sábado, 31 de março de 2012

NOS PASSOS DO TIO LINDO

  

                Hoje, mesmo com um dia prometendo chuva, o meu filho Estevan venceu: fomos à caminhada tão aguardada desde a praia da Fortaleza até a Grande do Bonete, passando pelo Canto do recife, Ponta da Fortaleza, Saco do Zacarias, Floresta do Cedro, Casa do Cambucá, Lugar do Tio Lindo, Cedro e Alto da Bidu, com o privilégio de uma parada refrescante no Barcoíris, dos descendentes do Tiago Roseno.

                Para trilhar esse caminho de servidão caiçara, além de nós (eu e Estevan), também foi muito bom contar com Jorge e Henrique, seu filho, que fez um ótimo registro fotográfico. Afinal, está cursando na Faculdade Metodista, em São Bernardo do Campo, um curso nesta área.

                Partimos para o roteiro já imaginado, mas confirmado com a contribuição do primo Nel, o pescador. O dia ficou lindo, luminoso; festejado com as sinhás-rosa no Canto do recife. Ninguém ainda estava nas praias, mas encontramos turistas na caminhada. A tão esperada coleta de cambucás não aconteceu porque a época de amadurecimento foi mal calculada.

                Interessante continua sendo a lembrança do saudoso tio Lindo. Sempre o imagino em seus passos, sobretudo quando voltava já sapecado por cervejas e aguardentes, tendo por companhia somente o cachorro Satélite. (Vide o texto O cachorro Satélite do tio Lindo). Como ele se saía em meios a tantas raízes, pedras, moitas de brejaúbas e outras barreiras naturais?

                Como é bom rever os lugares e as pessoas!

                Valeu mesmo!

sexta-feira, 30 de março de 2012

A BICA

Antes as bicas traziam águas dos rios, hoje...
               

                Eu já contei em outra ocasião da bica d’água que vinha de uma pedra, do morro até a porta da cozinha da vovó Eugênia, percorrendo mais de cinquenta metros em calhas segmentadas de bambu gigante rachado ao meio, sustentados por forquilhas de bastoeiros (que brotavam e pareciam cabeças verdes alinhadas). De vez em quando os segmentos eram trocados (porque apodreciam depois de conduzir dia e noite tão valiosa água).

                O meu tio Tião, em ocasiões assim, era o responsável pela reposição. Era serviço rápido: passava a mão num facão, ia até a grota e logo aparecia com os pedaços de bonitos gomos retos de até cinco metros de comprimento. No rachador de lenha, um machado e alguns ponteiros abriam ao meio o bambu. Em seguida, com uma enxó adequada, a canaleta era desbastada, ficava inteiriça. E lá ia o titio com as peças prontas, ferramentas e linha. Logo tinha uma ou mais partes novinhas, destoando das escurecidas e limosas que resistiam. E a água continuava o seu caminho e o seu serviço.

                Certa vez, quando eu já estava ajudando em algumas coisas, acompanhei o tio Tião nessa tarefa. Foi depois de estar tudo preparado para ser sustentado sobre o mato e o terreno irregular que eu escutei dele isto:

                “Preste atenção, Zezinho, para entender o que eu vou contar: tem bambu desses aí que dura mais de dez anos. Basta escolher bem, ver o mais maduro, bem duro. Também não pode deixar ajuntar limo que transborde a calha. Teve uma vez que, num desses assim, com mais de dez gomos, aconteceu uma coisa impressionante: um gomo do meio se destacou dos dois lados; a calha foi interrompida, mas continuou apoiada nas forquilhas. E sabe o que aconteceu? A água estava tão acostumada que continuou correndo direitinho assim mesmo, passando direto no vão, sem cair.  Sabe por quê? Porque ela já corria por ali há bastante tempo!”.

                Eu ainda pensei um pouco, imaginei a cena; logo caí na risada. Era muita criatividade!

                Demorou ainda certo tempo para a chegada dos canos plásticos e das caixas d’água de amianto. Chegou o progresso: a água secou porque uma estrada e muitas casas tomaram o espaço.

quinta-feira, 29 de março de 2012

AS COMUNIDADES TRADICIONAIS

Barra dos pescadores (Ubatuba)


                O texto do momento deriva de uma mensagem recebida nesses dias da jovem Cássia, filha da querida amiga Ortênsia e do saudoso Acácio, ambos da região da Ponta Aguda, onde as informações noticiam notícias de ações de grilagem de terra correndo à solta, assim como em outras partes do município de Ubatuba. À Ortênsia e aos seus, moradores em Caraguatatuba, mando um forte abraço.

                Os antropólogos estão na linha de frente quando se trata de defender as comunidades tradicionais. Por isso aproveito deste para homenagear o Diegues, um desses especialistas, natural da cidade caiçara de Iguape, quase na divisa com o Paraná. É quem coordena a NUPAUB - USP.

                Os caiçaras, ao escolherem a defesa de sua autenticidade, esbarram nos egoísmos daqueles que cobiçam as suas áreas (naturais e preservadas) para demonstração da rentabilidade econômica e da negação à vida de pessoas humildes, que se desenvolveram num lugar específico graças aos recursos naturais e à criatividade diante das necessidades, Portanto, em qualquer território da Terra há culturas distintas, únicas. São elas que formam o patrimônio principal de uma nação. Constituem-se como comunidades tradicionais!

