sábado, 31 de julho de 2021

UM DOCUMENTO

 

Aqui morava Tupinambá (Arte no muro)

     Depois da victoria de 20 de Janeiro de 1567, no Rio de Janeiro, onde Mem de Sá derrotou completamente os corsarios francezes e os Tamoyos, o que permitiu fundar-se a cidade de S. Sebastião, tal perseguição soffreram os Tamoyos, indomaveis inimigos, que desappareceram pelas brenhas, levando filhos e mulheres, abandonando as aldeias da costa, e nunca mais se soube de tão guerreira gente.

    No seculo XVII, sendo donataria da Capitania de S. Vicente a condessa de Vimieiro e sendo governador do Rio de Janeiro Salvador Correia de Sá, pessoa importante do Rio de Janeiro, Jordão Homem Albernaz, natural da ilha Terceira, veio com sua familia e adherentes estabelecer-se em Ubatuba, dando origem á actual cidade no ano de 1600, segundo afirma o genealogista Pedro Taques.

   Homem Albernaz, levantando uma Capella, sob a invocação da Exaltação de Santa Cruz, fez estender o nome á povoação.

   Os primeiros que obtiveram sesmarias n'este logar foram o capitão Gonçalo Correia de Sá e seu irmão Martim de Sá e os filhos d'este Salvador Correia de Sá e seu irmão Arthur de Sá; Belchior Cerqueira, Miguel Pires Isasa, Antonio de Lucena e outros, nos annos de 1610 e 1611.

  A 9 de Dezembro de 1610 pediram e obtiveram Innocencio de Unhate e Miguel Gonçalves a concessão das terras do actual municipio de Ubatuba, comprehendidas entre os rios Marajaimirendiba e o rio Ubatyba, sendo tres leguas em quadra com todas as entradas e sahidas, conforme se encontra no livro 3º de registro das sesmarias, existente no cartorio da Thesouraria da Fazenda, em S. Paulo.

  A 28 de Outubro de 1638, foi Ubatuba creada villa por provisão do governadro Correia de Sá e Benevides.

  Pouco antes de 1728 fora erigida canonicamente em freguezia, datando desse anno o compromisso por que se rege ainda hoje a Irmandade do Santissimo Sacramento d'esta cidade.

  A 13 de Março de 1855, foi elevada a villa de Ubatuba a cidade, por lei provincial.


(Fonte: Achegas à história do litoral paulista - Vol. I - autor: Félix Guisard Filho, 1940)

sexta-feira, 30 de julho de 2021

BOLAS MURCHAS

 

Arte do Estevan (Arquivo Estevan)

       Eu estava de passagem. Era apenas uma tarde para conhecer o local e escutar a respeito da experiência, da convivência dos idosos naquele local, no Rio da Prata.

      A casa estava localizada no centro da posse. Era um pedaço de terra pequeno, mas com espaço suficiente para o cultivo, a acolhida e os entretenimentos. Em volta dela era a plantação, sobretudo de verduras, todas viçosas, agradáveis de serem olhadas; garantiam o consumo da casa e ainda sobravam para vendas que eram revertidas para a manutenção (as despesas regulares com as pessoas que por ali passavam a derradeira etapa de vida). Pescados e farinha de mandioca eram ofertados por pescadores do entorno. Naquele momento, calculo recorrendo à memória, havia uns vinte homens, todos de avançada idade, mas muito espirituosos, querendo conversar e fazendo brincadeiras que provocavam gostosas gargalhadas.

    No salão, o cômodo maior, onde se reuniam para as prosas, notei um canto com várias bolas de futebol. Talvez fossem usadas para alguma forma de exercício, de atividade física. Notando a minha atenção nelas, o Velho Barrasseca falou: "Estás admirado de ter aqui tantas bolas? Nós envelhecemos, mas ainda jogamos. Logo ali, no terreiro, a gente brinca de vez e sempre. Tem alguns de nós que, mesmo cansados nos corpos, preservam seus talentos, fazem bonitos dribles, chutam com vontade. Prestaste atenção nas bolas murchas? É natural! Com um tanto de velhos destes, como não haver tantas bolas murchas?". Todos caíram na gargalhada. Eu, confesso, demorei um pouco a entender o espírito da fala. Ri atrasado.

      Agora, relatando aquele distante momento, me recordo das faces coradas (tal como as do meu avô José Armiro), algumas bem enrugadas. Marcaram-me os olhos brilhantes, as empolgações nas falas... Enfim, me lembro bem da alegria reinante nos idosos daquele lugar. Hoje, daquilo tudo não restou mais nada além de mato e de uma casa velha. "Tá tudo arruinado", conforme expressão dos antigos caiçaras. Desconfio que as lembranças daquela casa, das atividades, das pessoas que ali conviveram e se envolveram, se foram com suas vidas. 

quinta-feira, 29 de julho de 2021

FAZ FRIO

 

Alguém desabrigado (Arquivo JRS)

         Que alegria ter uma escola (EMEI Professora Maria Alice Leite da Silva) seguindo o blog! A minha saudosa amiga Maria Alice também iria gostar muito das nossas coisas de caiçara! Abraços ao pessoal que faz esta escola.

     "Quando eu aprendi a 'ler' barulhos?". Pois é, acordei pensando nisto. 

   Um zumbido próximo é uma mamangava. Um farfalhar discreto é vento chegando, trazendo frio. Um ronco horrendo é um sem-noção da vizinhança deixando o caminhão ligado para infernizar os arredores. Uns piados alegres são os pardais em busca de comida no terreiro. Um assobio breve repetidamente, como se balançasse, é beija-flor contente com o bebedouro abastecido quase agora pela minha filha. Pancadas ao longe é alguma reforma doméstica. Canto lindo, capaz de me tirar do texto, é sabiá cantando no pé de carambola plantado por mim há mais de duas décadas, que serve de abrigo às ninhadas ano após ano...

     O menino se apaixonou, não vê a hora de estar com sua amada. Seus desenhos são reflexivos e repletos de significados. Agora ele toca um instrumento de corda, cujos acordes me parecem melancólicos. Escuto tudo daqui, de onde escrevo.

     Ouvir o vento, saber que um frio mais intenso vai chegar depois de uma possível chuva... Ouvir os lamentos dos desabrigados, dos abrigados sob árvores e espaços acessíveis ao público, nas beiras de praias... Tomar a atitude de acudi-los porque desta vida não se leva nada. 

    É preferível acreditar ser abençoado nas lembranças do que ser amaldiçoado pelos tempos. Agora, cedo ainda, psiu, não faça barulho porque tem gente dormindo.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

O HOMEM DA JANELA

 

Dito Madalena, eu e a árvore do esquecimento (Arquivo JRS)

   Praia do Perequê-mirim, tempo de escola primária; se aproxima a época do exame no quarto ano. "Na próxima semana nós devemos receber a visita  do inspetor, do senhor Rafael Baldaci. Ele tem o hábito de fazer uma chamada oral para verificar como está o aprendizado de todos. Espero que cada um de vocês faça o melhor. Hoje faremos um ensaio seguindo o costume dele, na forma como ele faz". Era o professor Osmildo Meireles explicando. Hoje ele é morador no Perequê-açu. Queria que nós o orgulhássemos ainda mais.

   Dito e feito. Logo cedo, no esperado dia, levantávamos para receber o inspetor. Não fez rodeio para iniciar a tal prova. Ele e o nosso professor à mesa, diante da lousa, iam chamando um após outro. Era a famosa sabatina. Todos nós, crianças de 10 ou 11 anos, estávamos nervosos como qualquer dia de prova na escola. Próximo deles estava a janela que se abria para o terreiro onde brincávamos no recreio ou nas gincanas e jogos organizados pela escola.

