terça-feira, 31 de dezembro de 2013

NÃO FAZ MAL UM POUCO DE CABRAL

Praia Mansa; depois, Praia da Ponta Aguda (Arquivo JRS)

  Estive limpando a sepultura de mamãe. É um ritual pessoal. Enquanto tiro alguns matos e preservo as flores, penso que ali estão os restos de quem me deu as coordenadas para a vida. Sou o que sou porque ela foi uma grande mãe. 

Espero que, apesar do correria da vida, não esqueçamos de nossas raízes.

Que 2014 seja cultivado para gerar mais felicidades.

Um grande abraço aos meus irmãos e a todos.

          Parabéns ao amigo Jorge Ivam! Feliz aniversário!

Por entre esta cidade
ainda mais lenta é a minha pisada;
retardo em quanto posso
os últimos dias da jornada.
Não há talhas que ver,
muito menos o que tombar:
há apenas essa gente
e minha simpatia calada.
                       
                                 João Cabral de Melo Neto

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

VELHO RITA (II)


Os foliões do Divino sempre tinham acolhida na casa do Velho Rita (Arquivo Kilza Setti)

Lembrar do Velho Rita é lembrar dos contadores de causos, das praias do Itaguá, do Acaraú, do Tenório; da turma do Janguinho e Santana, da dona Celeste e de tanta gente boa. Essa gente antiga de Ubatuba! Esses velhos caiçaras!
           Lembrar do saudoso Sebastião Rita é lembrar das suas histórias, de um tempo onde éramos mais despreocupados com tudo. Quase tudo se justificava por uma boa prosa. Só o tempo era o senhor: “Se chover eu faço isso; se fizer sol eu faço aquilo”.
Quantas vezes eu encontrei o Velho Rita na beira do rio ou no banquinho, quase sempre com o compadre Miguel Firme, olhando as crianças jogando bola no campo do Itaguá! E o tempo passava repleto de palavras, de causos e histórias.
Num dia desses, juntamente com o Zizo, recordamos alguns desses causos; revivemos o espírito do Sebastião Rita. Em situação assim, diria a saudosa dona Josefa: “Vocês não vão na corrida do Bastião Rita. Não fiquem na fiúza dele”.

O Zizo citou o tio Filadelfo como outro grande admirador das prosas do Velho Rita. Disse que, ao vir da cidade de São Paulo para visitar os parentes, o primeiro lugar a ser visitado era a casa do contador de causos, que ficava na margem do Rio Acaraú. Depois, além de reproduzir as histórias, ficava comentando a esperteza e o talento do velho caiçara. Que bom! Assim nós aumentamos o nosso repertório e vamos dando a conhecer mais coisas desse homem apelidado de Velho Rita.
Depois que eu contei da tela mosquiteira: 

“É coisa boa esse tal de 'mosquiteiro'. Só que lá em casa só funcionou por alguns dias. É que os pernilongos descobriram como entrar. Aprenderam a fazer furo nele: eles vão no fogão, que está apagado, mas tem brasa viva ainda, esquentam o bico e voltam para a tela. Na hora, com a extremidade ainda quente, não tem mosquiteiro que resista. Assim eles fazem a festa em mim e na velha”.

Em cima dessa, tascou o Zizo:
- Titio Filadelfo, ao encontrar o  Sebastião Rita perto do campo de futebol, admirando a pelada da rapaziada, foi logo perguntando de como estava passando, sobre a família etc.

“A família tá bem. Tá tudo muito bem, graças a Nosso Senhor Jesus Cristo. Só eu é que levei um susto, quase pifei de vez. Foi assim: eu estava vindo da praia, de puxar rede com o Aládio e o compadre Florindo. Trazia um quinhão de embetara. 
Cortando o caminho pelo campo, onde a molecada brincava de pega-pega, de repente eu senti um agulhada no peito, bem no coração. Senti que o coração parou. Aí eu parei, fiquei durinho em pé. Só pude gritar para a criançada: me ajudem aqui, me empurrem porque o coração parou. Os meninos largaram tudo e correram pra me acudir. Foram me empurrando, empurrando, empurrando...De repente o coração voltou a bater. Então eu comecei a andar por conta própria. Agradeci muito. Aquelas crianças foram a minha salvação. Eles só continuavam perguntando: Tá tudo bem, seu Tião? Tá tudo bem?
Mas olha! Quase que fui! Se não fosse os meninos fazerem eu pegar no tranco, a essa hora já tinha sete palmos de terra por cima deste corpo velho”.

Gostou? É só para entender melhor a antropologia caiçara.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

VELHO RITA (I)

Ilha dos Búzios (Arquivo JRS)


Lembrar do saudoso Velho Rita é lembrar da sua saudosa e querida Josefa.

Lembrar da Josefa é lembrar da Praia da Maria Godói, em Ubatuba. Ela foi a última caiçara nascida nesta praia, por volta de 1920.

Lembrar da Praia da Maria Godói é lembrar de muitas caminhadas e pescarias num lugar maravilhoso, onde estão as marcas (de antigos moradores) que sempre me convidaram para uma escavação arqueológica a fim de entender melhor a antropologia caiçara.