                Atualmente, o fenômeno que mina mundialmente as comunidades tradicionais é a globalização. Os sedentos de lucros a qualquer custo querem fazer crer que o mundo é a sua casa, que os produtos deles e do mundo lhes pertence mediante desembolso. Por decorrência, um padrão globalizado vai se fazendo como “modelo único, perfeito”. Desse modo, e por falta de uma reflexão sobre a cultura local (de cada comunidade tradicional), vamos perdendo valores e características que se forjaram em séculos de história. Vamos nos compondo numa massa cultural pré-disposta à alienação, à exploração em todos os aspectos. Resumindo: deixando de ser a gente porque a ordem é copiar e consumir os produtos dos outros (que geralmente exercem o controle a partir de terras bem distantes).

                Eventos como o CAIÇARAU e outros são alternativas de reconstrução cultural. Que venham muitos! Parabéns ao Bado e a todos que concorreram para o sucesso da empreitada!

                Acreditando que a resistência é coisa de gerações, vou parar por aqui parafraseando Machado de Assis:

                “Mesmo miseráveis, todos abençoarão esse canto de terra que proporciona algumas ilusões”.

               

quarta-feira, 28 de março de 2012

IRRESPONSABILIDADE NO ESPAÇO CAIÇARA



                Na semana passada, bem na curva da rodovia Osvaldo Cruz, perto da ponte do rio Ipiranguinha, onde alguns funcionários do D.E.R (Departamento de Estrada de Rodagem) fazem um trabalho necessário a fim de evitar uma piscina a cada chuva na pista, eu fui atropelado por um ciclista displicente que pedalava ao lado da esposa, sem olhar para a frente. Eu saí no prejuízo. Afinal, o pneu dianteiro da minha bicicleta teve que ser trocado. Pior: o “cidadão” queria dizer que quem estava errado era eu. Depois que argumentei e desmontei a sua estratégia, veio o cúmulo do tapado: “Eu não posso pagar; estou desempregado. Mas eu sou evangélico e ...”. E continuou se referindo a uma igreja dos quintos dos infernos, como se isso resolvesse a situação, diminuísse a sua culpa. Quem ensinou a esse civilizado que evangélico não faz m...? Atraso dos atrasos! Também, pudera; qual das denominações religiosas se preocupa ao menos em dar uns princípios éticos, uma educação para o trânsito e outros detalhes do viver civilizadamente?

                Mas a culpa não é só do dito cujo! Já que os ciclistas, obrigatoriamente, teriam que invadir o leito carroçável, os cones sinalizadores, tal como em outro dia, deveriam dar um alerta e uma margem de segurança naquele trecho enquanto as coisas não se normalizam. Os trabalhadores da estrada também foram irresponsáveis. O prejuízo foi meu, mas ainda pode acontecer coisa pior. Para onde vamos nesse mar de ignorância?

terça-feira, 27 de março de 2012

TOCANDO BÚZIO

                   Novamente agradeço ao Júlio pela reflexão proporcionada no 1º Caiçarau

 Espia era a pessoa que ficava a observar o mar a procura de um refolhar, saltitar ou qualquer outro sinal de cardume de peixes a movimentar-se na tona d’água. A um desses movimentos, o espia, diante de seu búzio, tocava, no mais alto encher dos pulmões, o som de seu instrumento de comunicação. O som desse instrumento além de comunicar a entrada de peixes na baía, comunicava ainda, pelas diferenças sonoras, a espécie de peixe que estava a sobejar no largo da baía. Se fosse tainha, xaréu, cara-pau, anchova... para cada espécie de peixe tinha seu toque (som) diferenciado; aí a caiçarada, a mercê do que era mais importante, largava seus afazeres e corria para a praia, ao encontro de suas canoas, remos, redes, e em braços fortes remavam rumo ao cardume, motivo de alimento, de sobrevivência, de tradição, de gosto, de instinto. Pescar!

Búzio é uma concha piramidal, com linhas longitudinais e transversais e três fiadas de nódulos na parte superior da espiral do corpo; é um caracol marinho.

Em todas as praias tinha um espia. Alerta a observar o mar na Baía de Ubatuba, num dos tempos, tivemos um grande espiador que foi o pescador Antonio Athanásio da Silva, que ao menor movimento de água, sabia que peixe era e o tamanho do cardume e assim metia a boca no seu inseparável búzio; mas certo dia do mês de junho, de repente soou da praia de Yperoig um som nunca ouvido pela população caiçara; era um som agudo, mas perfeitamente melodioso; uns falavam que se fosse búzio era de chifre de veado, mas a curiosidade não deixou passar vontade e a população praiana correu para beira da praia. Chegaram lá e encontraram o Antonio Athanásio fazendo exibição de seu novo instrumento musical para comunicar a entrada de peixe na baía. Não era búzio de concha e sim um clarim (corneta) que tinha ganhado de um tenente do exército, e fazia assim seu exercício de sopro para anunciar a novidade. Hoje, esse clarim é parte integrante da história de nossa cidade e com muita honra, orgulho e valor, esse instrumento encontra-se fazendo parte do acervo do Museu Caiçara; foi uma doação recente do filho do pescador Antonio Athanásio, o amigo Edson Silva. Obrigado seu Edson, o museu e toda comunidade caiçara te agradece!

