quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

“Não presta apontar estrela!”



                Quem não tem lembranças de céus estrelados e de luas brilhantes? Imagine, então, os tantos espetáculos que os caiçaras presenciaram ao longo dos séculos, seja na pesca, nas praias ou nos deslocamentos noturnos, quando era tempo das caçadas!

                Quantas vezes, olhando o céu estrelado, apontávamos a mais brilhante, as cadentes, as azuis, as amarelas, as avermelhadas etc.! Era em ocasiões assim que pessoas mais experientes ralhavam com a gente: “Não presta apontar estrela com o dedo! Nasce birruga!”.

                Não sei se era verdade, mas as imagens de pessoas verruguentas tinham um poder enorme. Medonho! No mesmo instante, segurávamos as mãos nas costas para conter-se no ato.

                Até hoje, ao olhar um belo céu estrelado, não deixo de lembrar a frase: “Não presta apontar estrela!”.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Aforismos do vovô

Uma visão a partir da trilha da praia das Sete Fontes



                É definido como aforismo : “proposição que exprime de maneira sucinta uma verdade, uma regra ou uma máxima concernente à vida prática”. Para vovô Armiro, conforme a minha classificação, era sabedoria de vida, recurso para tornar a vida mais feliz. Ou melhor, os aforismos eram máximas para vencer o dia a dia da realidade caiçara. Vez  por outra me pego pensando nelas.                Exemplos:

                1- “Quem há de resistir contra a comichão sentir?”;

                2- “A perna que tem coceira, a unha não tem descanso”;

                3- “Banana verde não se dá; põe no  ... pra madurar”;

                4- “Ninguém é de si mesmo”

                Por fim, não sei como o vovô conheceu Dante, o da Divina Comédia. Só sei que ele o citava regularmente em situações cabíveis: “É uma verdade oculta sob belas mentiras”. Difícil era desnudar as suas palavras para ter o real entendimento. Esse era o meu avô vindo de mouro-português e italiana.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Arquivo Maria Cruz - Porto da Cruz – Sapê /Maranduba

Lá longe está a ilha da Vitória.
                 Tenho o prazer de apresentar aos leitores o texto completo da Maria Cruz, de onde extraí uma parte para justificar o texto anterior (Contraponto). A autora, caiçara do Sapê, sempre foi muito engajada nas questões da cultura caiçara e nos problemas da região Sul do município de Ubatuba.
                "Aqui, na praia da Maranduba, Anchieta  também  escrevia  versos de seu famoso Poema á Virgem.  O local, de acordo com a tradição, ficava à direita da cruz, para quem olha para o mar em direção da ilha do Mar Virado. Estando molhada ou seca, é praia  de areia fácil de escrever. Por isso fica fácil crer na tradição.
              No mesmo lugar onde hoje há um cruzeiro como lembrança, centenário  a se perpetuar,   é o  marco da  passagem dele por aquele ponto. Era onde adentrava  no jundu  e tinha seu ponto de pousada por ali mesmo, na mesma direção do cruzeiro. Foi onde ele montou  seu pousio. No mesmo lugar rezava a missa cotidiana e obrigatória de sua fé.
                Na vivência e lembrança dos antigos caiçaras, o primeiro cruzeiro foi erguido pelo padre jesuíta que eles nem sabiam quem era.  Eis a informação que recebemos da tradição e mantemos até hoje:  “era um padre que escrevia  nas areias da praia”.
                Seguindo a fé e religião de seus antepassados, o  cruzeiro foi sempre preservado ou novamente reconstruído, continuando, ainda, como um marco do acontecido, de uma história já esmaecida no tempo.
               O repouso do padre, certamente uma palhoça de pau a pique, era ali. Portanto, também seu oratório, onde rezava sua missa cotidiana obrigatória naqueles tempos, sob aquele chão se assentava.
                Depois, uma capelinha foi erguida no lugar onde souberam existir as rezas do padre. Passou a ser o lugar sagrado, onde  aconteciam as rezas do povoado, as festas de seus santos, as ladainhas cantadas em latim pelos mais velhos.
                De onde viera aquele latim, evocado  na lembrança dos que vieram; depois passado a seus descendentes, principalmente aos Amorim que eram rezadores?
                Um desmatado terreiro ao redor da capelinha, dava espaço ao povo que vinha às rezas  daquela época.  Aquele mesmo espaço, livre de mato que circundava a capelinha, continua hoje  com o nome de Praça  Santa Cruz.  Em seu lugar está instalado o ponto de ônibus,  no centro comercial  do Sapé.
                Igualmente,  a capela atual , embora em outro local (explicaremos o porquê),  como a  primeira , continua com a denominação de Capela de Santa Cruz do Sapê. Os caiçaras centenários moravam  todos na planície.
                No Porto da Cruz, lado norte do cruzeiro fica o Sapê, moravam as famílias: Oliveira,  Amorim, Carlota e outras mais. Ao  sul, a alguns metros  além da cruz,  ia-se para a Barra. Era onde morava D. Judite, que ficou com o que era do finado Chico Amorim.
                Depois do rio Maranduba, ficavam outras famílias: dos Félix (Rosalina), Tabatinga , depois seu filho Alcides,  Apolinário, os Amorim (que era uma familia grande),  assim como os Oliveira, que tinham ramos por todo o espaço da Baía do Mar Virado e até além dela.
Limites de Sapé e Maranduba 
               A fazenda Brejain Mirinduba, que tinha sua sede, segundo  diziam os antigos,  aos pés do morro da Maranduba, se estendia por uma grande extensão de terras, tendo  como  divisa,  o terreno dos Oliveira, ao Norte, porque estes tinham título de sua propriedade.  Esta fazenda foi a leilão no Rio de Janeiro, onde alguns turcos a arremataram e, mais tarde,  implantaram  um loteamento, o Balneário Maranduba, passando então, todo este espaço que fazia divisa com os Oliveira, a ser chamado Maranduba, desaparecendo o termo Barra como denominação de lugar conhecido  antes do Rio Grande. Ainda hoje existe a casa grande do armazém da família Francisco Amorim, que era homem de muitas posses, pessoa importante naquela época,  que fazia parte da elite do município de Ubatuba, onde eram influentes na política local, tendo sido um deles, prefeito da cidade, segundo sua filha Estefania,  que morou seus últimos anos  de vida , há pouco tempo, na Maranduba.
                Antigamente e até  o meu tempo de criança,  quando alguém queria ia para o lado do sul, dizia “Vou à Barra”. E sabíamos que  ia para o lado do sul , ou,   além do Rio Grande,  na Maranduba. 
                O rio não era conhecido por Rio Maranduba  mas  sim,  Rio Grande, desde sua nascente no Sertão do Damião, hoje Sertão do Meio, cachoeira da Renata. Na época de Damião, conhecia -se o rio, além da casa do mesmo , como um lugar de “encante” que tinha ouro, nas redondezas do Poço Verde. Naquele tempo havia assombrações. O morro do Foge que praticamente separa o sertão da praia,era mal assombrado. Talvez por isto, na época da aparição da Santa, no Sertão da Quina, muitos sacis apareceram por aquelas bandas e acompanhavam a procissão pelo mato e deixando-se serem vistos, eram mortos pela população a pauladas. Agora as coisas mudaram.  Por causa do loteamento a Maranduba virou nome principal, engolindo a Barra e quase também o Sapê.
                As pessoas de um determinado tempo para cá, que  não conhecerem a história do lugar, mudaram até o nome do rio que hoje é conhecido por Rio Maranduba.
                Quando criança, íamos todas as tardes de verão, tomar banho no Rio Grande, aqui próximo, num lugar chamado passagem do Zacarias, mais ou menos próximo a bifurcação da rua que adentra ao loteamento Maranduba. Hoje este nome não existe mais, somente os mais antigos o sabem.