Mas...lembrar desta praia é, sobretudo, se angustiar. O motivo? Há alguns anos, o acesso muito usado, que passa pelo condomínio da Ponta das Toninhas, foi fechado. Ou seja, um dos acessos, parte de um primitivo Caminho de Servidão dos caiçaras, arbitrariamente está se fechando pela ação de gente milionária, que se acha acima dos direitos dos cidadãos. Como se não bastasse seu emissário de esgotos no mar, seus portos sobre as costeiras, suas mansões que, além de enfeiar nossas belezas naturais, reduziram as nascentes de águas que haviam nos morros e grotas. Falei disso com muitas pessoas. Afinal, não é isso que desejo às futuras gerações. O espaço caiçara deve ser um espaço democratizado, preservado, capaz de alimentar felicidades. O meio ambiente é a nossa principal riqueza!

Ali, ao lado da já citada praia, está a minha querida Praia da Xandra, um lugar adorável, de onde, avistando as conhecidas ilhas, escrevi o seguinte:
Eu tive um avô de pouca instrução, mas com muita sabedoria. Era José Almiro (ou Armiro), da praia da Fortaleza. Apesar de ter falecido há um bom tempo, de vez em quando é inevitável deixar de citá-lo. Suas frases sempre eram certeiras, diziam até coisas que ainda não entendíamos. Hoje eu digo que ele era um pensador, mas daqueles muito reservados, que somente entre os familiares dava os ares da graça. Porém, foi dele que nós (filhos, netos etc.) aprendemos muito “de profano e de sagrado”. Sempre gostei de pescar com ele. Eram os melhores momentos, quando contava coisas incríveis. Certa vez, por exemplo, enquanto curricávamos depois da Lage Grande, no alinhamento de fora entre as ilhas do Mar Virado e Anchieta, de onde, num entardecer maravilhoso, enxergávamos perfeitamente a Ilha da Vitória, o vovô veio com algo muito interessante. Foi mais ou menos assim:

            “Aquela é a Ilha da Vitória, menino. Ainda mora bastante gente naquele lugar, mas muita gente já se baldeou para o continente. Foi lá que, recentemente, por volta de 1960, o meu primo Mané Marreta, depois de se tornar protestante, daquela igreja cinzenta do Lázaro, decidiu propagar os princípios da nova crença. 
      Foi remando até lá com mais um companheiro, o seu amigo Bertolino. Uma linda Bíblia, devidamente embrulhada, seguiu junto num balaio de timbopeva ainda virgem. Chegando lá, depois de puxar a canoa na estiva, subiu morro acima tirando o chapéu a todos. No alto do morro, onde até hoje ficam as casas dos ilhéus, ele arriou o balaio, desembrulhou o estranho objeto para aquele lugar, onde nunca alguém sequer tinha ouvido falar de livro. Demorou um pouco, mas explicou bem sobre o motivo que o levara ali. Logo estava na pregação propriamente dita: falou do dilúvio, do primeiro homem, da Eva e da tentação. Neste ensinamento acerca das tentações ele se demorou mais. Acho que era porque as mulheres, em todas as épocas, continuam sendo tentadoras, principalmente naquele lugar isolado, onde nem sutiã elas conheciam. Só sei dizer, menino, que o Mané não aguentou continuar pregando as boas-novas e ficar olhando os tais volumes tentadores. Voltou rapidamente para o seu lugar, na Praia Brava”.

            “Depois de um período se martirizando pelas tentações peitudas enfrentadas com pouco sucesso, ele tomou uma decisão: foi até a cidade, comprou um monte de sutiãs, embarcou novamente para a Ilha da Vitória, mas desta vez sua mulher, a Bilia, foi levada junto. O trabalho dela era secundário na tarefa missionária, mas muito importante naquele momento. Logo estava entre as mulheres com as estranhas peças. Ela ensinou...ensinou...ensinou...porém, as ilhoas se embaraçavam, achavam complicado as manobras, além de incomodar muito e de tirar a liberdade. Desistiram da tal moda; a Bilia também entregou os pontos. Para encurtar esta prosa, menino, só sei que o meu primo desistiu de evangelizar a ilha. Foi vencido pela tentação (ou tetação?) mamária. Até hoje ele se lamenta pelo ocorrido. Eu desconfio que naquela época a fé dele ainda era muito fraca” .

            Eu completei:

            - Ou é ele que está menos macho hoje? O vovô riu, balançando a cabeça afirmativamente.

            Depois do causo, concluí sobre o nosso lugar: 
           A- No início tudo era permitido;  
           B- Depois veio a religião católica; 
          C- Mais tarde vieram outras religiões; 
       D- As tentações principais – aos homens – continuam vindo das mulheres. Isto prova que o nosso lado instintivo, original, ainda não foi domado totalmente pelas instituições que buscam enquadrar-nos em moldes, em padrões morais castradores.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

ESCUTE, MININO!


Pescador na boca da barra do Indaiá   (Arquivo JRS)

        Passando a ceia com parte dos familiares e me preparando para almoçar com a outra parte, lembrei-me de uma poesia de tanto tempo. Faz parte da seção Folhas Amareladas.  Através dela desejo Boas Festas aos que acompanham as minhas postagens. Que tenhamos um ótimo 2014. Forte abraço a todos.


Notro tempo as coisa era diferente;
bem diferente de hoje:

A Folia do Divino tava em todo lugá,
inclusive na ilha do Mar Virado, Vitória...
Muita gente, todo mundo acompanhava
com grande devoção. Diferente de agora!

Se cantava, rezava e festejava;
em todo lugá o divino tava.
A criançada arteira
também tava junto.