Semana passada um búzio foi tocado pelo chamado de nosso querido caiçara Bado Todão que em parceria com o Museu Caiçara, Projeto Tamar e apoio da Pizzaria Bucaneiros e Instituto Bacuri, reuniu em nossa praia um punhado de pessoas ligadas a arte e a cultura de nossa terra, para iniciar uma discussão sobre uma política cultural necessária para nossa cidade. E aconteceu o 1° Caiçarau que, além da discussão política, teve muito café de cana, ciranda, cana verde e a apresentação do grupo Ubacunhã de seu coordenador Bado Todão.

A cultura caiçara é única e marcante e precisa de projetos que incentivem e que apóiem seu resgate, sua manutenção e sua abrangência, para que nossos filhos e os filhos de outros não deixem morrer as nossas tradições.

Vamos tocar búzios, clarins e trombetas, para convocar e despertar a vontade que esse povo guarda em festejar, em mostrar nossas músicas, danças, folclore, folias. Estamos precisando disso!

Eu vou tocar o meu búzio para conscientizar os novos políticos que estão surgindo, de que a nossa cultura é motivo de desenvolvimento turístico e econômico.
- Buuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu.

segunda-feira, 26 de março de 2012

NÃO É UMA SIMPLES BANANEIRA



                A casa de farinha do vovô Armiro era bem atrás de sua casa, ao lado de uma jaqueira frondosa, onde corria uma bica d’água maravilhosa. Tinha outras árvores frutíferas e uma moita de bananeira, da variedade ouro, tratada de forma muito especial pelo vovô.

                Além das raspas de mandioca, essa touceira de  banana ouro recebia ainda bagaço de cana e mais um monte de coisas que a  estrumava. Vovô também “perdia tempo” na admiração das novas mudas e de cada cacho que se desenvolvia. Através dele aprendi uma lição antes repassada pelo Nhonhô: “cada bananeira não pode ter mais de duas ou três mudas. É como uma família: quem tem muitos filhos não consegue dar uma boa educação. Uma bananeira com muitas mudas míngua, não dá cacho que preste”.

                Para encurtar a prosa: recentemente eu recebi, através do tio Salvador, mudas da linhagem daquela touceira devotada pelo vovô. Agora, esse sentimento (as lembranças dos cuidados do finado) está plantado no meu quintal. Poderei falar mais concretamente: não é uma simples bananeira, mas descende das adoradas pelo saudoso vô Armiro.

                Tenho uma certeza: muitos cachos colherei até o final da vida.

                Não será isso uma espécie de amizade que foi reativada?

domingo, 25 de março de 2012

O NOSSO CAIÇARAU



                Ontem, 24 de março, aconteceu no Museu Caiçara – Tamar, um importante momento da cultura caiçara. Nossos agradecimentos ao Bado Todão pela idealização e a todos pela participação, inclusive à delegação do município de São Sebastião. 

                Teve um momento de falação e de poesias, mas logo passamos  ao show (danças e músicas).  A noite estava do jeito que a gente gosta; todos aproveitaram ao máximo, inclusive as crianças que não se desgrudaram dos balanços e gangorras.

                O Museu Caiçara, todo iluminado, foi uma atração à parte. Sempre tinha um grupinho apreciando as peças e fazendo seus comentários. Talvez somente as tartarugas não tenham gostado muito.

sábado, 24 de março de 2012

A CONTRIBUIÇÃO DE JOÃO DE SOUZA, UM DOS ENTREVISTADOS


                 O saudoso “caiçara do pé rachado” (João de Souza),  amigo destes dois contadores de causos no famoso "banquinho da Cunhambebe", durante o mestrado da Gláucia sobre causos, foi um dos entrevistados. Vejamos a teoria a sustentar a sua fala.


Acréscimos: mentira ou criação?

          Com relação aos acréscimos feitos aos causos (invenções a partir de um acontecimento) no ato da narração oral ou, principalmente, na escrita dos causos – que se tornam contos, no entender de alguns contadores –, os entrevistados explicam:



JS: Você diz “o escritor é mentiroso”. É, porque ele cria. Ele é mentiroso porque ele cria, mas tem uma parte, uns sessenta por cento, uns setenta por cento que é verídico, que aconteceu. São fatos, né? Então ele acrescenta, ele enriquece aquela cultura. [...]

Tem o causo e tem a imaginação que é o seguimento do conto. Então quem escreve mistura uma coisa com a outra pra dar uma pitadinha de sal, um gostinho no ponto. Pois se você vai fazer uma história sem ter uma pitadinha, não fica legal, né? [...] Então tem que ter uma brincadeira, e eu faço meus contos, no fim eu faço uma brincadeira, você tem que relaxar um pouco, né? Muitas vezes é coisa verídica...

