quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

ASSIM É QUE SE FALA!

         
Morro do Donato - Prainha do Bonete (Arquivo JRS)
 

           O meu amigo Jorge Ivam, autor de texto Morar em Ubatuba, o mais visitado no blog, conversando com o Luiz a respeito da vida nessa realidade de litoral paulista, nos repassa esta lição de sabedoria. É preciso lembrar que quem sente saudade da realidade dos grandes centros, do ritmo atormentado da produção e consumo a qualquer custo, jamais vai perceber os estragos que está causando à nossa cidade, sobretudo ao meio ambiente que nos circunda. Grato pela lição. Abraços aos dois amigos que tanto defendem Ubatuba.
           

           Olá, Zé, 


         Ontem meu vizinho Luiz comentou que, em seu local de trabalho, há algumas pessoas que vieram da capital e criticam muito o nosso ritmo de viver. Um dia, irritado com isso, Luiz lhes disse: "Vocês sofrem porque querem adaptar Ubatuba a vocês em vez de se adaptarem à Ubatuba". Ele está certo. Um abraço. 

sábado, 15 de fevereiro de 2014

AOS NOVOS UBATUBENSES (I)

Avenida Iperoig - Ubatuba - 1972 (Arquivo JRS)


      Acordei pensando nas muitas pessoas que vieram morar em Ubatuba atraídos pelas atividades advindas com o turismo. “O nosso lugar cresceu”. É a luta pela sobrevivência que faz tantos deixarem suas terras para tentar a vida em outros lugares. Porém...não faz mal conhecer a história do lugar em que agora estamos, saber que, oficialmente, Jordão Homem da Costa foi o primeiro estranho neste chão de Iperoig. Enfim, uma adaptação cultural se faz necessário ao migrante que se desligou de seu torrão natal. Estava certo quem disse que “toda pessoa que passa por nossa vida leva um pouco de nós e deixa um pouco de si mesmo”.
 
     Lendo a tese de doutoramento do Olympio [Corrêa de Mendonça], de 1978, cujo título é O léxico do falar caiçara de  Ubatumirim, encontrei o seguinte:

       É fato notório que o sobrenome de muitas famílias antigas e representativas de Ubatuba é de origem francesa. Há os:
   “Bourget, Richer, Paviol, Giraud, Vigneron, Robillard Marigny, Charleaux e outros. Ignoramos se se trata de descendentes dos colonos franceses trazidos pelas diferentes companhias exploradoras de madeiras do litoral, entre estas a Compagnie Française de Bois Exotiques, ou de marujos de alguma fragata de piratas, naufragada nas costas de Ubatumirim. O fato é que, lá pela serra acima...há nome genuinamente gaulês, provenientes do surto da beira-mar”.

      Na região de Ubatumirim, encontramos apenas o nome de uma família francesa [Patural], cuja vinda para a região se fez ainda neste século e não chegou a se aculturar com os naturais. Os demais nomes são todos portugueses, com um ou outro sobrenome, talvez, espanhol, como Peres e Fernandes. Todavia encontra-se, aqui, muitas pessoas de pele e olhos claros, que fazem lembrar o europeu, mas não especificamente o português. Há, ainda, o musculoso mestiço índio, de olhos amendoados e tez bronzeada, cujo porte e força física causam admiração aos visitantes. A presença tamoia na região dispensa comentários.