    Depois da Vera Lúcia, filha do Vitorino, da Pedra Branca (Enseada), foi a minha vez. Dez perguntas seriam feitas. Eu estava muito nervoso, respondendo naquele silêncio marcante da sala inteira prestando atenção. Das nove, acertei as nove. Faltava a última. Momento de tensão maior que aquele só em dia de vacinação, quando o Juanito, funcionário da Saúde, estacionava o jipe verde com os apetrechos temidos por nós. A derradeira questão foi de Geografia: "Muito bem, menino! Para fechar com chave de ouro, me diga qual o nome do meridiano que é considerado o marco inicial para a medição das longitudes, que demarca os fusos horários; onde, teoricamente, a Terra se divide entre ocidental e oriental?" 

   Eu sabia a resposta, mas não me lembrava. Era uma palavra estrangeira, o nome de uma cidade da Inglaterra, se não me engano. Mas cadê que o bendito nome se concretizava?! De repente, um vulto aparece na janela, na direção em que eu me esforçava na concentração. Era um homem. Estava pelo lado de fora a nos espreitar. Eu, até hoje, tenho certeza de que não o conhecia, nunca tinha visto e nunca mais o vi. Só sei que ele me "soprou" a resposta apenas movimentado os lábios, sem emitir som algum: "Greenwich".  Em seguida sumiu. Então, me voltando para o inspetor, disse: "Greenwich é a resposta, seo Rafael". "Muito bem! Parabéns!". Suspirei aliviado. A sala inteira parecia bater palmas. O inspetor e o professor Osmildo tinham um sorriso que recompensava toda a aflição sentida. 

    Quem era aquele homem da janela?


(Em tempo: no ano seguinte, já estudando no "Deolindo", conheci o filho do referido inspetor, que tinha o mesmo nome do pai).

terça-feira, 27 de julho de 2021

PUXANDO PELA MEMÓRIA

 

Entardecer na praia (Arquivo JRS)

    O dia, junto com o sol se pondo, vai se findando. Crianças, jovens, adultos e idosos se comprazem no fim da tarde, na água límpida da praia. Agora, depois de passado por tantos caminhos, encontrado e deixado tanta gente, testemunhando avanços e retrocessos, reflito sobre um tantão de coisas e afirmo que muitas delas poderiam ser diferentes, terem seguidos outros rumos.

    Constatando as transformações ambientais, as degradações que parecem ser irreversíveis, digo que elas se intensificaram na minha infância, mas reconheço que eu apenas estava de passagem, não as interrogava e nem questionava os atos dos adultos perante o turismo e suas implicações. Apenas sabia que os visitantes traziam dinheiro e se compraziam com as belezas naturais que fartavam nossas vidas, nossa cultura caiçara. Em nós, nativos, tudo conformava-se em espírito, em joia singular.

    Ninhos de passarinhos, piados de cobras, mariscos, camarões nos rios e no mar, ramas brotando nas roças, farinhadas, cantorias profanas e sagradas, ressacas lavando jundus, pés descalços, cardumes de peixes diversos, canoas grandes e pequenas, causos, histórias... Todas essas coisas nos foi modelando juntamente com os estilos e ideias dos turistas e dos migrantes trabalhadores. Hoje, já tendo eu vivido mais da metade da vida, imagine como me sinto olhando um rio poluído. "Nele me banhei, bebi água... vi tanta gente se  servindo...". E, pelos caminhos, me detendo perante mansões e jardins bem cuidados: "Aqui era a roça do Tião Zacarias. Logo depois quem plantava era o João Firmino. Naquele lugar ficava a casa do João Araújo" etc.

    Ah! Como é a nossa memória! Semelhante a um novelo de fio, sigo puxando uma ponta para escrever ao amanhecer, madrugada ainda.

segunda-feira, 26 de julho de 2021

IDAS E VINDAS PELO MAR

 

Embarque de madeira (Arquivo Roteiro 1951)

     O Roteiro Turístico de 1951 diz que, além das via terrestre, pela serra, vindo por Taubaté, havia a possibilidade de se chegar em Ubatuba pelo mar, em barcos que transportavam cargas e passageiros, com partida de Santos. Era recomendada para quem não tinha pressa e queria desfrutar dos lindos cenários das ilhas, das praias, das montanhas e das tranquilas cidades daquele tempo. O primeiro ponto turístico, localizado na boca da barra de Bertioga, era a Fortaleza de São Tiago, de 1547, onde o alemão Hans Staden estava a serviço quando foi capturado pelos indígenas da etnia Tupinambá. 


    Depois de passar pelas lindas ilhas Monte de Trigo e Toque toque, de fazer uma parada no moderno porto de São Sebastião, era a oportunidade de um merecido pernoite em Ilhabela, com seus "coqueiros que fazem lembrar as famosas ilhas dos Mares do Sul". No dia seguinte, segue a viagem para Ubatuba. Búzios e Vitória, as ilhas mais distantes, se compõem com Tamanduá e outras menores na paisagem. Caraguatatuba é avistada de longe, exceto quando há desembarque rápido. 


     Conforme o trajeto, depois de passar pelas ilhas do Mar Virado e Anchieta, onde ainda funcionava o presídio, dobra-se a Ponta Grossa e... lá está a cidade de Ubatuba!   O desembarque é feito por canoas, na Prainha do Padre, pois não há atracadouro. Os curiosos, sobretudo eles, se postam na pequena localidade esperando as novidades e possíveis trabalhos remunerados pelo comandante do barco e passageiros com suas bagagens. Em seguida, a embarcação se prepara, recebe cargas e novos passageiros, retornando para Santos. Na praia de Iperoig é embarcada a produção devidamente beneficiada ali mesmo, na oficina da Casa do Padre. Outro porto de embarque de madeira, que funcionou por alguns anos, era a Barra da Maranduba. 


    Por iniciativa do padre João (Hans Beil), madeiras do entorno da cidade eram beneficiadas, sobretudo a cacheta abundante nas gamboas próximas da Barra da Lagoa e Itaguá. O missionário alemão tinha uma visão de empreendedor, queria preparar as próprias madeiras a serem usadas nas obras do templo; possibilitar uma fonte de renda para a igreja ao mesmo tempo que oferecia empregos aos caiçaras. Meus tios Antônio e Aristides chegaram a trabalhar cortando essas madeiras. Até os dias atuais está lá, na avenida, a Casa do Padre, com partes do seu estilo alemão preservado. Pertence à Igreja Católica e é alugada para ponto comercial. 

domingo, 25 de julho de 2021

A JAQUEIRA DO TEÓFILO

 

Jaqueira do Teófilo - Saco das Bananas (Arquivo JRS)


Debaixo daquela jaqueira abarrotada, na beira do caminho:

Eu sou tudo isso que vivi e sigo vivendo.


Peixes nadam conforme puxo o fio do novelo da memória;

Pessoas passam, sorriem ou choram mesmo que não existam mais;

No rio encachoeirado pululam viventes de todas as formas;

Um coração infantil se delicia nas festas comunitárias;

Ouvidos me levam até as valas das saracuras a piar;

Vejo infinitas cores desde o sol até o verde bicho-medidor;

Sinto cheiro de ciosa, de tarumã, do pé de jasmim rente da pedra.


O futuro era um vulto.

O que eu poderia divisar naquele instante?


Uma simples gaivota na proa da canoa olhava,

buscava ver  no horizonte as novidades do grande mar.