Nesse segmento, o contador admite os acréscimos para as narrativas escritas, que ele diferencia do causo ao dizer: “tem o causo e tem a imaginação que é o seguimento do conto”. No trecho em que o contador afirma: “você diz ‘o escritor é mentiroso.’ [...] ”, não está se referindo ao diálogo imediato com a pesquisadora que o entrevista, mas está respondendo dialogicamente, no sentido empregado por Bakhtin (1997), aos já-ditos que circulam na sociedade. A sua resposta é uma defesa em favor da criação: “é, porque ele cria”, mas arremata logo dizendo que a maior parte é verdade. Sua resposta parece se unir a de um de nossos maiores escritores, Ariano Suassuna (2000):


No caso do mentiroso, eu acho que é natural: todo escritor é um pouco mentiroso, um pouco Chicó – o mentiroso que mente não para prejudicar alguém, mas por amor à arte de mentir.

sexta-feira, 23 de março de 2012

TODO DE BRANCO

Vitória e mamãe continuam com suas gargalhadas em nossas lembranças.
                  A saudosa comadre Vitória era fantástica nos causos,  principalmente naqueles que causavam arrepios na criançada.Mesmo convivendo muito tempo no meio da caiçara, a sua preferência era pelas suas memórias de criança, quando ainda estava na roça, em Minas Gerais.



Vitória conta como surgiu um medo que a perseguiu por muito tempo: “Eu tinha uns nove anos e morava numa fazenda em Piuí, Minas Gerais. Eu, a Rosa e a Otília, minhas irmãs, dormíamos num catre antigo que ficava na sala.

Numa madrugada acordei sonolenta e vi um homem todo vestido de branco e com chapéu de palha também branco que chegava ali. Ele deu um gemido para subir um degrau na entrada do cômodo e chegou no pé da cama onde pôs a mão num paninho que nós deixávamos ali estendido – era um paninho amarrado com fio de nylon com o qual costumávamos brincar – segurou o paninho nas mãos e ficou ali jogando de um lado para o outro, como que examinando seu feitio. Pensei “devo estar sonhando”, mas não estava, abri bem o olho para ver se era real e o homem foi levantando a cabeça bem devagar deixando ver seu rosto de pele muito branca e pálida, e seus olhos calmos e profundos me olharam demoradamente, me enchendo de pavor. Meu pai começou a tossir no quarto. Fui me encolhendo, não queria nem me mexer de tanto medo, mas puxei a coberta sobre a cabeça e quando descobri, ele tinha chegado mais perto e me olhava intensamente. Quando meu pai voltou a tossir tomei coragem de gritar “pai tem um homem aqui”. Vi meu pai chegar assustado seguido por minha mãe e ao olhar de novo o homem tinha sumido!

“Foi pesadelo, não tem ninguém aqui”, me disseram. Descrevi para minha mãe o tipo que eu tinha visto e ela disse “parece meu irmão”. Meu tio, que eu não cheguei a conhecer, havia morrido há pouco tempo, em Passos. Ela foi buscar o retrato guardado e me mostrou: “é esse mesmo o moço que eu vi”. Para mim não havia dúvida. Rezamos todos pela alma de meu tio, mas eu fiquei com um medo terrível dos mortos desde então.

quinta-feira, 22 de março de 2012

JÚLIO E A PRAIA BRAVA DO CAMBURI

Regata na praia da Enseada -2010


            O Júlio Mendes, meu amigo desde o tempo do ginásio, sempre está contribuindo para novas reflexões sobre as questões caiçaras. Hoje, com a sua licença, vamos recortar um trecho da página d'O Guaruçá para rir com as particularidades de alguns pescadores.

          Logo na descida da trilha de acesso à praia Brava do Camburi, tem-se uma vista panorâmica que eu diria “surreal”; a gente que já está acostumado em ver tanta paisagem bonita de nossa terra, fica de boca aberta. Vou dizer que a trilha pra chegar até a praia não é fácil; do início até a metade, é, como diz o pessoal da roça: um “quebra-cú” desgraçado. É íngreme e escorregadia, cheia de pedras e raízes, e como dica de mateiro que sou, digo que se deve ter atenção e olhar aonde se vai pisar, porque nesse tipo de trilha pode ser que uma hora ou outra tenha uma jararaca de boca aberta esperando um tornozelinho desprovido, mas não é para se assustar com isso, é só precaução, mas caso queiram se garantir mais ainda é bom esfregar um dente de alho na canela e fazer o sinal da cruz para espantar as peçonhentas. Araçás e goiabas, enjoa-se de comer de tanto que têm nessa época; passarinhos e borboletas com seus cantos e cores dói os ouvidos e cansa os olhos de ver e ouvir. É ruim, hein! É praia brava mesmo, é praia pra surfista, mas tem o cantinho sul com um “corguinho desaguante” que é uma beleza, pode deixar criança à vontade e sem preocupação. Do meu kit praia, tirei minha linhada, peguei uma tatuíra na areia de volta-onda e joguei pra ver se pescava um parati barbudo, um pampinho ou um carabebe que fosse, mas nada! Ao contrário de trinta anos atrás, quando estive lá pescando com meu pai, hoje não tem nem pra remédio. É verdade que peixe anda com as marés e com as correntes, mas que tá diminuindo, não resta dúvida. Dessa praia lembro-me que uma vez, no frio do mês de junho, fomos passar picaré para pescar tainhas; não nos decepcionamos, mas foi um sacrifício subir aquele caminho à noite com peixe, rede, calão e lanterna nas mãos.