Se dançava San Gonçalo,
Cana verde, muito tipo de bate pé.
A comidoria era em demasia;
dava e sobejava pra todo mundo.

Notro tempo aqui não havia estrada,
nem carro se via:
ou se ia a pé
ou se bardeva de canoa.

Ninguém tinha dinheiro;
todo mundo era pobrezinho.
Negociava pimenta, ólhio de caçoa, banana,
farinha de mandioca e até laranja pros barco.

Toda gente tinha sua roça.
Quem não tinha casa de farinha...
fazia às meia.
Na pescaria junto,
cada qual arrecebia quinhão iguarmente.

Todo mundo temia Deus;
tinha reza todo dia.
Cada casa com seu oratório;
todo mundo se conhecia.

Notro tempo se via fartura de tudo:
camarão encalhava no lagamá;
tainha se tecia feito boba;
barrica transbordava de farinha
e banana até se dava pros animá.

Antes de aparecer turista
ninguém brigava por terra.
Ela só servia pra prantá.

E pexe!?
Havia gamela de sapresado,
balaio de seco...
e fresco tinha todo dia.

Para o que fartava
tinha armazém de secos e molhados:
João Glorioso no Saco da Ribeira,
Macié na Enseada...Otros na cidade.

Notro tempo todo mundo se ria,
tomava banho de cachoeira,
molhava os pé no mar...
Toda criança era feliz.

Toda gente grande devia educá as criança.
Criança miúda já sabia arrespeitá.
Desde cedinho as criança tudo ia aprendendo
e logo sabia se virá.

Pra minina não havia muita diversão.
Os minino jogava bola todo dia.
Mais...minino e minina trabalhava na roça,
com enxada mesmo!
Só minino ia pescá.

Os homi grande tava sempre no mar:
ia pescá, molhá a canela, olhá o mar.
As mulhé, não! Elas só ia de noitinha
na água se banhá - no tempo quente!

Na capela se rezava mais no domingo.
Domingo era dia santo: rezava cedo
e de tardezinha.
Na parte da tarde sempre tinha função em arguma casa.

Quando arguém tava construino,
vinha muita gente ajudá a fazê.
Era o pitirão: todo mundo fazia,
todo mundo comia, todo mundo bebia.

Nas festa do nosso lugá todo mundo sabia;
nas festa de otro lugá a gente tava interado.
E quem podia ia!
A comidoria e a consertada sempre era dada.
Só no leilão as pessoa ajudava.

As festa que mais deixa saudade
é as do meis de junho:
tinha fogueira, foguetório,
doce de mamão, bolo, consertada, quentão...
Tudo era assim de bão!

Notro tempo se tinha mais tempo:
prá olhá o céu estrelado,
apreciá o tamanho do mar...
Apercebê os vaga-lume
e estória pra escutá e contá.

Notro tempo havia jundu;
embaixo da amendoeira a gente proseava
a respeito de tudo. Nada se guardava!
Se ia mariscá enquanto as criança comia ingá.
Havia roda de mulhé e roda de homi.
Todo mundo se arrespeitava.

Notro tempo Maria era Mariquinha,
Eugênia era Ogena,
Tio Onofre era Tinorfe,
Sebastião era Bastião...
Eta tempo bão!

Mais...naquele tempo também havia farra.
Tinha gente arrelaxada, vadia...
e se xingava de filho de rapariga, de boi chifrudo...
As criança artera continua sendo
homi e mulhé arteira.
Otros tomaro jeito.

Naquele tempo só luz de carosene
sabia mistério da noite.
Tinha boitatá, lobisomi...
Bambuzá e figuera devia se evitá.

De otro tempo...
me alembro mais desse lugá.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

ENCANTAMENTOS

Mãe d'água desorientada -  (Arquivo JRS)

É forte, entre os caiçaras, a herança tupinambá de encantamentos. Um exemplo, repetido até bem pouco tempo por algumas gerações passadas, era notado na época da revoada da formiga içá: as mulheres se punham rente a saída, bem na boca do formigueiro, e começavam uma cantiga que encantava os tão apetitosos insetos. Tudo por cobiça às suas bundas cheias de proteínas. A finada Maria Bidu, de balaio preparado, cantava assim: “Venha logo formiguinha. Vem pro meu balaio vem. Uma farofa gostosa quero fazer para o meu bem”. 

        Outro exemplo de encantamento, notado na maré seca, quando se ia mariscar, eram os assobios chamando os guaiás. Esse eu sei muito bem! Conforme assobiava, a caiçarada dizia mentalmente: “O guaiá saiu da toca. Coitadinho não tem pai. O guaiá saiu da toca. Coitadinho não tem pai”. E eles vinham, se grudavam no pau de isca para mais tarde se findarem em nossos dentes. Eis um dos motivos pelos quais os velhos caiçaras desgastavam os seus dentes. "Os dentes do tio Silvário estão limados de tanto comer guaiá!".  Delícia! 

Lendo o glossário do Peter, em relação à santola,  outro parente do guaiá, achei a definição de assobiar santola: “ato de ir caçar santola na maré baixa do dia com a mesma técnica do guaiá, só mudando o tipo de assobio e o modo de pegar a santola”. Ah! Faz muito tempo que eu não vejo santola!