"Coma aí, rapaz. Tá um mel!". Era Teófilo. Agora não é mais.


sábado, 24 de julho de 2021

UMA VOLTA COM MEU PAI

 

Ponta da Caçandoca, Ilhote do Pontal e Pico do Corcovado (Arquivo JRS)

        Leovigildo Félix dos Santos, meu saudoso pai,  era filho de Estevan Félix dos Santos, do sertão da Caçandoca, e Martinha Zulmira Cabral, da praia do Pulso. Um dia lhe propus uma caminhada pela área da Caçandoca e um esforço para se  recordar dos moradores do seu tempo de criança. Ele topou. Partimos.


      "Vamos lá, meu filho. Agora que descemos o morro do Pulso, eis a nossa Caçandoca. No jundu moravam o Leopoldo Felipe/Maria Galdina [pais do Otávio] e a Bertolina; pela metade da praia era o tio José Félix. No canto, já saindo para a Caçandoquinha era a casa do Manoel Jorge. Um pouco pra cima do jundu, na parte de cima do caminho, moravam Benedito Félix, Olívio Mesquita e Pedro Lourenço. Ali, indo pelo caminho do sertão, a gente encontrava as seguintes moradias: Jerônimo da Matta, Florindo da Matta, Benedito Félix (da Rosalina Félix), Sebastião Eduardo, Domingos Félix, Claudiano, Geraldina, Maria Félix, Sudário Félix, Benedito Domingos Félix, Celestino da Matta, Ana do Dante, José Tomásia de Sá, Ezídio Antunes de Sá, Miquelina Germano, Manoel Eduardo (pai do Antônio Eduardo), Manoel Mesquita, Jonas Mesquita, Helena, Manoel Leonardo Lopes, Manoel Félix e Estevão Marcolino. Depois destes, bem pra lá da Pedra da Anta, era a casa do Emiliano Antunes. Este morava sozinho, sem família. Na sequência do caminho era o Morro da Selinha e depois já estava no Rio da Prata, indo para a Tabatinga". 

       Paramos para descansar na beira do rio, onde era represada a água que saía num canal para movimentar a roda d'água (o moinho) na casa grande da fazenda dos Antunes de Sá. Agora, procurando bem, se avista apenas vestígios. Ali era a posse do finado Francisco Félix, pai do vovô Estevan, onde nasceu o meu pai também.

sexta-feira, 23 de julho de 2021

CAUSO TRISTE ENTRE REMADORES

 

Valeu o nosso encontro na Barra Seca! (Arquivo JRS)


      Ter oportunidade de se encontrar com amigos, com irmãos caiçaras, não tem preço. Ainda mais quando o lugar é de paz, na praia da Barra Seca.  Não demora muito para vir os causos, as histórias que nos envolvem. De cada lado sai alguma coisa. As gargalhadas são sinceras e gostosas, puro prazer. Os mais velhos falam, os mais novos escutam e já seguem com suas contribuições. Essa é a grande família que se formou entre a serra e o mar. De repente um rapaz, Batenguinho, gente do Donato (praia do Bonete) e do João Batengo (praia Grande do Bonete), relembra um causo do tempo mais antigo. Aqui abro um parênteses para dizer que conheci Seo Donato já morando na cidade, trabalhando de jardineiro em casas do centro. Élvio, narrador de corrida de canoa e mestre da dança da fita,  é quem faz a  entrada: "Agora vamos escutar este menino do Bonete. Bom de remo ele é. Acredito que também é bom de causo". Com um sorriso tímido o Batenguinho começa:


   O meu avô Donato nos contava uma história triste, nem sei se cabe aqui agora. Pelo que me lembro, aconteceu com gente lá dos lados da Picinguaba. Quer dizer, foi de lá que saiu o noivo. A noiva era de serra acima, de Catuçaba, de família onde só o pai era de outra religião, era protestante. Quando decidiram se casar, o pai não aceitou que fosse na igreja católica. Por isso se afastou da filha, nem quis conhecer o neto que veio depois.

   Esse homem, contava meu avô, era também caçador. Um dia, véspera de sexta-feira santa, ele participou à esposa que iria caçar. Na verdade, ele estava fazendo aquilo para provocar a mulher, pois ela continuava sendo católica. "Não faça isso, homem. A gente não precisa disso, amanhã eu não como carne e nem preparo. Vai se estragar. Não presta fazer essas coisas na Semana Santa. Não vá matar os bichos". Ele deu uma gargalhada, de tipo assim do Élvio. Preparou a espingarda, saiu acompanhado por dois cachorros bons de correr paca. No entardecer, uma surpresa boa: a filha, o genro e o neto chegaram para um fim de semana. Vinham para se reconciliar com o pai. A mãe, coitada, só rezava pelo esposo. Foi quando a filha revelou o que sonhara no começo da semana: "Acordei assustada porque no meu sonho papai enfrentava uma onça bem grande, que não tinha medo dos cachorros. No fim, ele estava estirado numa grota e os cachorros também.  Acreditei que era um aviso. Por isso viemos logo". Anoiteceu na serra. A essa altura todo mundo já estava rezando e chorando. No dia seguinte, os vizinhos mais de perto já sabiam e se organizaram na busca do homem que tinha ido caçar. Era sexta-feira santa. Não precisaram ir muito longe. No Purubinha, perto da margem do rio Paraibuna, estava o corpo alanhado, sem vida. Os cachorros também se encontravam em igual estado, como a filha havia sonhado. Em toda época de Semana Santa, no terreiro da nossa casa, nós escutávamos esta e outras histórias. Servia de alerta para não contrariar essas coisas de religião.


   No final, ainda no silêncio pela história, o Higino arrematou: "Mas remar pode, minha gente! Não tem religião que proíba isso! É hoje é domingo da ressurreição. Viva os remadores!". E todos responderam ao patriarca da comunidade: "Viva!".

quinta-feira, 22 de julho de 2021

SERMÃO DAS AVES (III)

 

Aves em festa (Arquivo JRS)

Aves como inspiração (Arquivo JRS)

       Alguém passou e disse, vendo eu arrancar capins da beirada da calçada: "Tá com coragem, amigo! Por que você não espalha mata-mato aí, por toda extensão?". Respondi que não precisava e que eu não concordava com tal prática.

      Mata-mato é um líquido, um veneno que se borrifa para exterminar mato. É recorrente seu uso no deserto verde, onde nada pode competir com a monocultura. Depois de o produto ser aplicado, tudo seca. O que vai acontecer com as aves que ciscarão por ali, que comerão resíduos daquilo? E as minhocas e demais seres que fazem parte da terra, que compõem a sua dinâmica? Creio que essas práticas são criminosas. Aquelas rolinhas, aqueles bicos-de-lacre, aqueles canários e tantos outros passarinhos que buscam nosso espaço (um lote comum, com mais da metade construído) como lugar agradável, sem perigos e com alimentos, devem continuar assim, bem vivos; nos manterem contentes por vê-los e ouvi-los. Acompanhemos Rubem Alves continuando o assunto no deserto verde. (Lembrando que ele morava próximo da grande região canavieira, junto da cidade de Campinas).


      Deserto verde. Ideia verde. Verde é a cor que desde tempos imemoriais se associou ao oásis, à sombra, à água, á fruta. Onde está o verde, ali está a vida. Desertos, lugares de morte, eram vermelhos e amarelos. Não mais. As plantações de cana. Que vida dura e teimosa se atreverá a viver no seu meio? Talvez as formigas... E é assim, com todos aqueles campos verdes e belos, a perder de vista. Vão-se a flora e fauna, aquela vida que a natureza levou milhões de anos para produzir. Definitivamente. Que inseto conseguirá sobreviver em meio a tantas pesticidas? E que semente de capim ou frutinha silvestre permanecerá para ser comida?

