jundu da Santa Rita era um areal com pequenas árvores e muitos arbustos. Ao se aproximar o fim do ano, quando o sol começava a esturricar, num belo dia começavam a despontar entre os capins as palmas de Santa Rita. Essa imagem é a que ficou mais forte na minha memória: a palma de Santa Rita é da praia da Santa Rita! Depois, conhecendo as histórias dos antigos caiçaras daquela praia (da gente da Amada, do Gusto, da Chica do Argemiro...), sabendo das artimanhas para grilarem suas posses, essa flor chamada de palma ganhou mais significado.


               A cada ano elas florescem em algum lugar. Elas me ajudam a recordar histórias. Vou imaginá-las naquele areal que era de todos, mas que hoje está murado, repleto de casarões de veraneio. 

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

BODOQUE CAIÇARA

                
Meu bodoque (Arquivo JRS)

Caiçara bodocando no Ubatumirim em 1974 (Arquivo Olympio)

             Bodoque não é arco de atirar flechas, mas parece, né? É um arco de atirar pedras. Coitados dos passarinhos!

                No meu tempo de criança os caiçaras aproveitavam muito as oportunidades para passarinhar. Era uma ocupação e também fazia parte de nossos hábitos alimentares o consumo de carne de passarinhos. Ainda bem que hoje não precisamos mais disso, nem há essa necessidade cultural (de seguir os passos dos nossos pais e avós caçadores).

                O bodoque era o que podíamos ter, a nossa arma anterior ao estilingue. Matéria-prima básica é madeira. Para a alça da pedra e os separadores das cordas qualquer corda ou embira bastava. Algumas madeiras tinham a preferência na confecção do arco. Por isso nossos olhares sempre estavam atentos à diversidade vegetal de nossas matas, identificava-se facilmente um cafeeiro do mato, uma vareta de cabreuva, um exemplar de marfim etc. De vez em quando até pitangueira e cafeeiro do entorno eram cortados. Na verdade, a gente só queria pau linheiro, madeira que tinha fibras retas, sem caroço para atrapalhar. Tio Tião Armiro era quem mais fazia bodoques na minha infância. E o danado tinha uma ótima pontaria! Hoje, o meu bodoque, presente do estimado Irineu, é feito de guatambu. Fica na parede pendurado; mata a curiosidade de alguns. Esse sim!

                Creio que vale a pena, a título de diversão, retomar a arte dos bodoques e treinar para um campeonato, onde teremos a oportunidade de admirar ótimos atiradores. Certeza mesmo serão as pedradas acertadas na própria mão, pois até acertar o jeito, muitos acidentes acontecem! O meu amigo Napoleão, do interior paulista, disse que lá ele também curtiu muito esse instrumento chamado bodoque.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

O MEU LUGAR É LUGAR DE TODOS

Penso, logo... (Imagens da internet)

                Alguém já escreveu que cidadania significa também ter deveres, como os de zelar pelo direito alheio, ter a responsabilidade coletiva pela própria comunidade, participar das decisões, ajudando a construir as regras e cumpri-las.  Agora entenda a situação que eu vivi dias atrás:

                Eu seguia pela ciclovia depois de um período de trabalho, me mantendo à direita conforme regra de trânsito. Já passava das 22 horas. De repente, quase chegando no meu bairro (Ipiranguinha – Ubatuba), eu avisto um grupo se avolumando na minha direção, ocupando todo o espaço, forçando outros ciclistas à modificação de  suas rotas, tendo de sair para a via reservada aos carros. Eram sete bicicletas, alguns carregando crianças. Pela falação, logo reconheço como pessoas religiosas, "evangélicas" talvez (alguns portavam bíblia). O assunto de igreja continuava; não davam nenhum sinal de abrir espaço para quem vinha no outro sentido (no caso, eu). Fui  seguindo em frente. Somente no último instante, quando a trombada parecia inevitável, uma brecha foi aberta e eu passei. No mesmo instante escutei uma mulher dizendo: “Ó, glória! Jesus te ama!”. Dei risada porque sabia da intenção real da frase, com um palavreado que ela certamente sabia usar muito bem. Quanta hipocrisia! Que falta de reflexão e de atitude cidadã!


                Desconfio que o Velho Drummond estava certo ao escrever:  “Fala-se tanto, e a ideia de Deus ainda não chegou a constituir uma ideia”. E agora aprendi:  caso volte a viver outra experiência similar, vou logo dizendo “Ó glória...”, mas o verdadeiro sentido você já aprendeu com aquela “piedosa” mulher sem noção alguma de civilidade. Enfim, transgressões assim são comuns, mas continuam sendo reprováveis. O meu lugar é o  lugar de todos. Por isso que cidadania é também participar de maneira ativa da organização político-social e exigir seus direitos.

Em tempo: o que esperam acontecer de trágico para que seja construída uma ciclovia à margem da BR-101, desde a praia Vermelha do Norte até a Toninhas?

domingo, 1 de outubro de 2017

VISSUNGO DA MISTURA

           
Violino (Arquivo JRS)

Ditinho no teclado, Elias no violão e Estevan no violino (Arquivo JRS)


               Desde pequeno eu me ative às diferenças entre as pessoas: pequenas, altas, umas loiras, outras morenas, umas branquelas, outras pretinhas. Meu pai tinha cor de cobre, minha mãe era bem clara. Minha vovó Martinha parecia uma índia. O pai da minha avó Eugênia, cuja mãe foi escrava na praia do Lázaro,  era um negro namorador que deixou uma vasta prole pelo espaço caiçara. Eu tenho irmãos loiros de olhos azuis e de olhos verdes. Tudo muito interessante e curioso, sobretudo quando se é criança. É assim! Resultado de uma colonização, cuja presença de brancos, negros e índios deu nesse resultado, nessa mestiçagem. “Somos assim porque nascemos de raças misturadas”, dizia o finado tio Clemente, cuja mãe era negra, nascida na Ilha do Mar Virado.

               Dessa mestiçagem, vivendo nesse meio ambiente entre a serra e o mar,  nesse  cercado natural, apareceram os caiçaras com tantas particularidades culturais dentro desse caldo cultural brasileiro. Hoje, quero me ater à musicalidade. Os mais antigos sempre estavam cantarolando, sobretudo quando trabalhavam em grupo. O saudoso Sabá, um grande negro, vendedor de peixe da praia da Enseada sempre tinha umas toadas. Uma delas era mais ou menos assim: “Carrego sobre o cangote carga de branco que não pode andar. Quem dera dormir agora e na minha terra acordar”. E me perguntava: “Sabe que é isso? Isso é vissungo, Zezinho! É cantoria da minha gente que foi tirada da África!”.

               Dias atrás fui visitar uns primos músicos, gente que toca desde que eu me entendo por gente. Eu era bem pequeno mesmo! Por volta dos seis anos de idade eu já atravessava um trecho de mato para chegar até a casa do tio Dário, que também era no morro da Fortaleza. Elias, Toninho e Ditinho, os filhos, tocavam instrumentos de cordas. A tia Maria tocava viola, acompanhando o violino choroso do marido. Eu adorava ouvi-los! Na sala, quando não estavam sendo usados, eu admirava cavaquinho, violão, bandolim, violino e viola pendurados na travessa da parede de pau a pique. Agora, com o meu filho no grupo de fandango caiçara, tenho uma tarefa: dar uns acertos nos instrumentos. Me encanto em saber que aquele violino que eu tanto admirava agora está em minha casa, aos cuidados do meu filho! Não é emocionante isso? Acho que até vou compor um vissungo para comemorar!