Onde nasci, na Praia do Sapê, os rios eram para tudo: desde a água para se servir, beber,  até como  fonte de alimentos: mussum, jundiá, piaba, cafula, lagosta, sururu, cágado, mãe d’água e tantos outros seres se teciam. Viravam iguarias em nossos pratos. Balaios, peneiras, pequenas redes e anzóis já ficavam por ali, preparados para a serventia, em alguma moita do porto do rio, o lugar onde as pessoas se concentravam para as tarefas, tais como lavar roupa e louça, escamar e consertar peixe, lavar tipitis...
Não sabe o que é mãe d’água? É um caranguejo do rio, tal como o sururu era o marisco da água doce. Até parece um pequeno guaiá, mas totalmente marrom. Se bem que, numa das cabeceiras de cachoeira, em Caraguatatuba, por volta de 700 metros acima do nível do mar, em 1994, eu encontrei uma variação de mãe d’água amarela, quase no tom do guaruçá. A fotografia postada é de um mãe d’água trazida pela força da água e encalhada na boca da barra do Rio Indaiá, na Praia do Perequê-açu.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

ENFIM, O PETER!

Prosa com café (Arquivo JRS)



Mensagens, telefonemas, marca, desmarca...Entre tantos desencontros, hoje aconteceu o nosso encontro.Bem cedinho, enquanto fazia pequenos trabalhos, comuns em qualquer lar, eu já estava aguardando o amigo Peter, cuja obra Glossário Caiçara de Ubatuba, marca uma promissora carreira acadêmica e engajada na cultura caiçara.

  Na verdade, ele apareceu para buscar a encomenda  de três xilogravuras e me presentear. Grato, amigo! Depois, aproveitamos para um bom papo. Coisa boa! Bom companheiro de prosa!

Frequentador da Praia da Enseada, Peter desde cedo percebeu peculiaridades nos moradores do lugar, sobretudo no linguajar recheado de arcaísmos e com muitas expressões dos primitivos habitantes (tupinambás) desse chão. Escuta aqui, escuta dali, anota tudo e...eis o livro. Ao mesmo tempo, sendo descendente de trabalhadores do mar, apostou alguns anos na maricultura, na criação de mexilhões. Experienciando três anos na prefeitura, onde acompanhou a implantação de mais espaços para o ramo dos mexilhões (Camburi, Pulso, Prainha...), sentiu que o desafio era muito maior que imaginava. Tratava-se de preservar os recursos naturais e culturais para se ter sustentabilidade. Em seguida, junto com a luta dos pescadores da Praia da Enseada, abraçou a causa da canoa caiçara, que é parte nossa cultura material e imaterial  (as técnicas, as escolhas das madeiras, a época propícia de corte, os pitirões...). E assim segue esse cidadão registrando e imortalizando os aspectos culturais da existência caiçara. Quer conferir?! Veja o canoadepau.blogspot.com.

       Falamos um pouco de cada coisa: desde os pinheiros que querem invadir o espaço da mata nativa (Atlântica) até os ranchos oficiais que garantem a permanência dos pequenos pescadores. Lógico que o turismo está nesse alinhavado!

O turismo no município de Ubatuba nasceu com os acessos rodoviários: no início da década de 1930, com Taubaté, e, em meados da década de 1950, ao município de Caraguatatuba.

  Hoje, depois de tanto tempo convivendo com as atividades turísticas, constatando o descaso histórico e geográfico, me imagino como um visitante querendo aproveitar ao máximo de um lugar mencionado como agradável desde muito tempo. Certamente que poucas coisas e talvez nenhum guia turístico me possibilitará o encontro de itens que lembrem o passado desta terra (Ubatuba). O que pode ficar na retina recordatória de um visitante serão os casebres, a falta de harmonia arquitetônica, os rios que levam sujeiras para o mar, os condutores e pedestres desrespeitando regras básicas de civilidade, os pedintes, os lixos descartados em qualquer logradouro etc. Mesmo assim, ainda temos a natureza! É ela que deve servir como ponto de partida para entender e divulgar os alicerces da alma caiçara! Vamos apostar nela e preservá-la!

Uma sugestão é de se criar um curso de História Municipal. Quem sabe a partir disso nasça a solução para alguns dilemas do nosso entorno!?!

sábado, 21 de dezembro de 2013

CARACOL DE UBATUBA



           As minhas amigas, as irmãs Monique e Cristina, de Caraguatatuba, para demonstrar o quanto aprenderam de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), apresentaram esta agradável música. Adorei e faço de tudo para que mais gente aprenda. Que graça esta demonstração de carinho para com a gente!

O caracol que mora em Ubatuba,
Escreveu uma cartinha pra saúva.
A saúva respondeu com um desenho,
O caracol coloriu com muito empenho.

O caracol que mora em Ubatuba,
Escreveu uma cartinha pra saúva.
E assim continuaram sem parar,
Desenhando e ouvindo o tchá tchá tchá...

Na segunda desenharam um gavião,
Na terça o jacaré com seu bocão,
Na quarta foi o polvo de oito patas,
Na quinta canguru com três gravatas,
Na sexta dois marrecos barulhentos,
No sábado um touro rabugento,
No domingo foi a vez do chimpanzé.
Depois foi tudo igual de marcha ré.

E pra poder fazer de marcha  ré...

No domingo foi a vez do chimpanzé,
No sábado um touro rabugento,
Na sexta dois marrecos barulhentos,
Na quinta canguru com três gravatas,
Na quarta foi o polvo de oito patas,
Na terça o jacaré com seu bocão,
Na segunda desenharam um gavião.