           Um causo que ficou marcado contou-me certa vez o irmão do Toninho Guimarães, o saudoso “Coelho”, assim carinhosamente chamado; eu nunca soube o nome correto dele, mas dizia ele o seguinte:

         “Ah, Julinho, fomos passar picaré na Brava do Camburi. Foi o Antônio Gomes que nos levou lá dizendo que a praia era muito boa de tainha. Descemos aquele morro à noite, só com uma lanterna. Rapaz, chegamos lá, abrimos a rede e nem bem caiu na água começou bater tainha. O Antônio Gomes, muito afobado, assobiou para fechar; veio 18 tainhas, tudo tara, daquela ovada. Por azar o Laureano pisou num bagre e o ferrão atravessou e regaçou com o pé. O cara gemia de dor que nem cachorro quando leva estilingada na canela. Tivemos que vir embora. Tinha uma tainhada na praia que dava até pra sentir o cheiro delas. Viemos embora com dó, não do Laureano, mas de deixar a tainhada que tava no ’lagamá’. Era cedo ainda, mais ou menos umas 9 horas da noite, mas pra subir aquele morro com dezoito tainhas, com uma lanterninha, picaré, calão e o Laureano gemendo de dor, foi um sacrifício danado. Chegamos lá no alto da estrada onde estava o carro por volta da meia noite e mais uma hora estávamos na Santa Casa, tirando o ferrão do bagre do pé do Laureano. Depois disso, fomos levar o Laureano em sua casa e lá o Antônio dividiu os peixes em quinhões. Aí é que a história passa por uma questão, no mínimo, curiosa. O Antônio abriu o saco de peixe e começou a divisão com seis quinhões, de três peixes cada, e disse pra cada um de nós escolhermos uma parte. O Laureano, que até então tava gemendo, vendo aquela injusta divisão, falou:

          - Ôôô Antónho, que quinhão de seis é esse se nós somos em três?

          O Antônio, sem o menor constrangimento, respondeu:

          - Somos em seis, sim: você, o Coelho, eu, o meu carro, a minha gasolina e o meu picaré. Pegue a sua parte que tá bom demais; você, além de nos dar trabalho, ainda fez a gente perder a tainhada que tava naquela praia; hoje nós matava umas duzentas tainha!

           Eu sempre pesquei com o Antônio e já sabia dessa divisão que ele fazia, mas quem ia pela primeira vez ficava puto da vida. O Laureano dizia que nunca mais ia pescar com a gente; mas que nada, virou nosso companheiro de picaré! Mas tava certo, o Antônio Gomes dava o carro, gastava com gasolina, a rede era dele, levava bolacha, chocolate quente e café pra gente comer e nós ainda enchia o carro dele de areia e água salgada; a Brasília vivia na funilaria tirando ferrugem.

Causo caiçara!

           Assim me contou o Coelho que, hoje, tanto ele como o Antônio Gomes arrastam picaré lá no “lagamá” celeste. Só não sabemos como é feita a divisão da pescaria lá em cima.

quarta-feira, 21 de março de 2012

ORGULHO DE UMA CANOA

O pesquisador e alguns jovens caiçaras na praia do Ubatumirim (1976). Destaque para a canoa companheira de capurubu. Naquele tempo de subsistência, pintar canoa era um luxo.

                Júlio Cesar, um leitor de Santa Catarina me escreveu sobre a sua canoa CAIÇARA e o sucesso que ela faz na praia de Ganchos. Que legal!
                É isso mesmo! Conforme já disse em outras ocasiões, ainda não encontrei nas minhas andanças embarcação mais bela e harmoniosa. Hoje, para deleite de muitos, publico uma foto do pesquisador Olympio Mendonça que, na década de 1970, fez a sua tese de mestrado na região norte de Ubatuba, gerando a obra O LÉXICO DO FALAR CAIÇARA DO UBATUMIRIM.
                Aproveito para homenagear o Renato (da praia das Sete Fontes), neto do velho Peralta, um dos mais jovem fazedores de canoas de Ubatuba. Também é um ótimo remador e está sempre participando das regatas na região.

terça-feira, 20 de março de 2012

O ESPANTO DO TITIO

Capela S.João Batista, na praia da Fortaleza, o torrão natal de tio Domingos.


