sexta-feira, 30 de março de 2012

A BICA

Antes as bicas traziam águas dos rios, hoje...
               

                Eu já contei em outra ocasião da bica d’água que vinha de uma pedra, do morro até a porta da cozinha da vovó Eugênia, percorrendo mais de cinquenta metros em calhas segmentadas de bambu gigante rachado ao meio, sustentados por forquilhas de bastoeiros (que brotavam e pareciam cabeças verdes alinhadas). De vez em quando os segmentos eram trocados (porque apodreciam depois de conduzir dia e noite tão valiosa água).

                O meu tio Tião, em ocasiões assim, era o responsável pela reposição. Era serviço rápido: passava a mão num facão, ia até a grota e logo aparecia com os pedaços de bonitos gomos retos de até cinco metros de comprimento. No rachador de lenha, um machado e alguns ponteiros abriam ao meio o bambu. Em seguida, com uma enxó adequada, a canaleta era desbastada, ficava inteiriça. E lá ia o titio com as peças prontas, ferramentas e linha. Logo tinha uma ou mais partes novinhas, destoando das escurecidas e limosas que resistiam. E a água continuava o seu caminho e o seu serviço.

                Certa vez, quando eu já estava ajudando em algumas coisas, acompanhei o tio Tião nessa tarefa. Foi depois de estar tudo preparado para ser sustentado sobre o mato e o terreno irregular que eu escutei dele isto:

                “Preste atenção, Zezinho, para entender o que eu vou contar: tem bambu desses aí que dura mais de dez anos. Basta escolher bem, ver o mais maduro, bem duro. Também não pode deixar ajuntar limo que transborde a calha. Teve uma vez que, num desses assim, com mais de dez gomos, aconteceu uma coisa impressionante: um gomo do meio se destacou dos dois lados; a calha foi interrompida, mas continuou apoiada nas forquilhas. E sabe o que aconteceu? A água estava tão acostumada que continuou correndo direitinho assim mesmo, passando direto no vão, sem cair.  Sabe por quê? Porque ela já corria por ali há bastante tempo!”.

                Eu ainda pensei um pouco, imaginei a cena; logo caí na risada. Era muita criatividade!

                Demorou ainda certo tempo para a chegada dos canos plásticos e das caixas d’água de amianto. Chegou o progresso: a água secou porque uma estrada e muitas casas tomaram o espaço.

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