 Sobre a mudança da igreja
                Caiçaras antigos , tinham uma grande área de terra no Sapé, pertencente à família Oliveira, representado por Nestor Zózimo de Oliveira e seus outros parentes. Um deles, Jonas , seu  sobrinho, vendeu um pedaço desta terra para o Sr. João Pimenta, atrás do terreno onde ficava a igrejinha. Aquele tempo as divisas não eram muito respeitadas e acabou que,  João Pimenta, que era incrédulo, segundo os antigos, e não gostasse da capela que ficava à frente de seu comércio de secos e molhados que havia montado na frente de seu terreno, acabou  se apossando   da parte onde ficava a igrejinha e mandou demoli-la na época em que foram feitas os estudos para a implantação da rodovia que hoje aí está ligando Ubatuba a Caraguá.  Algumas pessoas antigas diziam que chegou a receber certo valor , pagos na época pelo DER, no que incrementou muito seu comércio.
                Sem a sua capelinha, os caiçaras não ficavam, e,a família Oliveira, como todos os outros de sua época, muitos católicos, novamente   cederam  outra parte de terreno, nas proximidades da antiga e outra capela novamente foi erguida, conservando o mesmo nome da padroeira do lugar,  Santa Cruz do Sapê. O nome foi mantido; permanece até hoje.
                Há pouco tempo, o pároco local desativou a capela, e, ficando o espaço ocioso, pensou em  vender o imóvel.  Remanescentes dos antigos caiçaras resistiram à ideia com a alegação de que ela representava a memória e a história viva do lugar. Juntos venceram a ideia do pároco: a pequena capela não foi vendida. Mais tarde,  já sob a responsabilidade de outro pároco que   entendeu os argumentos sensatos da comunidade, novamente a reabriu. Hoje, a velha capela, depois de uma pequena reforma, serve a esta comunidade (Sapê/Maranduba) e a todos que por aqui passam temporadas de verão. É muito concorrida, embora outra igreja tenha sido erguida, dentro do loteamento Maranduba que havia destinado uma área para esta finalidade".

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Um contraponto

    
                Devido a alguns artigos sobre o Cruzeiro de Anchieta, a minha amiga Maria Cruz pediu que eu fizesse um contraponto. Como? É fácil!
                A história que prevalece é aquela que é mais conveniente a um grupo ou ideologia dominante. Ou melhor, isso de revisar algumas “verdades históricas” é coisa recente, do século XX. Então, é “natural” que no nosso município as coisas corram mais ou menos assim. Nessa nova concepção, já se considera que o alemão Hans Staden passou por Yperoig, a nossa  Ubatuba, mas foi prisioneiro por vários meses em outra área, na aldeia de Ubatuba que ficava na região de Angra dos Reis. Porém, a versão de séculos se entranhou de tal forma que até o filme sobre o artilheiro alemão deu todo crédito ao nosso município.
               Hoje, recorrendo à tradição oral da comunidade do Sapê/Maranduba, registrada pela própria Maria, pretendo “jogar lenha na fogueira”. Afinal, lá também tem um grande rio com muitas ubás nas margens; dois antigos cemitérios com seus potes cerâmicos foram encontrados e é uma praia muito mais indicada para escrever poemas e declarações a qualquer virgem do que nas areias da praia do Cruzeiro, no centro. Eis o texto-dádiva da Maria Cruz:
                “No mesmo lugar onde hoje há um cruzeiro como lembrança, centenário  a se perpetuar, é o marco da passagem dele [padre Anchieta] por aquele ponto. Era onde adentrava  no jundu  e tinha seu ponto de pousada por ali mesmo, na mesma direção do cruzeiro. Foi onde ele montou seu pousio. No mesmo lugar rezava a missa cotidiana e obrigatória de sua fé.
              Na vivência e lembrança dos antigos caiçaras, o primeiro cruzeiro foi erguido pelo padre jesuíta que eles nem sabiam quem era.  Eis a informação que recebemos da tradição e mantemos até hoje:  ‘era um padre que escrevia  nas areias da praia’.
              Seguindo a fé e religião de seus antepassados, o  cruzeiro foi sempre preservado ou novamente reconstruído, continuando, ainda, como um marco do acontecido, de uma história já esmaecida no tempo.
              O repouso do padre, certamente uma palhoça de pau a pique, era ali. Portanto, também seu oratório, onde rezava sua missa cotidiana obrigatória naqueles tempos, sob aquele chão se assentava.
             Depois, uma capelinha foi erguida no lugar onde souberam existir as rezas do padre. Passou a ser o lugar sagrado, onde  aconteciam as rezas do povoado, as festas de seus santos, as ladainhas cantadas em latim pelos mais velhos.
               De onde viera aquele latim, evocado  na lembrança dos que vieram; depois passado a seus descendentes, principalmente aos Amorim que eram rezadores?
               Um desmatado terreiro ao redor da capelinha, dava espaço ao povo que vinha às rezas  daquela época.  Aquele mesmo espaço, livre de mato que circundava a capelinha, continua hoje  com o nome de Praça  Santa Cruz.  Em seu lugar está instalado o ponto de ônibus,  no centro comercial  do Sapê”.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Canoa caiçara