    Poderão me acusar de sonhador romântico. Perder tempo com passarinhos, quando há tantas contas a pagar... [...] Mas, não é só romantismo. É instinto de sobrevivência. Os pássaros, no seu retorno, nos dizem que algo irremediável está sendo feito aos nossos próprios corpos. Sermão silencioso sobre a vida em fuga, em busca de um lugar...


   No presente momento político, com autorização para compra e uso de centenas de produtos já condenados por seus riscos em países mais avançados, cabe a nós brasileiros tomar posição em favor da vida. Os riscos são para nós, mas são, primeiramente, aos outros seres mais frágeis, que tanta importância têm na grande teia alimentar do planeta. Assim, observemos os pássaros para entender o que eles nos dizem.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

SERMÃO DAS AVES (II)

 





Tangará e outros passarinhos pelos muros da cidade (Arquivo JRS)

      Andando pelas ruas da cidade de Ubatuba, você poderá se deparar com lindas imagens de vários motivos, diferentes estilos etc. Mas o que mais me atrai são as aves. Não me canso de olhar a beleza delas nas matas e no talento de quem as pintou. Trazê-las para os nossos olhos, enfeitar nossos logradouros com o colorido das aves é uma ótima ideia. Parabéns ao pessoal que faz essas obras de artes! Parabéns aos patrocinadores!

      Dando continuidade ao Sermão das Aves, de Rubem Alves, somos levados a pensar nos possíveis motivos do retorno das aves às cidades. Vale a pena abrir a alma para a reflexão.

     Tantas provas da volta dos pássaros me fizeram pensar numa possível conspiração das aves, algo parecido com o filme de Hitchcock. Mas o sobressalto teve curta duração, porque nada de suspeito ou de subversivo pude perceber quer no seu comportamento, quer nas suas ideologias trinadas... E me alegrei imaginando que, talvez, por razões que a minha razão desconhece, tivéssemos experimentado um milagre de renovação. Ah! Faz tempo que os pássaros nos abandonaram. Lembrei-me de um livro que li faz anos, título esquecido. Me recordo que, num submarino, eles mantinham um canário engaiolado. Não por amor ao bichinho, mas por amor à própria vida. É que quando o oxigênio ia acabando, o passarinho era o primeiro a morrer. Sinal de que faltava pouco tempo. Pois é. Nossos pássaros abandonaram, espantados, as nossas cidades. Antes de morrerem. Para não morrerem. Emigraram para lugares distantes onde a vida ainda morava. Os pastos que restavam. As poucas matas que haviam sobrado. E nos deixaram sozinhos, no submarino condenado. Sua ausência era coisa triste, lamento, canção fúnebre, sermão sem palavras. Mas, agora voltavam... Quem sabe a esperança estava renascendo... E me alegrei. Até que um amigo mais entendido dessas coisas me disse: 
       - Não é nada disso. Estão fugindo dos campos. Estão cobertos de mortes. Herbicidas, inseticidas, desfoliantes, fertilizantes...

    Aí entendi o sermão que as rolinhas, os bem-te-vis, as coleirinhas e as curruíras estavam pregando. "O terror vem, o terror vem... Os campos são desertos verdes..."



    

terça-feira, 20 de julho de 2021

SERMÃO DAS AVES (I)

 

Tiribas no açaizeiro (Arquivo JRS)

Macho da saíra verde (Arquivo JRS)


Rolinha no ninho (Arquivo JRS)


Pintamam buscando refeição (Arquivo JRS)

    Olho umas imagens de passarinhos feitas no nosso pequeno espaço, num bairro bem populoso de Ubatuba. Faz parte do meu dia amanhecer ouvindo passarinhos. Alguns estão perto, no nosso terreiro; outros falam do morro. Apuro a audição, além dos barulhos próximos e reconheço a inconfundível araponga. Outro diferente, parecendo um arranhado em madeira dura e seca, é o tucano. De vez em quando é um nambu emitindo seu sinal gratificante. (É pássaro que há muitos anos não avisto em minhas andanças). No rio que passa perto daqui, sempre me detenho para ver socós e garças. (Penso que, apesar do esgoto jogado nele, tem peixe. Afinal, é disso que vivem estas aves). Agora mesmo ouvi a corruíra mandando uns sinais no corredor, perto das orquídeas: "Deve estar chocando naquele buraco do bloco no muro". Então me recordei que, bem jovem, li um texto de Rubem Alves em torno de passarinhos. Me lembrei do título e fui em busca. Achei! Agora, faço questão de compartilhar o Sermão das Aves.

   Dizem que são Francisco, há oitocentos anos, pregava aos bichos. Naquele tempo isto não atrapalhou. Pelo contrário, até ajudou o seu reconhecimento como santo. Hoje, o resultado teria sido diferente: das alturas da santidade seria rebaixado às humilhações da psicose. Confesso que isto me preocupa um pouco porque, sem haver chegado ao ponto de pregar aos animais, reconheço que alguns dentre eles, especialmente as aves, me têm feito sermões.

    Primeiro foi uma rolinha que vi no terreno do meu vizinho, aqueles olhinhos mansos e assustados, bicando migalhas no cimento. Rolinha desgarrada, eu pensei. Porque elas não são como os pardais, bichos urbanos e progressistas, amigos do tráfego e das construções. Preferem os espaços em que o silêncio permite que o seu arrulho encrespe a sombra, como dizia  Cecília Meireles. Mas eu estava enganado. No dia seguinte ela voltou, decidida, para ficar, acompanhada de parentes e amigos. Parece que a boa notícia se espalhara: agora o cimento era coisa boa para rolinhas...

    Depois foram os bem-te-vis, que começaram a se aboletar nas antenas de televisão, em quantidade cada vez maiores, e de lá cantavam o seu canto sem assunto e gostoso, enchendo o espaço urbano de memória de um passado que se havia perdido. Era como se o tempo do nunca mais voltasse.

   Aí fui ajudar o meu filho numa horta que ele estava plantando num terreno abandonado, e vi coleirinhas, pássaros conhecidos meus da infância, dos quintais de jabuticabeiras e de laranjeiras de Minas gerais, de muitos anos atrás.

   Há poucas semanas, assentado perto de uns vasos de samambaia, na minha casa, vi um minúsculo pássaro baixar voo, pousar num deles, e simplesmente desaparecer no emaranhado das folhas. Era uma corruíra. Sem pedir licença, fizera seu ninho na minha varanda.




  
   
     

segunda-feira, 19 de julho de 2021

AS POSSES ERAM NOSSAS, O CHÃO ERA DE TODOS

 

Praias Caçandoca e Caçandoquinha (Arquivo JRS)

      Tempos atrás, já há alguns anos, bem ali no Buraco do Negro, depois de passar a praia do Pulso, me detive para olhar as duas praias - Caçandoca e Caçandoquinha - de onde é parte da minha família paterna, a gente dos Félix. Fiquei pensando em tantas histórias que resultaram na expulsão dos pobres caiçaras. 