                O meu tio-avô Domingos que, por volta de 1920, foi para a Baixada Santista em busca de trabalho  e de melhores condições de vida, se escandalizou no primeiro carnaval em São Vicente. Não esqueço a história porque, sempre que voltava ao seu torrão natal, ele a repetia essa e outras mais para nós:

                “É saindo de Ubatuba que a gente vê ‘coisas do arco da velha’. Imaginem só que, junto ao Morro da Biquinha, o ponto mais agradável e frequentado de São Vicente, na terça-feira gorda daquele ano em que lá cheguei, quando havia a maior animação carnavalesca, fui procurar uma moitinha para me aliviar. Logo ali, quando já ia me remexendo todo fogoso, o que eu vejo: dois homens junto a uma parede, parecendo duas lagartixas se atracando, fazendo coisas que nem ouso dizer. Quando eles me viram, um largou o p... do outro e se separaram. Só um continuou ali. O outro deu uma sacudida nos ombros e se embrenhou na animada gandaia da folia. Quando eu contei isso para o meu irmão Didi, ele riu bastante e falou que eu ainda não tinha visto nada. Para a mana Amélia eu nem tive coragem de comentar nada”.

segunda-feira, 19 de março de 2012

BUSCANDO AS RAÍZES NA BAIXADA SANTISTA

                                   Quem está segurando o cachorro é o tio-avô Domingos, irmão da minha vó Eugênia que foi  à procura de melhores condições de vida, pois a nossa Ubatuba nada tinha a oferecer além da subsistência. Quem está agachado é o tio Marcelino, irmão da mamãe (de rosa), que na metade do século passado, ainda adolescente também seguiu para a Baixada Santista pelos mesmos motivos. Outros tantos fizeram o mesmo caminho: a remo, de barco ou enfrentando uma longa jornada a pé, foram -se daqui, tal como ainda ocorre hoje por descaso resultante da politicagem.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       

GULU, O NARCISO

Eis o que ainda resta da adorável praia do Saco da Ribeira


                Há tempos não vejo o Narciso, grande amigo de escola, do tempo em que cursávamos o colegial (Ensino Médio) na escola Capitão Deolindo. Para nós era o Gulu, um companheiro que topava qualquer boa parada, principalmente se “uma meia-dúzia” cogitava em deixar mais cedo a escola a fim de pescar no recém-inaugurado píer do Saco da Ribeira. Nisso havia a cumplicidade de alguns professores (Américo, Fernando, Cláudio...). Era a década de 1970.

                Naquele tempo o Gulu andava apaixonado por uma paulistana, estudante da FAAP, na capital. Por isso, de vez em quando, deixava os “nossos compromissos importantes” para se devotar à moça. Sempre voltava maravilhado porque tinha acontecido  “isso, isso e isso”. Foi numa dessas ocasiões, justamente na época de tainha, que marcamos uma picarezada ali mesmo, no Saco da Ribeira. Era eu, Eugênio, Claudinho, Fernando e Cláudio. Algumas das nossas colegas de classe também compareceram, mas não ouso dizer os nomes por causa dos maridos que nunca nos olharam com bons olhos.

                Após duas ou três arrastadas de fartura, o Carmo, padrasto do Claudinho,  ofereceu a sua cozinha para a peixada da noite. Logo apareceu cerveja, caipirinha e café para quem era abstêmio como eu.  A gente teve que se virar sem fazer muito barulho porque a dona da casa, a Nádia, assistia a novela por nome de Assim na terra como no céu, com o galã Francisco Cuoco fazendo o maior sucesso.  Lembro-me dos infames trocadilhos com os nomes da novela, do astro principal, além de ova de tainha e outras palavras que foram surgindo na roda de prosa. No final, alguém se lembrou do Gulu (ausente devido à paixão) e teve a feliz ideia de guardar uma ova caprichada. Ah! As meninas resolveram escrever uma mensagem a quatro mãos. É a que agora reproduzo:

                Pra você Gulu que perdeu uma festa:

                Teve ova enquanto o Cuoco encenava.

                Aqui na terra foi assim:

                Um braseiro debaixo do assa-peixe

                Para a fumaça chegar até o céu.

                Você estava distante,

                Mas foi lembrado.

                Uma ova na tigelinha

                E uma farinha acompanhando.

                E no final...

                No Saco...

                Só restou o  Cuoco para o próximo capítulo.

                Em tempo: quase que você ficou sem ova!

                Não deixe para devolver no céu a vasilha,

                Pois a dona está na terra: é  da dona  Nádia.

                Se não houver devolução...  ficará danada!

                 

                Bons tempos! Na segunda-feira, o Gulu teve de comer a ova frita envolta em saborosa farinha de mandioca, durante a aula de Biologia do Zé Brito. Certamente que guardou a mensagem da animada turma.

                Na semana que se findou, comemoramos mais um aniversário desse caiçara, dos Oliveira, no Saco da Ribeira.

                Feliz aniversário, Gulu! Um abraço meu e do Júlio Mendes para não esquecer jamais da nossa turma e de tudo de bom que vivemos.

domingo, 18 de março de 2012

“BÓIS SOIS BAGABUNDO!”

Vamos comparar os tamanhos?


                Eu gosto de encontrar o Hilário, da praia Grande do Bonete, que tem, nos seus oitenta anos, uma forma física bastante peculiar, sobretudo quando “está pra lá de Bagdá”, embalado pelo “excesso de sangue na corrente alcoólica”: balança, gesticula, aperta mais os olhos do que é costume e sempre tem alguma coisa engraçada para contar.