            Hoje, com a gentileza do caiçara Eduardo Souza e do Luiz Moura (O guaruçá), faço questão de apresentar este belo texto  sobre a canoa caiçara. Aos dois, os meus sinceros agradecimentos e um grande abraço. Em tempo: não consegui anexar a imagem do Ubatuba Víbora. Ainda bem que o Júlio Mendes tem muitas imagens de canoas (e todas são belas!).
         Talvez pela simplicidade, talvez por ser primitiva - neste mundo ansioso de novidades tecnológicas, confortáveis e fugazes -, a canoa é para mim algo belo, uma obra de arte. Fui levado a  refletir sobre o tema ao deitar os olhos na foto da canoa que encima as    páginas do Ubatuba   Víbora, do amigo Sidney Borges. A canoa   em terra, na areia da praia, solitária, à espera do dono e, diante de si, o mar... Belíssima foto!
         Tenho um depoimento do Baeco, fazedor de canoas. É um  artista. Eis trechos do que ele diz: “A construção de canoa começa pela    escolha da melhor madeira, mas a famosa mesmo é o Cedro. Depois vem a  Timbuíba, o Ingá, o Bracuí... o Loro, o Guapuruvu e o Angelim. O Angelim  tem três tipos: Angelim Amargoso, Angelim Gisara e o Angelim Pedra. Estas   três são boas pra canoa. Esta é a madeira que a gente garante.” (...)   ”Madeira a gente escolhe a lua, sim; agora, não precisa ser uma minguante  de inverno; qualquer minguante é boa.” (...) ”A gente sabe a árvore que  vai dar boa canoa no olho, primeiro o olho... Você bate o olho, vai, erra   centímetros, e o tamanho é a boca da canoa” (...) ”O comprimento a gente  se baseia na boca, na largura da boca, tá? Normalmente é sete vezes um,  sete por uma. Sete vezes a largura da boca é o comprimento da canoa.”   (...) ”Se ela, por exemplo, tem sessenta centímetros de boca, sete vezes  seis quarenta e dois, então a canoa normalmente vai ter quatro metros e  vinte centímetros.” (...) ”Pra medir no mato a gente tem uma mania: põe  uma vara em direção à árvore antes do corte e aí sai com exatidão. A gente  põe a vara lá na direção que vai ser o meio da canoa, e olha de longe e  calcula. Porque tem a posição da boca, porque olhando na árvore você vê o  lado melhor para a boca. Você olha tem um lado que é ‘selado’ e tem o  outro que é mais ‘jeitoso’ para fazer a boca da canoa. A gente mede  naquele lado. Com a vara faz uma cruz. Um olha de longe e vê o que está  sobrando. Você vê com exatidão, porque a madeira é roliça. O outro, de   longe, olha, aí você empurra pra lá, empurra pra cá, até saber o centro  direitinho. Aí tira a grossura da casca, tira um pinguinho menos, e você tira o tamanho certo; aí sai exato, centímetro certo...”
          O homem vê na árvore a canoa e, então, a transforma. O que  era uma árvore, um Angelim no meio da mata, transforma-se, vira utensílio,  instrumento, humaniza-se, torna-se mundo. A intimidade do homem com a canoa, que se torna extensão de seu corpo, de sua alma, que participa de  sua história. Quando na solidão do mar, em terra, a mulher, os filhos, os amigos esperam que ela não falhe em trazer de volta o pescador que a  navega, e a canoa, então, encarna a esperança. É ela que faz com que o mar, enquanto dificuldade, obstáculo, desafio, se torne possibilidade e  colabore também na formação do modo-de-ser caiçara desse homem.
           Na vida da maioria dos ubatubanos não há pelo menos uma  história em que não esteja presente uma canoa. Nos meus tempos de  infância, ela servia como veículo (além do uso na pesca) de transporte  corriqueiro para os caiçaras do norte e do sul do município. A canoa é também fazedora de reminiscência. Tenho na memória duas canoas: a Mirim  (acho que já escrevi sobre ela aqui no O Guaruçá), que  meu pai me deu de presente bem antes de eu aprender a andar. Uma pequena  canoa de guapuruvu. Arisca que só ela. Boa parte de minha infância e  adolescência foi a bordo dessa canoinha, subindo e descendo o rio Grande  da cidade. A outra, uma velha canoa, era a que meu pai, juntamente com  alguns amigos dele, nos finais de semana, me levava para pescar com rede de arrasto na baía da cidade, na Praia do Cruzeiro. Ia na proa, deitando a  rede ao mar aos poucos, sincronizado à velocidade da canoa. Meu velho, na  popa, remava. Lançada a rede, em semicírculo, retornávamos à praia onde já  nos esperavam para começar a puxada da rede com cordas feitas de imbé.   Quando terminava a pescaria, subíamos a canoa, rolando-a sobre tocos de madeira até o rancho onde ela permaneceria esperando o próximo final de  semana. Era pesca de lazer para meu pai e seus amigos. Para mim, sair de canoa com meu pai, momentos mágicos, inesquecíveis. Lembrar de uma canoa é também lembrar-me do meu velho, meu primeiro e maior amigo. Que Deus o tenha.

 Nota do   Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto é caiçara, 60, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba       et orbi.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Entrevista no Camburi (XI)




                Justificativas necessárias
Hoje, conforme algumas reflexões partilhadas com os mais próximos, resolvi dar uma pausa na Entrevista no Camburi. Alguns detalhes e questões apresentadas a seguir podem esclarecer alguma coisa. Por fim, publico a parte XI

1º) Ser fiel à fala do entrevistado, sem alterá-la nem mesmo por exigências das normas cultas da nossa língua, é do agrado (e compreensível!) para quem lê?

2º) O entrevistado também expressa muito por gestos e olhares. Porém, tais particularidades, se detalhadas, estenderiam por muitas páginas o texto. Será que fiz bem em deixar de lado tais detalhes?

3º) Para quem não conhece o entrevistado:  o sr. Genésio é um líder comunitário muito respeitado. Afinal, foi graças à sua perseverança e ao empenho dos parentes e amigos que ocorreu a criação do Quilombo do Camburi. Questão: os leitores captam a importância dos descendentes diretos de escravos para a compreensão da cultura caiçara?

Parte XI

J.R.: O que no caminho?

Genésio: “Esse movimento que a gente vê, que desaparece. Me veio na lembrança; digo assim: ’Hoje é o dia dele; de a gente encontrar qualquer movimento aí no caminho. É de madrugada’. Aí, o senhor sabe: saí daqui quatro e meia. Quatro e meia da madrugada! Noite; muito bem estrelada a noite. Tocha de vagalume por todo lado. Aí fomos: eu com a lanterna na mão; e ela furou –aqui usa muito furar uma lata, dessa lata de leite, e botar uma vela dentro. Fazer um arcozinho assim e fazer um farolete, né? Para alumiar. E ela, a pé com a menina, uma vela botou numa lata e foi mais devagar. E eu fui na frente; uns cinquenta metros na frente, mais ou menos, quando vi, lá pra chegar perto da Cachoeira do Cedro, foi quando eu vi aquela luz que começou a adentrar, adentrar, adentrar...Eu parei lá em cima, antes de pegar a Cachoeira do Cedro. Aquela luz vem, vem, vem, correndo, correndo, correndo...Chegou perto de mim. Aí eu: ‘O que é isso?’. ‘Ah! Você não viu nada?’. E digo: ‘Eu não!’. A mulher tá aí; ela conta. ‘Você não viu nada? Olha, naquele lado assim, assim, assim...Naquela curva ali; tá um violão ali; tá um toque de violão ali que tá retinindo tudo. No caminho; assim, no caminho’. Disse: ‘Não!’. ‘Jura?’. ‘Eu não; eu não vi não!’. Eu digo assim: ‘Quando eu saí de casa, me veio na lembrança que aqui, hoje, a gente ia ver alguma coisa. Então...eu tô acostumado. Pelo caminho toca violão, faz isso, faz aquilo. Me acostumou; enjoei’. A mulher chegou lá botando a alma pela boca, de cansaço, no encontro comigo. Então...o senhor sabe que essas coisas aqui tem. A gente vê essas coisas; até se acostumou. Sobre luz, sobre movimento...Essas coisas, meu amigo, meu grande amigo, isso aparece!”.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Entrevista no Camburi (X)