    Tia Astrogilda, da praia do Pulso, contava que "essa gente rica teve apoio de gente nossa, de parente que traiu a comunidade. É o caso do tio Basílio, que Deus o perdoe, que foi vendendo tudo sem ninguém saber. Ele fazia tudo de noite, sabeis? Um belo dia chegou o inglês, marido da dona Vera, mandando a gente sair porque a terra era dele. Mostrou o papel que dizia ser tudo dele. As minhas crianças eram pequenas. Deixamos tudo aquilo. A nossa maior riqueza logo virou loteamento de  rico, onde gente pobre, hoje, tem de passar vigiado por seguranças. Não é triste isto?". Na mesma praia, tia Apolônia e as irmãs se queixavam do irmão delas, com relato parecido com o da tia Astrogilda. Diziam que tio Geraldo, o irmão, assinou em nome delas e da mãe a venda da posse. Por isso tiveram de sair quase que imediatamente. "A nossa casinha era ali, no jundu, perto do rancho de canoa. O nosso irmão fez coisa errada, mas a gente não podia desfazer o negócio dele, fazer ele passar vergonha, dizia a mamãe". 


    Tio Roque, do sertão da Caçandoca, foi um dos últimos a ser enxotado em 1975 por "homens que ameaçavam, chegavam de noite  atirando. Depois depois de colocarem alguns num caminhão de mudança, queimaram as casas. Quando a gente desceu do sertão e passou no Benedito Domingos, no Leocádio, as casas deles já estavam todas queimando. Eles já estavam andando. Pra onde? Não tinha pra onde a gente ir. Nós e o pessoal do Dito da Matta fomos parar no sertão do Perequê-mirim". 


    Os vestígios da fazenda cafeeira de José Antunes de Sá, datada de meados de 1800, teriam de ser apagados. Pés de café e bananais foram destruídos pelos jagunços da Urbanizadora Continental. Por isso também foi ao chão as ruínas da casa grande, tendo suas pedras roladas na gamboa e enterradas com areia dali mesmo. Máquinas trabalharam dias e dias naquele lugar. Era um local onde os ex-escravos e caiçaras tinham muito respeito, faziam cultos e contavam histórias vividas pelos antigos. As posses eram nossas, o chão era de todos.


    Podemos afirmar que foi a especulação imobiliária, vinda com a abertura das estradas na região, que resultou nessas ambições, a esses exageros e crueldades que parecem não caberem em lugares tão bonitos, em praias tão lindas. Espertalhões cooptaram gananciosos e ingênuos, se aproveitaram dos caiçaras que não sabiam ler e escrever e não conheciam as leis. Além do mais, cultivavam a moral cristã de que não podiam contrariar os próprios irmãos. É assim ainda hoje! Quanto de irmãos continuam se aproveitando de irmãos, de heranças que deveriam ser partilhadas igualmente?  Tipo de gente assim teria sido aliada dos especuladores no tempo da minha bisavó Zulmira, do tio Roque e de tantos outros expulsos das praias citadas acima.

domingo, 18 de julho de 2021

VERÔNICA SUMIU NA CERRAÇÃO

 

Flor no caminho - Arquivo JRS


     Ana Joaquina da Rocha Santos era o seu nome. Foi uma religiosa  dedicada, não medindo esforços para servir aos mais pobres da nossa terra. Por isso quase não era vista no centro da cidade, junto às demais freiras. O dia amanhecia, após a primeira oração na comunidade e um rápido café, ela se atracava a um embornal e se ia a serviço de uma causa que descobrira ainda moça. Passava o dia andando, escutando e buscando ser útil com palavras e ações. Os lugares mais afastados eram os que mais atraiam seu coração. Por isso, com a chegada do “Barco do Padre”, cujo nome era Maria Silla, essa religiosa também serviu à missão na porção norte do município de Ubatuba.

     Ana Joaquina da Rocha Santos era o seu nome, mas para o mundo dos crentes acudidos ela era Irmã Verônica, uma missionária no nosso espaço caiçara, nas nossas áreas rurais. “Ah! Então é por isso que você se chama Verônica?”. Era eu perguntando à Verônica, do Sertão da Quina, madrinha da mana Ana. “Isso mesmo! Eu ainda me lembro dela em nossas vidas. Ela dizia que cada praia, cada bairro desta Ubatuba era uma pérola engastada no litoral, a substância deste lugar, precisando sempre de cuidados para não deixar de ser atraente, de perder a sua beleza. Me lembro bem de um dia de inverno, quando este morro se encontrava em cerração porque o sol ainda se encontrava sem forças para espalhar tudo, daqui do terreiro, olhando para baixo, avistei um vulto se aproximando, vindo devagar morro acima. Eu era menina, pequena de tudo. Quem vinha ali, logo cedo? A madre Verônica! Havia chegado um dia antes, pousara na praia,  no Sapê, na casa da Maria Ballio. Assim que o dia clareou, se baldeou para o nosso sertão. A gente correu para pedir a ela as bençãos. Era um alegria para todo mundo poder ver aquela mulher, escutar suas palavras e aprender sempre algo que nos valia em nossa vida de pobres. Aquele dia foi o dia mais feliz da minha vida. Ainda é! Ela, depois de uma jornada tão atarefada, decidiu ficar em nossa casa, aceitou o pouso oferecido. Eu era grudada a ela; acho que devido à força do nome que herdei daquela santa mulher. Foi a minha oportunidade de poder dormir abraçada a ela naquela noite, sentindo um aroma muito especial em sua simples vestimenta. No dia seguinte, bem cedo mamãe fez o café. Na cerração, do nosso terreiro nos despedimos dela com lágrimas nos olhos. Ela era maravilhosa. Para nossa tristeza, ela foi embora. Seu vulto sumiu na cortina esbranquiçada de mais uma manhã fria. Depois disso, uma complicação em seu coração nos levou aquela que tanto nos ajudou. Aquela imagem, dela sumindo morro abaixo no nevoeiro, foi a última que tenho dela, da Irmã Verônica”.

sábado, 17 de julho de 2021

A CAIÇARA É NOSSA VIDA

Gente que toca, dança e faz  arte - Arquivo JRS

Essa gente,

minha gente.


Esse mar de um lado, 

essa mata no outro.


Lá longe outras terras,

de onde outros povos nesta aportaram.

Povos? Povos!


Diversidades aqui se ajuntaram

e resultaram nessa caiçarada.


Cada etnia,

de lugares tão diferentes,

se somando aos indígenas,

resultaram neste caldo: a nossa cultura.


Na caiçara  natural, entre mar e mata,

se fez nossa gente.


Essa caiçara nos gerou

e essa caiçara precisa ser defendida.

É a cerca da nossa vida!

sexta-feira, 16 de julho de 2021

A CADEIRA ONDE CRISTO SE ASSENTOU

 

Casal de foliões (Arquivo K. Setti)

      Impressionante como sagrado e profano estavam caminhando juntos nas cantorias dos antigos caiçaras! Kilza Setti,  cuja obra a respeito da nossa musicalidade em Ubatuba vai de meados da década de 1970 até meados da década seguinte, diz que "para o caiçara não importa misturar, ao sagrado, fatos corriqueiros, nem sequer reservar os poderes do milagre para situações mais graves. Utiliza o sobrenatural sempre que está em dificuldades ou sempre que as soluções se configurem como difíceis, uma vez que ele não separa o sobrenatural do natural, mas antes os vê num processo de inter complementação". Com base em quê a estudiosa afirma isso? Muito fácil, oras! Preste atenção na letra da cantoria.