Caracol que mora em Ubatuba,
Escreveu uma cartinha pra saúva.
E assim continuaram sem parar,
Desenhando e ouvindo o tchá tchá tchá...

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

CURVA DO ATALHO

Homenagem ao caiçara - Arte: Estevan (Arquivo JRS)
                    Passando entre tantos veículos, pela estátua que homenageia os caiçaras, avistei o amigo Júlio Mendes numa tarefa voluntária: pintar os dizeres do pedestal para dar um destaque à cultura do nosso lugar, cujo nome bem tupinambá é Ubatuba. Parabéns a esse filho da terra que tanto faz pelas nossas raízes culturais. A incumbência do desenho passei ao meu filho. Acho que ficou bom, né?
             Para completar, escolhi a poesia do mano Mingo. Ela foi inspirada nos tantos sinistros e ziguezagues da Serra do Mar, que liga o Vale do Paraíba ao litoral, à nossa cidade.

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Quantos motoristas apressados
escolheram o caminho mais curto
na curva do atalho
no sentido da descida
da Serra de Ubatuba
cujos escombros de almas
e aços retorcidos
a mata ainda esconde?
Atalho para onde?

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

IDENTIDADE CAIÇARA SE ATUALIZANDO

A partir do texto publicado pelo amigo Peter, no blog canoadepau.blogspot.com, somos convidados a refletir sobre a dinâmica da cultura, da nossa cultura caiçara. Tudo é como as marés: sempre em movimento.

Quero-quero no lagamar do Perequê-açu - Ubatuba  (Arquivo JRS)

INOVAÇÕES TÉCNICAS NA PESCA, FORMAM A IDENTIDADE CAIÇARA


Fonte: http://www5.usp.br/32601/segundo-estudo-da-fflch-inovacoes-tecnicas-na-pesca-ajudaram-a-formar-identidade-caicara/

Rúvila Magalhães / Agência USP de Notícias

A pesca é uma atividade comum no litoral de São Paulo e está sempre agregando inovações às suas técnicas, mas sem perder as origens herdadas pela tradição. Grande parte das mudanças foi surgindo de iniciativas individuais ou de pequenos grupos. Como características históricas do progresso, as novidades úteis são mantidas enquanto o que pouco agregou acaba caindo em desuso. A evolução histórica das técnicas de pesca utilizadas pelos caiçaras do litoral paulista entre os anos de 1910 e 2011, e suas implicações socioambientais, foi o objeto de pesquisa do analista ambiental e historiador Marcelo Afonso, realizada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
Foto: Peter Santos Németh

O objetivo do estudo foi mostrar que mesmo que as inovações técnicas tenham se instalado na pesca dos caiçaras, elas não foram responsáveis por eliminar a identidade do grupo. Ao contrário, a assimilação de novas técnicas contribuiu para a formação da identidade. “Muitas das inovações, como o cerco flutuante trazido pelos japoneses na década de 1920, e o uso dos diferentes materiais como o plástico e o náilon, foram adaptadas e incorporadas na cultura caiçara, que desde sempre foi marcada pela heterogeneidade, pelo dinamismo e pela mudança na busca pela sobrevivência”, exemplifica Afonso.


Além disso, foram delimitados alguns marcos referentes à introdução da pesca industrial tendo como objetivo verificar a participação que esse tipo de pesca teve nas transformações ligadas às técnicas utilizadas e às relações de trabalho entre os pescadores. Entender como o estilo de vida do pescador artesanal mudou com a introdução dos barcos de pesca industrial também figurou entre os objetivos do estudo.



Evoluções seletivas
A análise de um século de história sobre a pesca no litoral paulista mostrou ao pesquisador que as evoluções e modificações foram seletivas. Novas técnicas só eram adotadas pela maioria quando estas mostravam-se eficientes. “A comunidade espera para ver se o novo método ou petrecho está funcionando e, se for comprovado que ele dá bons resultados, uma parte dos pescadores passa a aceitá-lo e utilizá-lo, até o surgimento de uma outra nova técnica (trazida por pessoas de fora, ONGs, governo etc.), que passará pelo mesmo processo”, explica.



Esse processo de testes e adaptações de técnicas gerou uma gama variada de pescadores trabalhando simultaneamente com diversos tipos de pesca, o que fez surgir diferenças sociais internas e aumentou a competitividade entre os pescadores, causando, algumas vezes, conflitos que geraram falta de união em momentos importantes para as comunidades. A ocorrência da multiplicidade de técnicas, porém, revelou a capacidade dos caiçaras em se adaptar às adversidades econômicas, sociais e ambientais durante todo o século passado.



As transformações
“As transformações técnicas na pesca paulista, no decorrer do século 20, foram mais intensas principalmente nos novos materiais de fabricação dos petrechos, nas embarcações com motores mais possantes e com maior capacidade de carga e nas tecnologias de navegação e captura do pescado”, relata Afonso acerca das evoluções. Segundo ele, os marcos importantes para a pesca no século 20 foram a introdução da traineira, em 1910, do motor de centro e do power block, que é um tipo de guincho motorizado para recolhimento de redes, e do GPS, sonar e ecossondas.