Genésio: “Os três meninos saíram a milhão por aqui abaixo; foram para a igreja, né? E o Isaías assobiou. O Isaías disse assim: ‘Tio Genésio, olha, eu assubo aqui; desço qualquer hora da noite; assubo...Mas tem dia que forma-se uma conversa para baixo, nas minhas costas, para baixo de mim, por detrás de mim. Daqui a pouco tá na frente; tá na frente a conversa –duas pessoas conversando – e eu não vejo ninguém. Eu digo assim...Então, depois disso, o senhor sabe, esse Simão, esse Simão aí, já topou por umas duas vezes com um cidadão de branco à noite’. E a moça, hoje ela tá na Itália, que me conhece muito, conhece a turma aqui, ela tá na Itália, em São Paulo, duas colegas. E o cidadão...Ela desceu na frente; pegou duas sacolas e veio na frente. E na passagem do rio...E o rapaz do carro, que veio com elas às três horas da madrugada, ficou fechando o carro, ali na grama, né?  Aonde está o ponto de ônibus; fechando. E elas duas vieram na frente. Quando chegaram na subidazinha ali, que passou o rio, na subidazinha que vem pra cá, elas pararam no caminho, numa sombrazinha. Tinha uma lua. Três horas da madrugada tinha uma lua. Ficaram ali. Quando elas viram aparecer um senhor alto, todo de branco; inteiro. Terno de linho; branco inteiro. Disseram que eu perto dele não era nada – a massa daquele homem! Chegou com uma maleta aqui e outra aqui na mão; passou por elas assim, chegou na frente delas parou e arriou as duas maletas. E as moças disseram assim: ‘Ô chefe, ô chefe; o senhor quer uma ajuda? Quer uma ajuda?’.  Quando elas disseram assim, ele desapareceu. Ah! As duas meninas botou a chamar o ‘Bruxo’. O irmão dele acampou aí. ‘Ô bruxo! Ô bruxo! Depressa, depressa!’. Aí o rapaz chegou. Disseram assim: ‘Quem passou aí por você? Quem passou por aí agora? Não era um senhor  com duas maletas na mão, de branco inteiro?’. O ‘Bruxo’: ‘Eu não vi não; por mim não passou ninguém’. Ele pensou: desapareceu; alguém desapareceu aqui. Essas duas meninas contam isso. Elas sempre vêm aqui. Elas contam isso. Então, o senhor vê que sempre aparece  essas coisas. Então, essa pessoa que está conversando com o senhor, o inimigo não vai assustar. Eu tenho a certeza, em Deus em primeiro lugar, que as minhas unhas do pé ele não vai arrancar porque eu já me acostumei. Eu já me acostumei nisso daí. Viajo. O senhor sabe que eu chego meia-noite, uma hora da madrugada... Tô viajando e  aí me alembro. A mulher tá aí. Um dia saímos daqui, a mulher disse assim: ‘Genésio, amanhã você me acompanha cedo porque eu tenho uma consulta marcada lá, na parte da manhã, cedo. Cedinho; para sete horas. Sete horas eu tenho que tá em Ubatuba por causa da consulta da menina. É a que tá morando agora em Ubatuba. Hoje ela tá aqui! E acabando que...Sim, então vamos fazer uma horinha para pegar o ônibus das cinco e quarenta lá em cima, para chegar a tempo lá em Ubatuba, no horário das sete horas. Assim fomos. Ela fechou a casa, tudo. E aí saímos. Mas quando eu tava me arrumando para sair, me veio aquilo na lembrança: hoje é dia do condão no caminho, coisa sortida no caminho. Me veio aquilo na ideia”.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Entrevista no Camburi (IX)


Genésio: “Quando cheguei na cabeça do lajeado, do cimentado, tem um corte de picada que eu tirei que é pra pessoa passar por cima quando o rio tá cheio. Tem uma madeira. Aí, que fiz eu? E vem ele atrás de mim tocando pandeiro (pac –repapac-repapac-repapac-repapac...)e cantando, né? Mas eu nada de pegar a música.  Nada, nada. E tocando pandeiro e cantando. Toca o pandeiro que não tinha assocado, mudo, surdo, né? Veio vindo. Ele atrás de mim veio vindo, veio vindo, veio vindo... que, quando eu cheguei na encruzilhada assim, eu arriei encostado à pedra para entrar para cá. Eu tinha um boné branco, aí eu encolhi a cabeça aqui pra trás. Aqui; assim. Ele veio vindo. Quando ele viu o bico do meu boné, aqui, ele voltou de marcha à ré, para trás, cantando.  Aí eu digo assim: ‘Meu Senhor Jesus: e agora? Como é que vai ser? Para mim falar isso, eu vou passar como mentiroso porque não tem quem vai acreditar nisso’. Ninguém acredita! Ainda mais a turma hoje! ‘Não vão acreditar’. Aí eu comecei a fazer um pedido a Deus: que aparecesse uma pessoa para que visse o acontecimento que tava acontecendo, para que quando eu falasse ele confirmasse que ele viu também. Comecei a pedir a Deus no parar do claro. E aí já foi dando a sombrinha da tarde...foi dando a sombrinha da tarde... Aí o senhor sabe que nisso eu olhei para trás, aonde tem a guritazinha, aonde os senhores entraram para cá; aonde tem a gurita, no ponto do ônibus que eu mandei fazer ali para as crianças que saem daqui –os estudantes - , eu olhei o Isaías que vinha subindo; o meu sobrinho que vinha subindo pra cima; da praia pra cima. Eu disse assim: ‘Ó meu Senhor Jesus! Graças a Deus que o Isaías vem aí agora!’. Aí o Isaías chegou pra mim (ele tem o costume de tomar a benção); aí ele chegou: ‘A benção, tio Genésio’. Aí eu abençoei a ele. E ele foi e disse assim: ‘ Titio, o que tá acontecendo?’. Eu digo assim: ‘Isaías, meu filho, o que tá acontecendo é isso assim, assim, assim, assim. Eu já tô algumas horinhas aqui. Vim de Ubatuba, não é? E tô aqui apurado; tá me acontecendo isso aqui assim: duas vezes o cidadão apareceu. Eu pensei que fosse você pela primeira vez. Encostou na pedra -  aquela pedra grande ali. Desapareceu.  Eu olhei, procurei, não encontrei ninguém. Acabando que, na segunda vez, me apareceu um cidadão que nem o Sadraque, o filho do Alaísio, o meu sobrinho também. E agora ele desapareceu –que eu meti o pau nele, o cacete nele -, desapareceu. Agora apareceu de novo e está com um pandeiro, cantando. Só não divulgo a música que ele tá cantando’. Ele disse assim: ‘Aonde tá?’. Eu digo assim: ‘Tá no caminho’. Quando eu digo tá no caminho, esse menino diz: ‘Ah, tio Genésio! Tá lá ele com o pandeiro na mão!’. O Isaías: ‘Tá lá ele com o pandeiro na mão!’. Eu digo assim: ‘Isaías, meu filho, tem o ouvido mais novo do que eu: escuta pra ver se compreende a música que tá cantando. Que ele tá cantando... eu não sei que música, não compreendo. Agora, que ele tá cantando tá’. Aí ele passava de um lado para outro. Aí não desceu mais para baixo. Aí nós dois parado  cá embaixo no caminho; e ele passando de um lado para outro: pac-repapac-repapac-repapac... e cantando! E cantando! O Isaías: ’É verdade, tio Genésio!’. Eu: ‘Faz tempo que estou aqui. Tô, meu filho, já faz um tempinho que eu tô aqui’. Bom! Nós que tava ali, aí foi dando a sombrinha; foi dando a sombrinha  da tarde. Daqui o Isaías disse assim: ‘Tio Genésio, permanece três! Em vez de ser um, permanece três! E vem vindo aqui  pra baixo!’. Veio, veio, veio, veio... chegou até nós. Quando chegou até nós, era a Débora, minha sobrinha. Era o Sadraque, meu sobrinho, que parecia ele que tava fazendo a micagem lá, e, o Nico, da Alícia –da Alícia Rosa! -, que vinham para a igreja evangélica cá embaixo. Eu digo assim: ‘As crianças, vem cá: vocês não viram ninguém com um pandeiro na mão agora?’. ‘Não, tio Genésio, nós não vimos nada’. ‘Vocês não viram um cidadão cantando ali, com um pandeiro na mão?’. ‘Não’. Aí eu contei o caso para os meninos”.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Entrevista no Camburi (VIII)