Eu ofereço este bendito, ai

com palavras de oração, ai

O Rosário e o Espírito Santo, ai

Pra nos dá a salvação, ai


Aí, vô dá um gradecimento, ai

Pra tão boa refeição, ai

Ai, nos deram com prazer, ai

Pra nós e c'os folião, ai


Ai, Jesus perguntou, ai

Ai, quem tratô dos folião, ai

Nossa Senhora respondeu, ai

Vossos filho da benção, ai


Ai, a sua sagrada mesa, ai

O Divino partilhou, ai

No meio tem uma cadeira, ai

Onde Cristo se assentou, ai


Eu agradeço a cozinheira, ai

Trabalhando no fogão, ai

Ai, em louvor dessa bandeira, ai

Ai, em roda dos folião, ai


      É isso! Está no livro Ubatuba nos cantos das praias, da Kilza, publicado em 1985: "Os versos atestam a familiaridade que permite mesclarem-se Deus e os homens: o sagrado e os elementos do cotidiano".

quinta-feira, 15 de julho de 2021

BILHETE DO LOBATO

 

Monteiro Lobato (Arquivo internet - aescotilha.com.br)

     Eu sou de uma geração de livros infantis e de quase nenhum televisor;  de ter aulas até nos dias de sábado na mais recôndita das salas de aulas esparsas por nossas praias e sertões. Me recordo bem de que, nas aulas que antecediam nossos domingos, o tempo era dedicado à leitura e produção de ilustrações a partir do que foi lido. Mesmo que fossem poucos  os livros, havia o básico de nossas autoras e autores nacionais. Lógico que Monteiro Lobato, o escritor taubateano, era o que mais se tecia entre os tão manuseados  pela minha turma. Depois, conforme foram chegando os televisores, mesmo com péssimos sinais de recepção, grande sucesso faziam os capítulos do programa inspirado no referido escritor, o "Sítio do Pica-pau Amarelo". Dias desses, entre as páginas da Idalina, achei uma carta do escritor famoso para a nossa humilde caiçara que, entre a correria para atender bem seus hóspedes no Hotel Ubatuba,  arranjava tempo para escrever suas observações, reflexões, histórias e causos que ia colhendo nas andanças e convivências. Um detalhe: a carta tem data de 07 de abril de 1948, pouquíssimo tempo antes do falecimento de Monteiro Lobato (04 de julho de 1948).


São Paulo, 7 de 4 de 1948

     D. Idalina, boa amiga.

   Recebi antes sua carta, mas com a má notícia do desastre que sofreu seu marido e a boa notícia de que continua valente como sempre no heroísmo sem tréguas, que é a sua vida de trabalho no Hotel. Tenho uma grande admiração pelas mulheres fortes de seu tipo, que se atracam com a vida, como toureiro se atraca com o touro. São para mim as verdadeiras heroínas, muito maiores que as heroínas espetaculares, que ganham fama com um feito qualquer, e passam o resto da vida a dormir sobre os louros. A senhora pertence ao tipo heroína que é 24 horas por dia - o ano inteiro - toda a vida. Diz que encostou os sonhos literários; ótimo; às vezes os sonhos literários encostados ganham em beleza com o repouso e ao serem desencostados surgem mais lindos. Faço votos para que seja este o seu caso.

    Não se incomode em mandar-nos camarões; mesmo sem eles a lembrança que conservamos da senhora é das mais vivas e das mais queridas. Deixe os pobres camarões em paz no oceano... e queira sempre bem ao Monteiro Lobato.

   Fazemos votos para que mesmo privado de uma perna seu marido se sinta conformado e saiba adaptar-se ao unipernismo. Tudo neste mundo é um simples caso de adaptação. Minha residência é  sempre a mesma.

Monteiro Lobato 

Barão de Itapetininga, 93/13º andar.



segunda-feira, 12 de julho de 2021

ENTRE TIJOLOS TEM CIMENTO

 

Entre coisas boas também tem coisas ruins (Arquivo JRS)

    Diz o ditado que "a corda sempre arrebenta do lado mais fraco".  Assim foi com o Dito Gomes, nos idos de 1970: desapareceu da nossa praia por causa de uma situação armada (parecia que alguém desejava o seu lugar como caseiro de um ricaço ou foi pura maldade mesmo).


   Dito Gomes era um caipira trabalhador, pai de quatro crianças pequenas. Ele já estava familiarizado com quase todos da nossa pequena comunidade. De repente, foi acusado de cortar árvores nas terras vizinhas, que não eram do seu patrão. Mas... conforme o meu tio-avô Clemente, "a ordem partiu do ricaço. Só que, prevendo o rumo das coisas, sabendo que poderia lhe render um processo muito sério, o homem de dinheiro foi ardiloso". 


    Tio Clemente, de nossa raiz negra da Ilha do Mar Virado, dizia coisas muito interessantes. É falecido há quatro décadas. Com uma alfabetização básica, tinha uma sabedoria ímpar.  Me lembro bem dele dando um fechamento no caso do Dito Gomes: "O pobre é o elo mais fraco, sempre terá ondas batendo em seus peitos, pelas costas, por cima e por baixo. Quando alguém erra contra pobre, dificilmente irá se desculpar, pedir perdão, assumir a falha cometida. Pelo contrário, ainda é capaz de criar outra versão do ocorrido para escapar do vexame. Na presente situação, ele (o patrão) decidiu escolher uns bobos, divulgou outra versão da história, instaurou a dúvida para se safar da vergonha. Em seguida lhes ofereceu presentes, fez agrados. Desse modo, a história de verdade se tornou mentira e a mentira se fez história verdadeira. Dito foi injuriado por algumas pessoas, teve de se mudar daqui. E quem acreditou nele, como eu e outros, foram considerado suspeitos, mal vistos e mal quistos. Até hoje tem ainda alguns deles que não falam comigo. Eu lá me importo com isso? O que mais vale para mim é estar do lado da verdade, do lado certo".  


    Me lembro sempre de como aquelas palavras do tio Clemente me fez sentir muito mais orgulhoso por tê-lo como parente, de sempre  poder prosear com ele. Depois, de lá para cá, passei a considerar os elos fracos em nosso meio, as perseguições que sofrem. Pior ainda é quando seus algozes são pessoas próximas, "bunda suja como a gente", diria o titio, "que se corrompem, por cobiça ou outra maldade, se deixam embalar em falsas falas, inventadas com propósitos perversos". Uma frase daquele tempo distante não me sai da cabeça: "Não se esqueça, menino, entre tijolos tem cimento. Quando alguém disser alguma coisa, queira saber os motivos, as razões que podem não aparecer num primeiro momento. Proceda assim, sobretudo se enxergar possibilidade de causar sofrimentos para alguém no horizonte mais visível. Não é essa a primeira vez - nem será a última!  - de coisas inventadas para desvirtuar caráter".

    Por todo esse tempo tenho pensado sempre em situações semelhantes, que desvirtuam o caráter de muita gente. É certo que continuam firmes e atuantes as falsas narrativas. E gente boa embarca nelas; podem ser cúmplices contra oprimidos! E há quem chame tal estratégia de "saída honrosa". Honrosa?!? Honroso é reconhecer erros cometidos, se humilhar para ter o perdão do outro, acertar a situação. Mas porque tudo isso me veio agora? É porque a ética do meu querido tio atravessou a história, continua atualíssima.

    


domingo, 11 de julho de 2021

ETNOCONHECIMENTO SE CULTIVA

 

Reencontro com Diegues (Arquivo JRS)

       Em abril de 2003 eu tive a oportunidade de participar, em Iguape, litoral sul do Estado de São Paulo, de um curso por cinco dias, na casa do Diegues. Coisa boa ter acrescentado tantas novidades e tantos aprofundamentos à minha vida. Reencontrá-lo em 2019 e ouvir suas contribuições no nosso 1º Fórum de Saberes Artesanais foi gratificante demais!