Dados do Instituto de Pesca, coletados desde a década de 1960, apontaram para uma redução do pescado, sendo que 2011 teve o menor volume de pesca nos últimos anos, apesar do aprimoramento tecnológico. Pescadores entrevistados em todas as partes do litoral paulista afirmaram que isso vem acontecendo devido à pesca excessiva realizada por embarcações industriais. No entanto, pesquisadores do tema rebatem dizendo que o poder de captura dos pescadores artesanais também é um influenciador nesse caso. Somado a isso, tem-se a degradação dos ecossistemas marinhos, que pode explicar a redução na quantidade de peixes.



A dissertação de mestrado História de pescador: um século de transformações técnicas e socioambientais na pesca do caiçara do litoral de São Paulo (1910-2011), orientada por Gildo Magalhães dos Santos Filho e defendida em agosto de 2013, contribui na construção de um histórico das transformações técnicas e de outros fatores socioeconômicos e políticos ligados ao setor. Segundo o pesquisador, o reconhecimento dos caiçaras como população tradicional é essencial para a sua inclusão social e econômica, assim como o conhecimento de sua história e técnicas é importante na autoafirmação dessa população.



“O poder público precisa encontrar uma maneira de estimular uma relação equilibrada entre conservação do patrimônio cultural e natural e a melhoria do padrão de vida dos caiçaras. Essa não é uma tarefa simples e essa pesquisa pode contribuir, de alguma maneira, com elementos que devem ser levados em conta nas tomadas de decisões políticas voltadas ao apoio e à inserção econômica e social das comunidades pesqueiras”, conclui Afonso.

Mais informações: marcelum@yahoo.com, com Marcelo Afonso

GRANITO VERDE


Albado e outros na comunidade da Estufa (Arquivo JRS)

Ao me interessar pela origem das famílias que apareciam entre as mais tradicionais do bairro da Estufa, no começo de 1980, encontrei os  irmãos Albado (Manoel, Luiz, Sebastião...)

  Naquele tempo, quando ainda não existia a internet, o jeito era pesquisar nos livros. Um dos que me deram várias informações foi o Anhembi, cujos temas giravam em torno da sociedade brasileira. Dela veio a informação de que Albado deriva de Abbado, de origem italiana.

Quem diria que os Albado, migrantes negros, vindos  da pequena cidade de Silveiras, no final da década de 1950, tivessem parte de sua origem italiana?

A propósito, em 1960, por ocasião de uma apresentação da Orquestra Arcos de Milão, na capital paulista, o regente era Michelangelo Abbado. É, parece que a música está na raiz desses caipiras que se acaiçararam há décadas. Acho importante destacar que os jovens Albado foram atraídos pela riqueza do granito verde, cuja extração/exportação a partir de Ubatuba se estendeu até meados da década de 1980, ou seja, por quase meio século.
Dessa época, mesmo depois de tanto tempo, alguns morros ainda têm marcas da atividade, da extração mineral, com “feridas que levará tempo para natureza curar”. Exemplos: das Toninhas, do Itamambuca, do Corcovado, da Sesmaria da Estufa, do Sertão do Perequê-mirim, do Félix etc. 

Quanta fama pelo mundo afora ganhou o granito verde de Ubatuba!?! Quantos migrantes na profissão de cortadores de pedras, vindos principalmente do Estado do Rio de Janeiro, neste município se estabeleceram?!?

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

TERRITÓRIO E TURISMO

Mosaico  02 (Arquivo JRS)


Relendo o trabalho da colega Carmen Calvente, lembrei-me dos bons momentos que passamos trocando considerações acerca da cultura caiçara, dos desafios que fazíamos a nós mesmos conforme íamos entendendo melhor os fatores causadores de tantas transformações no espaço do litoral norte paulista. Naquele tempo, há mais de vinte anos, a pequena Bruna se divertia no jundu da Praia da Fazenda enquanto o nosso grupo (Carmen, Vladimir, Luís, Mary, Solange...) se debruçava no estudo do meio, sob orientação da professora Nídia Nacib, irmã do saudoso mestre Aziz Ab’Saber. Eis mais uma contribuição dessa amiga:

Com o turismo, ocorreu um processo acelerado de valorização das terras e de especulação imobiliária. Estas terras passaram a ter valor de troca (tradicionalmente, tinha apenas valor de uso), No início do processo muitas posses foram vendidas por valores mínimos, sendo que os caiçaras estavam pouco habituados às relações capitalistas ou a conviver com valores monetários, pois quase todas as necessidades eram satisfeitas pela produção familiar. O turismo penetrou como especialização; outras atividades econômicas (como a pesca), passaram a ser abandonadas e até consideradas entraves à modernização, inclusive pelos poderes locais.

As posses que continuaram nas mãos das famílias caiçaras foram diminuindo e aumentando de valor. Os que ficaram sem terra passaram por um processo de proletarização, e, como mão de obra barata, piorando as condições materiais de existência, ao mesmo tempo que aumentava a informação e o apelo com relação aos bens de consumo.