Casa do seo Genésio e da dona Irene, no quilombo do Camburi.



J.R.: Não morava ninguém lá?

Genésio: “Não, não senhor! Nessa época não morava ninguém. Então, foi depois que se acabou o João Chico; que ele morreu; acabou-se ele. O Mané Chico, que era filho, que era cunhado do Ieié, morava aqui no Camburi; casou-se com uma moça da Trindade. Morava aqui no Camburi. Então acabou.  Aí começou a aparecer essa luz na praia Brava. Agora, fora disso, no tempo do meu tio Zeferino, que nós fazia para pescar lá na Espia, trabalhando com carapau, com o charelete...Então, num dia como hoje, assim, o senhor contava de dois, três... até quatro; até cinco pessoas na praia Brava do Camburi passando... passando pra cá... Passando tudo pro Camburi. Só que esse povo... O senhor contava às vezes até quinze a vinte pessoas; passando durante o dia na praia Brava, vindo para cá e... não aparecia ninguém aqui. É gozado. É interessante isso. O meu tio Zeferino ficava curioso. Eu cansava de ver essas coisas. O meu tio Zeferino dizia assim: ‘Agora você vai na ponte’. Na saída da casa da oficina, que tudo que vinha direto tinha que passar ali. ‘Vocês vão ver o que passa ali’. As vezes vinha, sim, pessoa que tinha de fazer compra. Fazer compra na Picinguaba, sabe? Negócio de um, dois, três, quatro pessoas. Mas tinha dias que você contava vinte pessoas. E aqui não aparecia. Acontecia na praia Brava do Camburi. Agora, aqui no Camburi, aqui, isso deve fazer uns três anos. Nem tanto! Aconteceu uma coisa comigo que, isso que eu vou falar pro senhor aqui já está nos Estados Unidos. Muitos grupos...eu não sei se praquele grupo que acompanhou o senhor aqui [está se referindo aos setenta adolescentes da escola Deolindo que visitaram o quilombo em 2005]eu falei isso. Eu não tenho lembrança agora. Então, aconteceu uma coisa comigo aqui: eu vim no horário de verão de Ubatuba, na parte da tarde. Então, eu saí de Ubatuba às cinco horas da tarde e chego aqui às sete horas. O sol tá quente ainda; o sol tá aparecendo, não clavou, não terminou ainda o sol... Sete horas aqui no Camburi. E eu, vindo de Ubatuba, vinha com duas sacolas, mas só... que o senhor veja: eu tenho o costume de não deixar o cajado. Eu quando vou para tomar o ônibus lá em cima, eu deixo no mato, escondido, o cajado. Quando  venho eu pego; às vezes por causa de uma cobra, às vezes por causa de um cachorro. O meu costume é isse! Ao descer lá em cima, eu vinha com duas sacolas de compras, encontrei com dois garotos no caminho, e tal. Vim embora. Quando chegava aqui perto, aond permaneceu uma empresa, da época dos ingleses, que abriu falência,não é? Pra mim descer para pegar o lajeado de cimento no rio (que hoje tem o lajeado de cimento), ia assubindo uma pessoa da praia pra cima, para a estrada. Eu olhei; me dava assim jeito do... pela estatura, aparência...assim do Isaías, meu sobrinho, que tem aqui embaixo, na praia. Eu digo assim: ‘o Isaías vem ali – meu sobrinho. Mas só que... adiante da empresa um bocadinho, aonde era o assento da empresa mesmo, do lado de baixo. Quem de cima para baixo fica na mão direita, tem alguém de pé. Um pedrão muito grande; tem as árvores; tem os mangues tudo por cima das pedras; tem um tronco. E o camarada foi assubindo deu comigo que vinha descendo; descendo de tarde. O camarada foi se encostando na pedra, foi se encostando na pedra... e aí, no encostar da pedra, eu fiquei meio cabreiro. Disse: ‘Ué!? Se o camarada se encostou na pedra, ele quer fazer qualquer uma coisa comigo’.  Quer me dar uma cacetada; alguma coisa quer fazer comigo. Aí vim meio cabreiro: ‘Ué!? Que negócio é esse?’. E no encostar da pedra, esse cidadão sumiu, desapareceu. ‘Ué!?’.  Desaparecendo, que seja, eu vim meio cabreiro. ‘Deve ter entrado aí para uma necessidade qualquer’. E o camarada sumiu na pedra. Encostou na pedra... E eu olhando. Desapareceu o cidadão. Eu disse assim: ‘Ué!?’. Aí vim. Quando cheguei em frente, onde o camarada tinha sumido, desaparecido, eu arriei as duas sacolas e compras e passei a mão no cacete, no cajado, e fui fazer a procuração na beira do barranco, olhando em cima da pedra, olhando nas árvores... E ali, o senhor sabe, não vi nada, mas aquilo não me deu choque, nem meteu medo. Mas nada mesmo! Disse comigo mesmo: ‘Interessante! Interessante! O camarada desapareceu aqui. É o Isaías! A aparência; tudo, era o Isaías, o meu sobrinho. Mas... tudo bem! Olhei, procurei, não vi nada.  Voltei, peguei as sacolas –as duas sacolas. Quando peguei as duas sacolas, que levantei o cajado, olhei para trás: um cidadão, já como um sobrinho meu, filho do Alaísio, por nome de Sadraque. (Esse rapaz casou casou agora em Paraty). Era menor; era bem menor –o menino. Olhei o Sadraque em pé olhando pra mim. Olhar parado para mim. Eu digo assim: ‘Ué!? Que coisa engraçada! Era o Isaías; agora pareceu este cidadão, pertinho assim de mim’. Bom, aí eu digo assim, me veio aqui na lembrança, eu digo assim: ‘Isso aí é coisa do inimigo’. Aí eu arriei de novo a sacola, as duas sacolas. Arriei de novo, passei  a mão no cajado e comigo disse assim: ‘Senhor Jesus: o seu sangue tem poder’. Mas falei comigo mesmo, sem soltar a voz, baixinho. ‘eu, em nome do Senhor Jesus, eu vou te meter o pau. Eu vou te meter o cajado, mas o sangue do Senhor Jesus tem poder contra ti. É o Satanás; outra coisa não é’. Aí arriei de novo as duas sacolas de novo no chão. De dentro do caminho eu passei a mão no cajado e levantei. Quando alevantei e me aproximei sobre ele, ele desapareceu novamente. O inimigo que parecia o Sadraque desapareceu. Voltei, olhei, mas sem me meter medo nada, nada, nada... Rodei aquilo tudo, olhei... Desapareceu de novo!  Voltei. ‘O inimigo veio; taí, mas eu não enxergo ele’. Bem aonde foi o assento da indústria dos inglês, da companhia dos inglês, na época. Aí voltei, passeia a mão na sacola; levantei. Quando levantei e dei dois passos na frente, o cidadão – o mesmo! – com um pandeiro na mão; batendo o pandeiro  e fazendo aquela micagem toda para mim; cantando. E cantando! Então, o pandeiro dele...”

