quinta-feira, 12 de outubro de 2017

ONDE ESTAMOS NÓS?


Tiriba no nosso terreiro (Arquivo JRS)

ONDE ESTAMOS NÓS?
                                            Rabindranath Tagore

Onde estamos nós?
Muito longe, sem luz,
em uma cidade decadente,
abalada em seus alicerces,
em casa desmoronada,
sob o olhar taciturno de milênios,
com o corpo arqueado e a cabeça inclinada,
tremendo diante da cara fria
e do dedo em riste da tirania.
Fomos decapitados
pelas escrituras de mil artigos.
               O corpo hesitante treme
               compondo a sombra
               de suas imaginações.
               No lusco-fusco do entardecer,
               triste em casa,
               o desditoso espírito
               passa a vida
               rodeado de incontáveis medos.
               Vagarosamente,
               com o espírito assustado,
               arrasto-me na poeira,
               rejeitando-te.
Como se nós, sem pai,
vagássemos de trilha em trilha,
sem Deus e sem rei,
por um mundo cheio de medos.


              Escolhi esta poesia de Tagore porque, vendo tantos romeiros caminhando na Via Dutra, na madrugada, em direção à cidade de Aparecida, ela ajuda a entender o fenômeno dos incontáveis medos que nos afligem. É isto o motor principal da busca de tantas pessoas. Eu só gostaria que elas estivessem conscientes do perigo de ir andando pelo acostamento pela principal rodovia deste Brasil.
              Também há grupos de caminhantes que saem de Ubatuba em direção dessa cidade onde, há trezentos anos, os pescadores encontraram, no rio Paraíba, uma imagem de santa, dando início à devoção à Nossa Senhora Aparecida. Os antigos caiçaras faziam questão de, ao menos uma vez na vida, irem até lá para pagar alguma promessa e para passear. Ah! Tem coisa melhor do que passear?!?

              No ano de 1987, o Sr. Mário, frequentador da comunidade católica da Estufa, da capela São Benedito,  deu início a esse evento (ir a pé até Aparecida). A caminhada começava numa noite de quinta-feira, saindo do cruzamento da rua Rio Grande do Sul com a Thomaz Galhardo. Por volta da meia-noite o grupo de poucas pessoas já estava no alto da serra. De lá, seguindo pela antiga fazenda Santa Virgínia, ao clarear do dia  já se encontrava em Catuçaba, um distrito da cidade de São Luiz do Paraitinga. Era só o tempo para um café rápido e em seguida tomar o rumo da cidade de Lagoinha, sempre passando pelas trilhas entre pastos e matas. Ao anoitecer, bem na praça central da cidade, na pensão da dona Nice, um bom banho, uma modesta refeição e um leito para sono até a madrugada era a alegria de todos. Por volta das quatro horas da manhã, depois de um café preparado com muito carinho e dos acertos das contas, era hora de encarar a curta planície até a Serra do Bonfim, onde a parada obrigatória era  a Poça da Onça. Ah! Que água! E, depois de encarar uma manhã toda no chão de terra, subia-se um morro. "É o último, pessoal. Lá de cima a gente avista Aparecida!". Pronto! Alguns até choravam ao avistar a grandiosa obra. Depois era só achar uma pensão para um bom banho, fazer uma refeição e visitar os lugares, as igrejas, fazer umas comprinhas e embarcar no ônibus de volta. Vida de caminhante em meio da mata é outra coisa! Eu fiz esse percurso em três ocasiões. Numa delas éramos apenas quatro pessoas.

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