      Antônio Carlos Diegues, caiçara da citada cidade, é um importante professor da Universidade de São Paulo, pesquisador de temas relacionados ao nosso ser caiçara e à conservação ambiental, sobretudo da importância do conhecimento e manejo da biodiversidade pelas comunidades tradicionais, ressaltando a relevância em incorporá-los em atividades conservacionistas. 

     Tendo os meus laços quase que inteiramente ligados aos caiçaras, sobretudo aqueles que ainda dependem muito dos recursos naturais, vou me recordando de falas da minha gente diante da poluição assustadora, das ocupações imobiliárias e das punições ambientais descabidas em muitos casos. O que seria desse espaço caiçara sem as interações existenciais que temos desde sempre? 

     Foi em Iguape que tive a oportunidade de me inteirar mais desse assunto de biodiversidade.  Segundo o professor Diegues, ela pode ser definida como a variabilidade entre seres de todas as origens. É uma característica do mundo chamado natural, produzido exclusivamente por este e analisada segundo as categorias classificatórias propostas pelas ciências ou disciplinas científicas, como a botânica, a genética, a biologia etc. 

     As populações tradicionais não só convivem com a diversidade, mas nomeiam e classificam as espécies vivas segundo suas próprias categorias e nomes. Um importante diferença, no entanto, é que essa natureza diversa não é vista necessariamente como selvagem em sua totalidade; ela foi, e é, domesticada, manipulada. Uma outra diferença é que essa diversidade da vida não é vista como "recurso natural", mas  como um conjunto de seres vivos que tem um valor de uso e valor simbólico, integrado numa complexa cosmologia.

    Nesse sentido, pode-se falar numa etnobiodiversidade, isto é, a riqueza da natureza da qual participam os humanos, nomeando-a, classificando-a, domesticando-a, mas de nenhuma maneira nomeando-a selvagem e intocada.

   Pode-se concluir que a biodiversidade pertence tanto ao domínio do natural e do cultural, mas é a cultura como conhecimento que permite que as populações tradicionais possam entendê-la, representá-la mentalmente, manuseá-la e, frequentemente, enriquecê-la. Quem de nós não reconhece que, nas roças e pescarias, muito além da busca pela subsistência, existia um espaço de sociabilidade que solidificou nossos traços culturais, nosso ser caiçara?

      Finalmente, recebendo a informação que 61%  dos trabalhos científicos publicados depois de 1980 incluem informações sobre etnoconhecimento (o saber atrelado à etnia) por parte de populações indígenas e não indígenas, me fortaleço em minhas posições, sobretudo políticas, de ouvir, valorizar e atuar pela cultura caiçara e pelo espaço que a gerou. E, com certeza, não será gente de postura direitista que será aliada nessa empreitada. Por isso é triste ver gente nossa concordar com políticos que estão "passando a boiada", arrasando culturas e destruindo comunidades.


sexta-feira, 9 de julho de 2021

E ELES SE AMAVAM

 

Na parede de uma casa abandonada (Arquivo JRS)

     Eu me lembro que, há muitos anos, comentava com uma amiga sobre pessoas homossexuais. Falei a ela que eu não me lembrava de ouvir, na minha infância, comentários entre caiçaras a respeito de preferências sexuais diferentes das de marido e esposa. Nem notava nada de diferente. Ela respondeu prontamente: "É lógico que tinha! Você é que não enxergava!". Não discordei dela. Concluí que era porque ninguém fazia distinção preconceituosa, com as maldades que hoje vemos estampadas em muitos pessoas e fazendo parte de discursos de ódio até de hipócritas batendo no peito e se dizendo cristãos. Depois, pensando bem, fui me recordando de amigos e amigas que eram homossexuais e viviam bem, sem gracejos ou perseguições por seus modos e suas preferências afetivas. Mario, Maurílio, Neiva, Eliana, Luiz Carlos, Jorge, Aguinaldo... Tudo gente boa, amigos e amigas que promoviam agradáveis prosas e faziam a diferença em nossos momentos pela graça, inteligência e companheirismo comprovados. Estes são alguns nomes que me veem sempre com saudades. Infelizmente a maioria morreu vitimada pela aids, essa doença surgida na década de 1980. 


    Hoje sonhei com Euclides, o motorista de ônibus. Desde que aprendi o conceito, soube que ele é homossexual; há muito tempo está ajuntado com Timóteo, um migrante mineiro. Não tive notícia se casaram-se após a lei de união civil ser aprovada. A verdade é que eles se amam e estão juntos desde o final da década de 1980; vão envelhecendo juntos, mais felizes do que muitos pais e mães, maridos e esposas que conheço. Mas porque estou falando deles aqui? É porque me recordei de uma situação digna de não ser esquecida, de ser rememorada; merecedora de ser dada a conhecer a mais gente e à sociedade que parece estar se modificando para pior, sendo mais preconceituosa e com requintes de maldades. Foi assim: a minha família acabara de se mudar para o bairro da Estufa. Eu embarquei no ônibus e cumprimentei o Euclides. Fazia tempo que ele estava como motorista, era habilidoso, atencioso e vivia recebendo elogios. Nunca soube de algum entrevero, de confusão envolvendo o seu desempenho profissional. No trajeto, quando se aproximava do ponto mais próximo da marcenaria em que o Timóteo trabalhava, uma senhora idosa deu o sinal para descer. Foi aí que eu presenciei o quanto havia de estima entre Euclides e Timóteo. À senhora que, aparentemente, nem amiga era, foi feito um pedido:  "A senhora faz o favor de entregar esta sacola naquela marcenaria ali? É para uma pessoa chamada Timóteo. Eu agradeço muito. Timóteo é o nome dele. Muito obrigado, minha senhora". Ela se surpreendeu, mas demonstrou bastante boa vontade em prestar o favor. Assim que a condução continuou a viagem, ele disse aos mais próximos: "É a marmita do meu companheiro. Quem não gosta de uma comida quentinha?". 

       Confirma um texto considerado sagrado: "E eles se amavam". (Acho que era Paulo, numa carta a outro Timóteo).


       Miserável daquele que não consegue compreender e trabalhar em si mesmo um comportamento presente em muitos seres além de nós, independente de sexo, etnia, credo ou ideologia! 

       Coisa mais fundamental na vida é o amor. Alguém discorda que é o que importa nas múltiplas formas de manifestação afetiva e/ou sexual que o ser humano pode ter? 

quinta-feira, 8 de julho de 2021

PIRACUÍ E CAUIM

    

Hans Staden - capa do livro (Arquivo JRS)

      No livro Duas viagens ao Brasil, o alemão Hans Staden, prisioneiro da etnia Tupinambá, nos conta muita coisa desses nossos parentes que estão na nossa raiz caiçara. A consertada deles era o cauim; a tainha, além de assada, também rendia fartura de piracuí. Babou aí?


     Em dois momentos no ano tínhamos que nos precaver especialmente, pois nessas épocas os selvagens invadem o território de seus inimigos com um ardor especial. 

   Um dos momentos perigosos ocorre em novembro, quando determinados frutos ficam maduros. Esses frutos chama-se, na língua deles, abati, de que se faz uma beberagem denominada cauim. Para a mistura, juntam a eles, também, raiz de mandioca. Assim que chegam em suas casas, vindos de suas buscas como o abati maduro, fazem a beberagem, que acompanha as refeições em que comem seus inimigos, caso tenham capturado algum. Alegram-se durante o ano todo na expectativa da época do abati. 