J.R.: E entendia a música?

Genésio: “Não, não senhor. De jeito nenhum! Parei para entender a música dele. Nada, nada! Aí eu não enfrentei mais ele. Eu digo: ‘Não adianta, né?’. Aí desci para baixo. Aí vim descendo”.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Entrevista no Camburi (VII)

Bom é olhar, de cima do morro, a natureza que ampara o caiçara!

J.R.: E agora, seo Genésio, que histórias que aconteceram por aqui, do tipo fantásticas, que acontecem na natureza de uma forma meio estranha e que chama a atenção da gente?
Genésio: “O senhor sabe que eu conheci, eu vi muitas coisas aqui... O senhor quer falar essas coisas meio invisível? O senhor sabe que aconteceu muito aqui  – e eu tenho provas! – sobre o negócio de luz, tocha, fogos passando de um lado para outro; aquelas bolas furtando as  cores, né? Azul, verde, cor de rosa, amarela, né?  Não faz muito tempo que eu estava na praia com esse companheiro Onato, que é o dono do barzinho lá embaixo. Nós tava pegando isca na praia, na boca da noite. Não faz muito tempo; deve tá fazendo uns cinco a sete anos. A gente tava pegando esse guaroçá, esse siri... quando vimos... ou era mais cedo ainda...apareceu nesse mesmo morro, aqui perto da casa mesmo, uma bola tipo de um forno, redonda, com uma parte cor de rosa, bonito furtando a cor; a outra verde, verdinhozinho, furtando as cores, né? . Assim como a noite. E outra, outra parte vermelho, vermelhozinho. Então, ela tava com quatro partes, né? Uma verde, uma cor de rosa, outra azul... Com quatro partes aquela bola! Então era redonda e ela vinha girando, passou na direção da praia do Camburi, por cima da praia do Camburi; deu a volta e foi para a outra praia –do Grosa. Passou pela Grosa, foi para  a outra praia – a praia Brava. Bonito! Nós ficamos assim olhando, né?!”
J.R.: Onde é a praia do Grosa?
Genésio: “A praia do Grosa? O senhor saindo daqui do Camburi, entrando no canto, no canto de lá [direito] da praia do Camburi, como o senhor vai para a praia Brava, é a praia do Grosa”.
J.R.:Tem uma primeira prainha, então?
Genésio: “Tem uma prainha; é. Para depois dessa prainha do Grosa o senhor pegar a praia Brava”.
J.R.: Essa praia eu nem sabia que tinha!
Genésio: “Não sabia?! A praia do Grosa?! Ah! É muito antiga, né? Tem o Saquinho do Grosa e tem a praia do Grosa. Então, quando dá assim as águas de sul ou as águas de leste, fica aquela praia bonita! Areia; cobre tudo de areia, né?
J.R.: A luz sumiu lá?
Genésio: “É, a luz sumiu pra lá. Outra, que aqui na praia Brava do Camburi, nós pescando, nesse tempo, quando o senhor viajava por terra, então tinha duas luz, duas tochas, assim, vermelho. Era assim, vermelho. Então, essas duas tochas de fogo,elas saíam no canto de lá, então passava uma pela outra. Uma vinha até meia praia, da praia Brava. A outra também vinha, dava encontro. Quando uma vinha, a outra ia daqui pra lá. Muitas vezes nós tava a troiar. (O senhor sabe o que é tróia, né?). Pescando à noite, troiando muitas vez nós via isso na praia Brava. Aí nós dizia assim: ‘Olha lá! Olha lá! Olha a luz!’. Nós, toda uma garotada e tal. Então o Manezinho disse assim: ‘Olha! Escuta aqui! Vamos cuidar aqui do peixe!'.   Às vezes a gente cercava o peixe-galo, o goete... ‘Vamos cuidar aqui do peixe. Deixa a luz lá! O que tá quieto não se bole’. Ele ralhava com nós, né? E aquelas duas luz: uma de lá e outra pra cá: passeava na praia”.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Entrevista no Camburi (VI)

Um dia de convivência no Camburi: experiência inigualável!

J.R.: Fale sobre esse pessoal do “Inglês”. [É um dos galhos brancos da árvore genealógica]
Genésio: “Era do tempo dos escravos, descendentes dos escravos! É porque a mãe dele, a mãe do ‘Inglês’, a dona Severina, uma senhora clara, dos olhos azuis que nem os senhores, de olhos verdes, né? Era filha do finado João Chico, que morava na praia Brava. Quando eu me entendi por gente, eu conheci o João Chico: um senhor claro, de bigode ruivo, olho muito azul. Então, a mãe do ‘Inglês’ –era a dona Severina – era filha do finado João Chico. O pai do ‘Inglês’ era da minha cor”.
J.R.: Era parente do senhor também?
Genésio: “Não, não era. Era outra família. Era do tempo dos escravos também, mas de outra família. Era da família do tal de Mané Bento. Zé Bento, Mané Bento. A família do ‘Inglês’ –não sei  se o senhor conheceu – o pai do ‘Inglês’ é daquela família do Antonio Bento, que era coveiro em Ubatuba; que morreu”.
J.R.: Ah! Eu conheci!
Genésio: “Conheceu? Era coveiro, né? Então...o pai do ‘Inglês’ era daquela descendência”.
J.R.: Então o Antonio era daquela família, mas morava na cidade?
Genésio: “Não senhor! O Antonio era daqui! Por pouco tempo que ele foi para Ubatuba! Então, o pai do ‘Inglês’ era dessa descendência, do seo Antonio Bento. Então...sabe o nome do ‘Ieié’? Ieié Bento. Ieié Bento! Que é da descendência do seo Antonio Bento; que era o pai do ‘Inglês”.
J.R.: Quem é o “Ieié”?
Genésio: “É agora o ‘Inglês’, que saiu daquele jeito; que eu trato ele de nego aço, porque saiu daquele jeito. A irmã também tem os olhos gateados. Então saiu um mais claro, outro mais escuro. Saíram assim por causa da mãe. Assim se fez toda essa misturança, né?”. Mas descendência de escravos! E é agora isso!”.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

A novidade.