   Apesar desses fatores esparsos de povoamento, a colonização organizada só se faz a partir de 1600, sendo donatária da Capitania de São Vicente, a Condessa de Vimiero e sendo o governador do Rio de Janeiro, Salvador Correia de Sá, quando Jordão Homem Albernaz, ou Jordão Homem da Costa estabeleceu-se com sua família e agregados na região onde hoje existe a cidade de Ubatuba. Não poucas vezes foram assediados pelos tamoios e seus associados franceses. Serviram de fortaleza para defesa de São Vicente e Piratininga.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

PESCADOR E CAMINHONEIRO


O meu estimado compadre Nilo Cabral (Arquivo JRS)

Assim eu defino o meu compadre Nilo Cabral, casado com a Luzita, prima distante da mamãe; gente da Fortaleza! Foi dirigindo um caminhão que eu o conheci em 1970, no Perequê-mirim. Mais tarde, em boas prosas no jundu, fiquei sabendo de seu passado na pesca, de quanta influência teve o pai Pedro Cabral.
Dia desses, em visita ao querido compadre que se recupera de uma doença, especulei mais detalhes da comunidade caiçara na Praia do Perequê-mirim. “Quando eu  era bem dizer criança, pouco antes de 1950...”. Prosa boa com o meu compadre!

“O meu pai, conforme o compadre já sabe, era Pedro Cabral Barbosa. Era pescador, mas também tinha roça no sertão [do Perequê]. Fazia farinha de mandioca no lugar onde hoje é a casa do Álvaro e da Jurema, minha irmã. Para levar os produtos e vender em outros lugares, tinha uma canoa grande. Itagino Barreto, que também morava na praia, mais para o canto direito, era um dos remadores que sempre trabalhava com o meu velho pai. Porém, de vez em quando, tinha uma preguiça danada. Lembro-me de uma vez que, tendo carregada a canoa com uma grande quantidade de produtos a ser entregue em Caraguatatuba, o velho pediu para que eu fosse chamar o Itagino. “Diga pra ser ligeiro. Tá na hora de partir”. Chegando em sua casa, ele, assim que saiu no terreiro, foi logo dizendo que não estava bem, que não poderia ir trabalhar naquele dia.  Voltei e transmiti ao meu pai a situação. Na hora ele exclamou: “Ele tá é com preguiça de remar hoje! E agora? Não tem problema. Eu vou assim mesmo”. E ele terminou de rolar a canoa até a água.                Levando a canoa mar adentro, lá se foi ele sozinho, conduzindo a pesada canoa até a cidade vizinha. Era novo e nunca deixava de cumprir um compromisso. “É freguesia garantida. Estão esperando as minhas mercadorias”. A valência era que sempre tinha vento favorável para a embarcação correr bem no traquete.
Ai que saudade! O papai era mestre canoeiro! E dos bons!”.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

GOIABADA CASCÃO (II)

Aceita um coquinho azedo, de tucum? (Arquivo JRS)


     - Mãe, o que é goiabada cascão?
   - Não sei, menino. Não deve ser coisa boa porque cascão lembra crosta de sujeira. Só sei que goiabada é coisa boa demais!

   Assim, graças a uma letra de música, eu persegui a tal de goiabada cascão. Não demorou muito para eu começar a entender outras partes da música, saber o que é boia-fria e outras coisas. Era tempo de censura, de não se falar muito sobre a política do meu país. Quem mandava era o poder militar. 

         Para fazer frente aos desmandos dos militares, logo surgiram grupos guerrilheiros. O objetivo maior era implantar outro modelo de governo. 

   Mas...o que tem o universo caiçara a ver com isso? Tem muita coisa! Eu sei de quase nada!

   Parece que foi ontem, mas já se passaram quarenta anos desde que o velho Bermiro, da Praia do Perequê-mirim, me contou o seguinte:

   “Essas coisas que o Idílio, o seu pai e outros conversam a respeito do governo é perigoso. Tem gente que mata e morre por isso. Ninguém me garante que não haja gente rondando por aqui, escutando e marcando quem não está contente com a situação. Eu mesmo já vi coisa séria nesta praia. Tá vendo a casa ali, que o Cride cuida? É de um professor barbudo de São Paulo. Pois é, no mês de dezembro de 1968, assim que começou a temporada, veio um grupo de rapazes e algumas moças e ficaram por aqui quase uma semana. Dizem até que foram no sertão treinar tiros. O Bráz confirma isso. Pouco tempo depois, no rádio, num noticiário da Tupi, eu escutei que eram jovens armados, chamados de guerrilheiros, que aprisionaram uma pessoa importante no Rio de Janeiro, 'peixe grande' dos Estados Unidos. Será que estava nesse meio alguns desses jovens que ficaram naquele tempo por aqui?”.