     Além disso, era preciso estar especialmente alerta em agosto, pois é então que eles pescam determinado tipo de peixe. Esse peixe muda do mar para a água doce das bocas dos rios, com o propósito de desovar. Chama-se, na língua deles, pirati, e os espanhóis lhe dão o nome de liesses. 

     Nessa  época, também costumam levar a cabo expedições de guerra, para juntar maiores provisões de alimentos. Capturam tais peixes com pequenas redes ou abatendo-os com flechas. Muitos desses peixes são levados já assados, mas uma parte deles é usada para fazer uma farinha a que dão o nome de piracuí. 

quarta-feira, 7 de julho de 2021

A ROÇA DA MADALENA

Praias Domingas Dias e Lázaro depois. No último morro morava Madalena (arquivo postal)


     “Logo ali, na subida do morro do Flamengo para a Sete Fontes, depois da grande figueira branca, subindo pela direita era o caminho da tia Madalena. Subindo, subindo, lá no topete do morro, era a sua casa. Tudo em volta era roçado. Outro caminho, mais penoso, saía do canto da Sununga.  Que vista a gente tinha de lá! Se enxergava desde as ilhas até o morro do Corcovado. Todas as praias se avistava dali”. Quem me contou um dia esta história foi o seo Antônio Peres, da praia do Lázaro. “Madalena e Benedita eram irmãs mais velhas da minha mãe Maria. Havia outras que não cheguei a conhecer. Quando saiu a lei que libertou os escravos, muita gente preta ficou ao Deus dará, largada por aí. Precisaram arrumar alguma posse para construir um abrigo, plantar e sobreviver. Então, por esse morro acima, foram se virando. Eu, bem pequeno, era levado pela mamãe nas vezes que ela se bandeava para visitar a irmã dela. Tenho boas lembranças daquele lugar”.

      Como é bom poder escutar histórias assim! Adoro! Pode contar mais, seo Peres.

    “Um dia ficamos lá, na casa da tia Madalena, para dormir. No serão, estando sentados em um toco no terreiro, ela, olhando para o Corcovado, contou a história da mãe do ouro, da luz que deixava o morro da Jacutinga, na Lagoinha, e voava pelas grotas e espigões até chegar na grande pedra e desaparecer nela. Garantia, essa gente antiga que, onde essa luz se escondia havia ouro. Eu já conhecia histórias assim, mas nunca dei muito crédito. A noite chegou e uma fogueira foi acesa. A prosa continuou. De repente, a titia chamou a nossa atenção. Lá longe vinha uma luz pequena por cima de tudo. Aquilo parecia mesmo que tinha saído do morro da Lagoinha. E, você acredita que ela, chegando no paredão do Corcovado, desapareceu? Desde esse dia eu não duvido que alguma coisa diferente tem naquele lugar. No futuro alguém pode se interessar e pesquisar melhor aquilo ali, saber mais daquele lugar”.

    Madalena era tia do meu bisavô João da Barra. Ou seja, tia-avó da vovó Eugênia. As três irmãs e outras mais eram escravas na praia do Lázaro, me afiançou o vigoroso caiçara, morador do jundu, no Lázaro, onde eu fui vendedor de sorvete na pré-adolescência. Há alguns anos esse parente nos deixou, mas a geração dele continua tocando o comércio iniciado por ele. Quando eu era adolescente, chique era ir ao Bar do Peres, sobretudo no carnaval. A praia se tornava pista da folia.

    Um dia, espero, a nossa história será melhor conhecida e estudada. Quem sabe ainda encontraremos sinais da roça da Madalena e de tantas outras pessoas que precisaram se recriar para conseguir viver!?

 


segunda-feira, 5 de julho de 2021

"SANTINHA"

 

Praia do Saco da Ribeira - Ubatuba Arquivo JRS)

    É interessante parar de vez em quando para ler a respeito dos nomes das escolas,  sobretudo das pessoas que mereceram tamanha honraria. 
   Tempos desses, na Escola Estadual Semíramis Prado de Oliveira, no bairro do Saco da Ribeira, me postei diante de um pequeno quadro numa parede. Nele havia uma fotografia muito mal conservada, encabeçando um singelo texto se apagando que se referia à professora que dá nome à escola, a Semíramis (que eu já sabia ser irmã do farmacêutico-escritor Washington de Oliveira, o Seo Filhinho). Fiquei impressionado pela rápida evolução e breve vida dessa professora caiçara. Veja se não é impressionante!

    Semíramis Prado de Oliveira nasceu no centro de Ubatuba no dia 21 de janeiro de 1918. Seus pais: Ernesto Gomes de Oliveira  e Maria Prado Gomes de Oliveira. Estudou o curso primário no único estabelecimento de ensino daquela época na cidade: Grupo Escolar Dr. Esteves da Silva. Depois, seguiu para a Escola Normal Livre “São José”, em Santos. Em 10 de dezembro  de 1932, com 14 anos, recebeu o diploma de habilitação para o magistério  público do Estado de São Paulo. De regresso a Ubatuba, foi  reger a Escola Mista do bairro do Puruba, removendo-se mais tarde para a Escola Mista do Saco da Ribeira, onde lecionou por vários anos. Presa de insidiosa enfermidade, consequências de agruras e desconforto que o meio rural  oferecia naquela época, aposentou-se e foi morar em Campos do Jordão, onde faleceu em 5 de outubro de 1947. Ou seja, a "Santinha", como era conhecida pela família, viveu apenas 29 anos. Triste, né?

domingo, 4 de julho de 2021

NO MEU PAÍS

 

Festa guarani em Ubatuba (Arquivo JRS)


     Bem cedo recebo imagens e mensagens que provam a resistência do nosso povo brasileiro. Me recordo de uma mensagem de Nelson Mandela:  "As mentes que procuram vingança destroem os estados, enquanto as que buscam a reconciliação constroem nações". Reconciliar, em nível mais profundo, é reatar nossos sonhos de amor e de justiça; reconstruir a Nação Brasileira: dar um fim ao discurso de ódio, garantir os direitos dos povos indígenas e a sua territorialidade, fazer a reforma agrária na lei ou na marra para que ninguém mais morra de fome, retomar os direitos dos trabalhadores, possibilitar a realização nossa e de todas as gerações vindouras, fazer deste Brasil um paraíso às minorias e às diversidades culturais, banir o racismo e tantas formas de discriminação, ter respeito e amor ao meio ambiente, se valer dos recursos naturais com racionalidade, cultivar valores democráticos etc. 

     Creio que faz parte dos primeiros passos para um Brasil gigante, que há de vir, entender como um protótipo de ditador conseguiu rebaixar a inteligência de parte do nosso povo, conduzindo à idiotice. Na semana passada, ao ver uma família conhecida se deslocando quilômetros para ir à missa numa paróquia que está distante da sua, quis saber o motivo. E escutei: "Vamos à igreja para rezar e não para escutar padre falando mal do nosso presidente. O padre da nossa paróquia é assim. Por isso procuramos outra". Isto, na minha concepção, além de idiotice é incoerência. Mas, cá entre nós, idiota se importa com coerência ou incoerência?


      Nada melhor do que ir pela poesia do mano Mingo, pensando no Meu País cultivando a paz e a justiça.

Quem ultrapassou a Serra

Não quer voltar ao chão

Quem conheceu o céu

Não se limita à Terra

Quem provou das liberdades

Quer que vá para o inferno

O ditador e suas maldades.

No meu país ideal, aliás,

Fechará a escola superior de guerra

E abrirá a escola superior de paz.