Vista aérea da praia do Puruba. Esta é a visão mais empolgante, de acordo com o tio Dico.

                Sou obrigado a adiar a parte seguinte da Entrevista no Camburi. O motivo? A aventura do tio Dico neste verão de 2012.
               Hoje encontrei com o “Careca”, filho do tio Antonio. Perguntei-lhe por todo o nosso pessoal bem rapidamente, mas, como é costume, me demorei nas especulações sobre a tia Baía e o tio Dico. Entusiasmado como sempre, ele falou a novidade:
                - O titio tá feliz porque voou de helicóptero. Foi assim: um turista, amigo do povo do lugar, desceu na praia naquela máquina bonita, convidou o tio Dico para um passeio e ele topou. Agora só fala disso. Repete a façanha, diz que é uma beleza enxergar tudo lá de cima. Não vê a hora de fazer isso de novo. Por fim diz assim: “Que beleza é voar de helicóptero! Se não fosse caro eu comprava uns quatro deles!”

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Sons de verão




Domingos e Flávia posam na janela da casa-mãe, na Fortaleza

No marulho das ondas
que consegue furar a distância
e a rede de obstáculos que me separam do mar;
nos passos dos pássaros sobre o telhado;
no som da vida saltado na cachoeira;
na conversa do vento com as folhas das árvores e
na pulsação do coração da bananeira. 
                                                                                         (Domingos)

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Um intervalo


       Hoje, devido à correria, não pude digitar a parte seguinte da entrevista com o seo Genésio. Então, preocupado no quanto a fumaça dos veículos altera o nosso meio ambiente, pensei nas bicicletas e nos muitos passeios que são possíveis em nosso município. É preciso investir nas crianças, incentivá-las a praticar as alternativas capazes de preservar o nosso ar, nossos rios, nossas matas e o nosso grande mar. Remar, caminhar, pedalar... Tantas coisas possíveis para as adequações culturais do nosso espaço!

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Entrevista no Camburi (V)

O que seria dos caiçaras se não fosse a mandioca?



         "Quando veio a primeira família desses casamentos, desse encontro desses homens com a minha família, então veio um moreno mais escuro que puxou pelas mães; veio outro mais branco que puxou pelos pais. Bom: esses meninos, essas meninas no Camburi. Quando veio a segunda família, algumas casaram até com moço de fora também; outros casaram aqui no lugar. Aí já vieram os brancos, já vieram os cabelos amarelos, os olhos azuis, os olhos castanhos. E agora continua a minha família e cada vez mais com a descendência das pessoas brancas, pessoas claras, pessoas brancas... E aí o senhor saiba que misturou tudo. Então hoje eu tenho na minha família descendência de escravos, descendência de índios, de guarani... Tudo junto na minha família. E acabando que essas famílias virou tudo descendência de escravos. É como eu digo pra minha sobrinhada aqui: amanhã ou depois, ou quando vier um repórter saber de vocês... Não é? Eu fecho os olhos; não vou ficar para semente mesmo. Você vai dizer: ‘Eu não descendente de escravos. Eu não sou’. Você até pode dizer: ‘Eu sou descendência de italiano, de francês...’ Não é bem isso não. Vocês têm que contar a verdade, que é: os avós de vocês; os avós de vocês eram tudo nego. Era nego mesmo! Nego fechado mesmo!"
J.R.: Esses negros tinham vindo de onde?
Genésio: "Da África. Agora eu digo para o senhor, como eu tenho falado aqui, agora falei na Assembleia Legislativa, perante o advogado: Eu sou negro, eu quero dizer para os senhores aqui, na mesa, que eu sou negro conforme os senhores estão vendo. Agora, eu tenho fome e sede da minha bandeira brasileira. Por que eu digo isso? Eu nasci aqui, no litoral de São Paulo; permaneço até hoje, com a idade que eu tenho, com oitenta anos, no Estado de São Paulo. Não vou, posso até dizer para os senhores, que eu não tenho sangue africano. Pode ter. Posso ter sangue de africano; de muitos anos até pode ter, mas eu tenho a dizer para os senhores: eu nasci no ponto final indo daqui de São Paulo para o norte, para mim é o ponto final, fazendo divisa com o Estado do Rio de Janeiro. Hoje estou com essa idade, lutando, não é? Mas eu nasci ali. Então, eu sou brasileiro. Não nasci na África; não nasci em país nenhum lá fora. Nasci aqui; na nação brasileira aqui, no litoral. Então a minha cidade é a comarca de Ubatuba. Então o senhor sabe que, hoje, conversando um dia com um japonês, ele falou assim para mim: ‘Seu Genésio, a descendência é um que puxa o último degrau’. Tá entendendo?  É buscar e vim assubindo para cima. Então, é como eu falei ainda agora, falei lá na roça para o Jairo, que o combate lá na Assembleia foi isso aí. Então, quando... quando... e agora esse encontro sobre o quilombo, aqui no Camburi, que hoje nós lutamos, levemos cinco anos na luta do quilombo, aqui, para que nós, quando o ‘Parque’ entrou, aqui, a Reserva [Parque Estadual da Serra do Mar] entrou aqui, nós ficamos aqui castigados, ficamos com algemas nos pés, com algemas nas mãos, que nem bandido. Eu falei assim na Assembleia, antes de ontem, como bandido, sem culpa nenhuma, né? Levando cabo de revólver na cabeça – da Polícia Florestal. Como eu disse lá, eu disse lá para os deputados: Nossos deputados, todos quanto estão nos ouvindo aqui nesta tarde, aqui na Assembleia, que é a casa das leis, escutem aqui, quero fazer uma pergunta para os senhores: Eu, ou os senhores que estão aqui, ocupam um lugar de ser um policial, um sargento, um tenente, um capitão, um major... um comando. E o senhor tem os seus empregados. Então: eles estão para fazer as leis ou desfazer das leis? Eu achava por bem que, eu ocupando um cinturão na minha cintura, o revólver na cinta, uma algema, eu vou trabalhar no clube da lei, no certo da lei; não desfazer da lei. Então foi o que aconteceu no Camburi sobre o Parque, sobre a Reserva. Eu quero falar para os senhores que a Reserva, um Parque, eu, no meu conhecimento, no meu tipo de viver, no meu conhecimento – nada eu sei – mas tem que ser uma reserva para os insetos, para os bichos; a conservação para os animais, de bichos, né? Não pode ter moradores nenhum, não pode ter moradores. Agora eu digo para os senhores: o Camburi tem habitação há mais de trezentos anos. Tenho certeza do que estou falando aqui na mesa: há mais de trezentos anos! Foi reconhecido já, há mais habitação que foi do tempo dos escravos ali no Camburi. Agora pergunto aos senhores: há mais de trezentos anos reconhecido. Agora, lá, o Parque lá, assubiu há quinhentos, trezentos anos? Não. Não".