                E o seu nariz?! Ah! Lembro-me bem das brincadeiras do vovô (também narigudo!); de vez em quando dizia: “Pelo nariz, é o Hilário que vem aí”. Já o meu tio Tião Félix, leitor de Jack London, citava-o:  “Que nariz! Um tanto maciço para grego e um tanto delicado para romano”.

                Dias atrás, partilhando com o Zé Carlos Góis sobre algumas passagens da nossa convivência  com o estimado Hilário, leia o que ele contou:

                “Na condução, indo para a Lagoinha, o Hilário embarcou daquele jeito que você já sabe.  Como sempre, foi conversando com todos. Afinal, quem não o conhece? E o pessoal tem muita paciência com ele!  Quando chegou no ponto do desembarque, não é que o danado empacou na porta? Com aquele olhar de ‘janela quase fechando’, começou a repetir para o motorista, o Jorge, filho do finado tio Zacarias do Corcovado: ‘Bóis sois bagabundo!’. O Jorge, coitado, sabia que ali não tinha maldade nenhuma, que era somente uma forma de demonstrar carinho, mas a viagem precisava continuar. Não lhe restava muito a fazer a não ser falar: ‘Eu sei, Hilário. Eu sou vagabundo, mas agora deixa eu fechar a porta para continuar a viagem’. E o embalado praiano voltava à mesma lenga-lenga: ‘Mas bóis sois bagabundo!’. E o motorista: ‘Eu sei, Hilário, eu sei. Mas deixa que eu vá em frente’.  Depois, vendo que a coisa não andava, eu fui e o trouxe para tomarmos o caminho do Bonete”.

sábado, 17 de março de 2012

O PROFESSOR



                Ontem, ao chegar na minha casa, já havia uma mensagem do meu irmão Jairo: “Zé,morreu o professor Aziz”. No mesmo instante comecei a recordar os momentos que ele viveu conosco em Ubatuba, das suas palestras e das suas gostosas prosas.  Inesquecível foi a sua participação no fórum que tratou das questões das terras em Ubatuba, há mais de dez anos. Depois teve outra ocasião semelhante. O ginásio “Tubão” estava lotado de caiçaras atentos às palavras do mestre tão íntimo das particularidades do nosso espaço. O nosso amigo Miguel Angel deve manter no arquivo as fotografias daquela ocasião.

                Era só estar em sua casa, na praia Itamambuca, que logo ele dava um jeito de telefonar ao Domingos para combinar umas andanças. Nessas ocasiões, não se desgrudava de um bloco de anotações para registrar detalhes da nossa região. “São riquezas; dão uma pesquisa fantástica” era uma expressão corriqueira do professor Aziz, esse grande geógrafo do mundo nascido em São Luiz do Paraitinga, mas ligado à nossa terra desde a meninice, quando o pai, imigrante libanês casado com uma nativa da “Serra Acima”, exaltava o país que o acolheu, a paz dos caminhos, a acolhida dos caipiras, dos caiçaras e as incomparáveis belezas naturais.

                Do professor Aziz, durante as orientações para o trabalho de graduação do Domingos, na Universidade de São Paulo (USP), ficamos sabendo que “a prova de que o  litoral já foi parte de um deserto, é a presença dos lagartos, dos manacarus e de outras adaptações que permeiam o espaço da cultura caiçara”. E o que dizer das suas narrativas empolgantes de como foi  admitido na universidade como ajudante de um célebre mestre, no cargo de jardineiro? Este foi o definitivo passo para a formação do maior geógrafo que eu conheci.

                O professor, sempre muito lúcido e com muita inteligência, nunca deixou de denunciar as armações politiqueiras que o circundavam. Em certa ocasião, no “Espaço Cultural Nalva”, ele se mostrava indignado pela forma como, através do seu destaque acadêmico, o presidente Lula tentou, pelas vias politicamente incorretas, encaixar um de seus filhos (aquele que depois foi envolvido em “facilidades do setor de comunicação”) na USP. Para ele, “o Prouni, esse programa que está atendendo muita gente que realmente precisa, foi criado para resolver as questões das vagas ociosas das faculdades privadas. É um jeito dos empresários desse setor manterem os seus lucros”.

                Também à sua irmã, a professora Nídia Nacib, igualmente professora na mesma instituição, devemos agradecimentos por trabalhos formativos à nossa atuação, na compreensão da nossa realidade. Foi quem nos auxiliou em significativo trabalho na região do Perequê-açu, no início da década de 1990.

                Certamente que muitas outras contribuições virão das interessantes anotações nas restingas, costeiras e morros ubatubanos feitas pelo nosso querido professor Aziz Ab’Sáber. A ele nunca negamos a nossa grande admiração. Por iniciativa do Jairo, ele foi agraciado com o título de Cidadão Ubatubense.
                Valeu, professor Aziz!