   No momento, lendo o livro Pedro e os lobos, de João Roberto Laque, me veio a imagem do velho caiçara e a prosa daquele tempo. Eu era adolescente, mas já me interessava por outras coisas. Acho que a mamãe estava certa ao me chamar de "cabeça de tinhanga, intiqueiro" (que sempre intriga com alguma coisa). Eis a informação na obra:

    Dez de dezembro. Duas dezenas de militantes da Vanguarda Popular Revolucionária estão na praia do Perequê-mirim - litoral norte de São Paulo - para a realização de um novo congresso.
   Depois de fazer uma análise da situação política nacional e internacional, a direção traça a tática de luta a ser adotada daqui para frente. E a discussão maior se dá diante da posição apresentada por João Quartim e seu grupo, que defendem um recuo tático em relação às ações armadas.

  Continuando a leitura, soube que, por tal postura, João Quartim acabou sendo expulso da organização. 

    Passada a fase da goiabada cascão, eu prefiro encerrar com a fala do seo Bermiro: 

   “Acho que aquele pessoal era gente boa. Até vendi um balaio de goetes pra eles!”

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

NOVOS CAIÇARAS

        
Mamãe contando um causo (Arquivo JRS)

        Antigamente, morando entre a roça e o mar, a vida era mais fácil de ser levada. Depois, as coisas foram mudando: as crianças precisavam estudar para enfrentar outro mundo, onde as técnicas tradicionais pouco valiam. Por isso nossos pais se preocuparam em estar mais perto dos recursos, dos livros e da escola. Onde morávamos já não tinha como continuar a instrução das crianças. As mudanças para se aproximar da cidade se tornaram inevitáveis.
   A leitura foi o grande diferencial em nossa casa. Começamos pelos gibis do Topo Gigio, da Bolota,  do Zé Carioca. Lemos as fotonovelas encantadoras. Depois vieram os autores clássicos e os modernos. Muito aprendemos naquelas horas sob luz quase sempre deficiente, fraca. Na claridade do dia, líamos estendidos pelas esteiras de taboa.
   Passou o ginásio, passou o colegial, veio a faculdade. No ponto de sairmos de Ubatuba para estudar na capital paulista, mamãe aceitou. Porém, na primeira carta enviada escreveu: “Infelizmente eu não posso criar vocês sempre em volta de mim, tal como uma galinha cria os pintinhos. Sejam felizes nos estudos e no trabalho. Tenham sempre muito juízo”. Como era preocupada a dona Laurentina!
   A filharada foi se casando. Vieram as novas crianças. Cresceram no mesmo ritmo de leitura e estudo. A nossa sala de leitura a cada período de férias sempre encanta: cada um se espalha por onde quer. Se debruçam nas obras. Parada obrigatória só para lanche. Depois ainda emprestam livros para continuar a leitura em suas casas. 
   A cidade de Ubatuba ficou pequena. Mônica foi para a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Joseana também foi para a USP, mas em São Carlos, para cursar Física. Depois foi a vez da Paula entrar no curso de Nutrição (USP -SP) e da Carla ir para a distante Ilha Solteira estudar Engenharia Civil na Universidade Estadual Paulista (UNESP). Agora, chegou a vez do Victor. Foi aprovado para o curso de Arquitetura na FAU (USP). Parabéns a eles!
      Logo chega a vez da Maria Eugênia, do Estevan, do Régis. Depois despontará a Gabriela, o Pedrinho e quem mais vier. Se estivesse viva, a dona Laurentina sempre aproveitaria a ocasião para recomendar: “Vê se telefona para as crianças; pergunta se não precisam de nada, se tá tudo bem...”