As comunidades caiçaras passaram a ficar concentradas em determinados locais. Mesmo nestes locais, na maior parte dos casos a faixa beira mar foi vendida e cada vez mais os pescadores, passando a morar nas encostas, sofreram dificuldades para transportar o equipamento de pesca até a beirada do mar, pois as residências de veraneio são construídas muradas, diferentemente das residências tradicionais.
[...]
No litoral norte, nesse momento alvo de uma destruição ambiental sem precedentes, ocorre pressão de grupos ambientalistas e são criados Parques Estaduais, inclusive o Parque Estadual de Ilhabela. Ao mesmo tempo que são limites para a especulação imobiliária, para os caiçaras esses Parques representam a perda do território, pois aumentou a impossibilidade material de praticar atividades tradicionais como a roça e a caça, sendo que esses limites também foram surgindo na beira mar: as novas residências construídas muradas, fechando o acesso à praia e dificultando a pesca. Além da impossibilidade material ocorre também uma mudança cultural: a pesca artesanal e a roça deixam de ser atividades atrativas para os mais jovens. 

domingo, 15 de dezembro de 2013

POPULAÇÃO LOCAL E PRESERVAÇÃO

Mosaico - 01 (Arquivo JRS)


                No ano de 1991, a colega Carmen Calvente, exercendo o magistério na Ilhabela, desenvolveu uma pesquisa com os caiçaras, onde alguns aspectos foram a base do seu mestrado na área de Geografia do Turismo, pela USP.   Mesmo depois de duas décadas, continua sendo uma contribuição ao momento do litoral norte paulista.
               
                Aproximadamente 80% da Ilha é Parque Estadual de Ilhabela, uma outra parte é área tombada e o restante deveria estar protegida pela Lei do Uso do Solo Municipal. Se existem alguns grandes projetos embargados pelo Parque, sempre vai ser a maioria pobre, o morador local, um alvo mais constante  e fácil para as ações punitivas.  A Lei do Uso do Solo tem sido utilizada, de acordo com o relatado, como instrumento de poder pelas administrações  municipais. O decreto do Parque, da década de 70, foi feito sem levar em consideração o morador local,  representado para a população nativa, uma invasão de um território utilizado há várias gerações.
                Há duas maneiras possíveis de encarar a questão da população local em áreas de conservação. Uma maneira, a mais fácil, é pensar na população local como o principal inimigo da conservação e ter como projeto retirar essa população ou pensar em educá-la para obrigá-la a conservar. Uma outra maneira, com certeza a mais complexa, é pensar nessa população local e sua necessidade de sobrevivência dentro do mesmo processo histórico que trouxe a destruição ambiental sem precedentes encontrada hoje, e, encarar essa população como composta por sujeitos ativos, que podem participar, com seu conhecimento e territorialidade, num diálogo pela conservação desse espaço.

                É importante ressaltar que, no litoral norte de São Paulo,  neste século [XX], o grande impacto ambiental foi trazido pela chegada do equipamento turístico. Não há como questionar a necessidade de conservação, mas esta necessidade não surgiu porque os caiçaras ocupavam o território de maneira tradicional, e sim pela lógica da cultura urbana e a procura de espaços turísticos, que se transformaram em mercadorias de alta rentabilidade.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

URUTAU


Urutau . Foto do Titio (Arquivo Promata)

Visitando a página do grupo de observadores de pássaros do Sertão da Quina (Promata), me reencontrei com as lembranças de um pássaro da noite por nome de urutau, também chamado de mãe da lua.

Na década de 1960, na nossa casinha de pau a pique, quase na Badeja do Tio Custódio, juntamente com as revoadas de morcegos, tinha início os pios dos pássaros da noite. Era curiabô, era coruja, era urutau... Sapos e grilos também marcavam presença, se alternavam nas previsões do tempo: o coaxar era chamado de chuva; o cricrilar anunciava tempo seco.

A cada piado na noite, inclusive de cobra, quase sempre se seguia uma história. Mamãe contava muitas; papai se lembrava de algumas.

Dos sapos, o mais assustador era o chamado por todos de entanha. Parecia um uivo na noite. 

De todas as corujas, uma que até hoje nunca descobri seu nome, imitava choro de criança nova. Nem sei da aparência dessa ave. Só sei que era de tremer ficar escutando tal lamento em qualquer noite no morro da Fortaleza, no meu tempo de menino. Eram raros os barulhos que não me causavam sobressaltos, tremedeiras e encolhimentos naquele tempo.

O urutau, ave tão difícil de se ver, era sinal de mau agouro. Um dos piores agouros! Ao escutar seu sinal, um canto melancólico, lembrando uma gargalhada de dor, a minha mãe falava: “Urutau, teu pai morreu! Que me importa! Urutau, tua mãe morreu! Que me importa!”.

O nosso mundo era repleto de assombrações.

O mundo todo era encantado.

E a vida ainda não era passado.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

A MELHOR FORÇA (IV)


Puruba 2001, lá estava  o Élvio! (Arquivo JRS)


Numa tarde de primavera, em 1978, juntamente com Severino, Nilséia e dona Santa, eu fui pela primeira vez até a cidade de Parati. O trecho da rodovia - BR 101 (Rio-Santos) - tinha um ano de inauguração. Nessa época teve inicio os meus conhecimentos, as minhas amizades com os moradores da porção norte do município de Ubatuba, onde ainda nenhum turista havia se apossado das áreas nobres da natureza. Cabia aos caiçaras  viverem na sua forma tradicional, sustentados por suas técnicas e artes, por suas paixões e devoções. Desse tempo vem a minha felicidade de, na comunidade da Praia do Puruba, ter convivido com o tio Durval, a tia Belinha, o tio Antonio, o tio Severiano e tantos outros nativos. Caiçaras mesmo!

Desde o primeiro contato até hoje, muitas coisas se transformaram no Puruba. Ouso dizer que as mudanças só não foram maiores porque as terras são mantidas entre familiares, justamente porque refletem a respeito da tradição e dos valores que os tornam um diferencial dentre as praias.