                Nossos sinceros pêsames à família.

quinta-feira, 15 de março de 2012

T’ESCONJURO


                A tia Maria da Barra, irmã da vovó Eugênia, era uma bondade só. Vizinha do nhonhô Armiro, sempre acolhia a todos muito bem, oferecia bolachas e contava histórias sempre com alguma lição de vida.
                O que mais me impressionava na titia era o pé com alguns dedos remontados devido a uma picada de cobra brava.
               Ela contava causos muito bem, falava da religião, interpretava histórias bíblicas e outras coisas mais. Foi quem descreveu nos mínimos detalhes a última ceia de Jesus com os seus seguidores, substituindo os Judas (Tadeu e Iscariotes) por outros (Matadeus e Carioca).
                De alma simples, a tia Maria era muito supersticiosa: chinelo tinha que estar sempre desvirado, gato preto que tivessem os outros, cordão de capiá não saía do pescoço.
                Numa ocasião, quase morreu de susto quando uma borboleta preta pousou no colo de São Benedito, "o meu pretinho", conforme a intimidade dela. Imediatamente deu uma cintada na coitada, mas quem levou o pior foi o franciscano negro: caiu no chão de terra batido, tombou no pé do pilão e se desprendeu da cabeça. Com os olhos arregalados, assim se expressou a titia: “T’esconjuro, praga...”. E desfiou uma ladainha de nomes que não tive a capacidade de decorar.

terça-feira, 13 de março de 2012

UMA ADORÁVEL COSTEIRA



            O meu amigo Júlio é especialista em achados importantes para a nossa cultura, sobretudo em tempo de “rapa cuia esganado” por todo quanto é canto deste município. Imagine o quanto de satisfação é capaz de dar, a qualquer nativo caiçara, uma costeira assim carregada de mariscos (mexilhão), lembrando uma frondosa jabuticabeira no começo da primavera!
            A explicação para uma fartura dessa pode ser uma só: nesta época o marisco está magro, sem o tão cobiçado sabor. Vamos acompanhar para ver a feição dessa costeira daqui a três meses, na chegada das correntes frias fartas em nutrientes para toda a fauna marinha.

            Bem antigamente, antes do advento do turismo e dos migrantes atraídos pela construção civil, os ciclos dos seres, inclusive dos frutos do mar, eram respeitados. Em qualquer costeira ou laje era coletado o suficiente para uma refeição (preferencialmente almoço). Só isso bastava! Ninguém se aproveitava disso para estocar e negociar.

             Outras preciosidades estão nessa costeira, mas só aos olhos dos caiçaras elas se revelam como imperdíveis iguarias. Que tal um saquaritá, um cambiá ou uma manzarrata? Ou ainda: pindá assado, ostra com limão etc.? Se mergulhar pode dar sorte de encontrar preguaís. Garanto que muitos nem imaginam os sabores inigualáveis dessa "turma" que está na “zona de guerra” entre o mar e a costeira.

segunda-feira, 12 de março de 2012

A COMPANHIA DE CONGADA DO PURUBA

A música é parte da alma caiçara - Arquivo Kilza Setti.

                Em 1981 eu conheci o pessoal do Sertão do Puruba. Era um começo de dia muito luminoso quando eu desembarquei e fui enfrentando o trilho marcado pelos moradores, quase uma picada, para me encontrar com o Dito Fernandes e a sua esposa, dona Mocinha. O objetivo era prosear, passar um dia naquela comunidade quase totalmente isolada da cidade. De repente, pegando a viola, chamando os filhos com outros instrumentos, tem início a cantoria da Congada. Foi a melhor coisa daquele dia: o alicerce da nossa amizade, da estima que eu tenho àquele pessoal até hoje.  Hoje faço questão de reproduzir a letra que recolhi deles há trinta anos.
1ª Introdução: Mestre: Bendito louvado seja/
                             Contramestre: Ai louvada Santa Maria/              
                             Mestre: Aqui no mundo é tão escuro/
                             Contramestre: E lá no céu tão claro o dia.

Bendito louvado seja, ai meu Deus/
Nessa hora consagrada, ai meu Deus/
Com a bandeira na frente, ai meu Deus/
Vamos fazer a chegada, ai meu Deus.

2ª Introdução: Mestre: Aaaiiiiiêêêê com Deus/
                             Contramestre: Virgem Maria/
                             Mestre: Nossa Senhora é nossa guia/
                             Contramestre: Jesus – Maria.

Nós temos por devoção em todo lugar que andar/
De beijar São Benedito e as imagens do altar/
E a Senhora Aparecida/
A padroeira de Guará.

1ª Introdução: (..............)

Senhora dona da casa, ai, ai/
A senhora prometeu, ai, ai/
Senhora, faça o favor, ai, ai/
De guardar nossa bandeira, ai, ai.

2ª Introdução: (.............)

Ó todas imagens, ai licença nos dá/
Pra companhia sair na rua pra nós manejar.

1ª Introdução: (.............)

Oi, dá licença, minha guia, dá licença/
Dá licença pra enfeitar a companhia/
Apanha nove rosas, apanha nove cravos/
É pra ficar bonito/
É pra enfeitar São Benedito.

2ª Introdução: (...............)

Adeus senhores, adeus senhoras/
A companhia já vai embora.

1ª Introdução: (................)

Hoje vi correr uma estrela lá do lado do Oriente/
São Benedito é quem lhe pague o trabalho de seu servente/
Vamos adorar com alegria/
Dona da casa que tratou da companhia.