A comunidade da Praia do Puruba abriga uma das antigas capelas católicas do município, denominada de Exaltação da Santa Cruz. É onde, a cada ano, na data festiva de 14 de setembro, sempre acontece algo marcante a partir de eventos da cultura caiçara.  Quando o setor cultural da municipalidade se interessa mais, os eventos são incrementados, atraem turistas e moradores até de pontos mais distantes. Senão... a humilde população local festeja assim mesmo. As pessoas precisam disso!

A religiosidade é um cimento nas relações caiçaras. É mais uma possibilidade de experimentar e de aprender as relações coletivas, de buscar caminho para um bem viver comum.
Passando um dia naquele lugar, proseando com o povo dali, só posso dizer:

- Viva a solidariedade que desabrochou em sabedoria respeitosa ao meio ambiente e na construção de uma identidade!

domingo, 8 de dezembro de 2013

CONCRETISMO CASTIGANTE




Estudando um pouquinho mais, conhecendo Décio Pignatari, um dos frequentadores da Praia da Fortaleza, um menino caiçara, sofrendo regularmente com as frieiras tão comum no litoral, escreveu:

COCEIRA CONCRETA

Meu dedo passa discreto,
Forma na parede mofada
Um sinal refletido pela luz.
Não é pretexto, nem texto;
Não é alguém, nem ninguém;
Não é você, nem você é.

Agora olho...olho...
Não vejo nada!

A vela chegou ao fim;
Na lamparina não há querosene;
Da Lua nenhuma claridade chega,
Pois a “Cheia” tá longe.

Então vai chegando:
Uma madorna,
O sono pesado
...E o ronco indiscreto.

Meu dedo coça,
Desliza sobre o corpo;
O cansaço da posição me agita.
Um galo quebra o encanto
Do meu discreto acalanto.

Eu sinto...Sinto muito! 

sábado, 7 de dezembro de 2013

A MELHOR FORÇA (III)

Depois da caminhada, um merecido descanso na Justa (Arquivo SB)


Parafraseando tantos proseadores do meu entorno, caberá aos líderes mundiais renunciar aos recordes desenvolvimentistas a fim de salvar a vida do planeta, as nossas vidas. De resto, na inevitabilidade do Cosmos, as pesquisas seguem vasculhando as imensidões infinitas em busca de evidências de vida em outros planetas. Será que isso significa"jogar a toalha”, reconhecer que o nosso poder de autodestruição é incontrolável?


Constatando tantas irregularidades, tantas depredações e descasos, ponho me a refletir a respeito da realidade que me acolheu e aquela que ficará para as futuras gerações. Onde bebíamos água, só para dar um exemplo, hoje escorre um filete encardido. Os locais de lazer, descanso e faina pesqueira (ranchos, varais de rede e de secagem de peixe), salvo raras exceções, ficam atualmente dentro de muros. A moral vencedora é: “Se eu não fizer, outro faz”. Assim se multiplicam as ocupações e construções irregulares, os comércios clandestinos (ou “legalizados”) nas praias ou pelas calçadas etc.


É pensando em combater a desesperança, diante de nossa pequenez nessa possibilidade de mudança dessa realidade social, que eu me pego escrevendo. As memórias são pistas para revisões de vida e de rumo. Há uma indústria que passa imperceptível para a maioria. Jogam pesado, mas quem vê isso? Ao ver tantas pessoas, sobretudo crianças e jovens, encantados por um simples celular, recordo-me da velha Tia Izolina: “Fizeram de nosso lugá um pinico. Só tá fartando cagá em nós”. Ela fazia referência ao loteamento que começava a dominar a Praia do Pulso, as alterações no Rio Maranduba e as construções que nasciam sacrificando abricoeiros e amendoeiras em Ubatuba, “onde nasceu e se criou”. Parece que a outra parte da profecia da titia está ocorrendo na atualidade.


É todo um regime ambiental que se altera - e assusta! Assim, começar a tomar gosto pela possibilidade de recuperar antigos hábitos culturais pode ser um primeiro passo para reequilibrar a nossa vivência. Ler, reler, discutir as notícias e as situações, rever nossas concepções, produzir e reproduzir reflexões, marcar posições com iniciativas em prol da vida é preciso e pode ser o princípio de nova condição de qualidade existencial.


A ferramenta principal são os meios de comunicação. Só não podemos ser encantados pelo “canto da sereia”, né? Gosto de lembrar do Filhinho dizendo que, no início do século XX, “as malas postais chegavam nos dias pares e subiam [a serra, em direção ao Vale do Paraiba] nos ímpares, alternadamente, transportadas por estafetas que as levavam nos ombros, caminhando a pé, de Ubatuba a São Luiz do Paraitinga, dispendendo doze horas num percurso de nove léguas, por uma trilha pedregosa que em outros tempos havia sido estrada de tropas para servir a zona norte de São Paulo [...] Cartas e jornais chegavam sempre com cinco ou seis dias de atraso. Quando chegava... Havia, porém, para os casos aflitivos ou de urgência, o Telégrafo Nacional, que nos atendia em rápidas e lacônicas mensagens”.


Sendo assim, utilizando bem esta ferramenta, que tal fazer o percurso da Trilha do Telégrafo? De assumir a defesa de uma Reserva Caiçara entre as praias do Puruba e Justa?