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Entrevista no Camburi (IV)

Vale a pena conhecer os segredos das matas do Camburi!
            "Então, essa dona Josefa, ela convivia nas matas todo o tempo de vida. O que era ganha-pão dela? Como era a convivência dela, o viver lá? Então, ela cortava o terreno, o lombo do morro; fazia-se um chiqueiro com um alçapão. E depois daquela armadilha, de assubir e descer, ela fazia uns toques, fazia uns pregos de jiçara ou do pati bem devez, bem aguçado, bem feitinho. Chegava lá no centro da terra, nesse chiqueiro, enterrava, plantava; ali fazia ponta toda agulhada, toda pra cima. Quando esse animal pesado, como onça, como queixada, vinha, pisava naquela armadilha, descia por ali abaixo, batia lá  embaixo e ele mesmo se sangrava naqueles  picos, naqueles pregos de pati, da jiçara, do coco de brejaúva, da madeira do coco da brejaúva. Aquilo é muito forte! Se sangrava, né? Então, o que fazia ela? Então ela fazia dois, três, quatro... Ainda tem o cenário. O grupo que esteve agora lá falou pra mim que tem os sinais do corte, da terra, de tudo o que ela fazia. Então, ela pegava esse animal, alimpava lá nas mata. Alimpava e cortava todo e trazia aqui, pra povoação do Camburi na época, levava para a Trindade, levava na Vila da Picinguaba. Então o que fazia ela? Ela dava essas carnes do bicho do mato (do queixada, da onça) e aí, o que fazia ela? Ela pegava o arroz, o feijão. Naquele tempo era a banha, não era o óleo. Era a banha. Pegava a banha para tempero, farinha da mandioca... levava tudo para a toca. Então a convivência dela era isso assim. Só que ela não saía em cidades. Em cidade ela não saía. Ela não saía em cidade por causa dos jagunços, os malfeitores que estavam à caça, procurando. Eles procuravam, indagavam, perguntavam se não tinha fulano, sicrano. Então, nessa época, como aqui – Camburi – não tinha estrada de carro, nem animal de carga passava. Então eles ficram todos escondidos aqui... e o tempo foi passando, como a dona Cristina, o tempo foi passando, e aqui arrumaram família, como eu mesmo conheci e dou o nome delas. Aqui, filhas da dona Cristina: Francisca, Januária, Aintinha, Luiza, dona Virgília... Conheci cinco! Cinco filhas dela; todas casadas aqui no Camburi. Naquele tempo, o casamento, o senhor sabe, o casamento todo era no religioso – o casamento do padre. A não ser isso, era amasiado. Outros falavam amigado, amasiado, né? Então viviam cem anos, muitas vezes, né? Viviam aqueles amasiados, tinham os filhos, as filhas... Então, por muita vez, tinha muito que até nem era reconhecido no cartório. Depois, na vinda dos filhos, depois, é que era reconhecido para registrar o filho. Então era assim! Então o senhor vê que essa foi uma descendência aqui do Camburi, dessa época, que veio todos dos escravos. Agora, essa família hoje, é como o caso da minha família, né? Aí a família hoje virou uma 'salada de frutas'. Por que muitas vezes eu falo isso? Porque hoje, eu, dentro da minha família, eu tenho sobrinha primeira, sobrinha segunda, sobrinha terceira loira, de olhos verdes, assim como os senhores, né? Outros castanhos, outros azuis, né? Porque a minha família hoje virou uma 'salada de frutas'? Porque eu arrecebi aqui quatro moços de fora, quatro moços que não era do lugar, vieram de outro lugar, daqui do Estado de São Paulo. E aqui até vou citar os nomes deles; aqui, neste momento: Manoel Firmino Soares, Carmo Firmino Soares, Donato Firmino Soares, Antonio Firmino Soares. Quatro irmãos casaram com quatro prima-irmãs minha; tudo escuras. E eram brancos! Há muitos anos passados, há mais de setenta e poucos anos casaram. E aí o que acontece? "

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Entrevista no Camburi (III)

Uma visão da cachoeira da Escada, no Camburi

“O meu nome é Genésio dos Santos. Nascido e criado aqui no bairro do Camburi. Permaneço aqui. Agora, a data do nascimento... Eu hoje tô com oitenta anos [em 2007]; eu sou de vinte e cinco de março. Então, faz as contas pra ver se tá certo. Oitenta, né?"
J.R.: Vocês sempre moraram aqui mesmo (relativamente longe da praia, no morro) ou moravam mais para baixo?
Genésio: "Aqui, onde o senhor está hoje, não. Eu morava mais pra baixo, ali no Jambeiro, né? Na beirada do rio, no Jambeiro. Tá com poucos tempos aqui, né?"
J.R.: E sobre a história, contada na outra vez, de quem começou aqui foi uma escrava?
Genésio: "É; nós aqui; esta pessoa que está falando com o senhor, Genésio dos Santos, nascido e criado aqui no Camburi, a minha descendência é de Inácio Basílio dos Santos. Isso enquanto ele permaneceu aqui no Camburi, né? Ele veio fugido, né? Do tempo da escravatura que laçava pessoa, pegava pessoa de qualquer jeito, judiava. Principalmente a cor negra, a parte negra como eu sou, né? Então, esse povo, no passado, era muito judiado. Demais, né? Era muito maltratado. Eles contavam que eles faziam assubir nas árvores, né? Davam tiros para ver as pessoas caírem, né? Achavam que aquilo era bonito. Então, nessa época, esse Inácio Basílio dos Santos... eles vieram para cá. Agora permanece a descendência, o povo do Camburi, o caiçara daqui do Camburi, essas duas famílias. Disso eu tenho a certeza: da família Inácio Basílio dos Santos e dona Vera Cristina.  Então, toda a descendência hoje que mora aqui no Camburi é dessas duas descendência. Não é de mais ninguém! Vera Cristina e Inácio Basílio dos Santos, que é a minha descendência. Agora... essa dona Cristina... eu acompanhei o enterro dela. Eu era criança, moleque. Eu acompanhei o enterro dela pro Ubatumirim. Aqui não tinha cemitério ainda. Lá no Ubatumirim... cento e quinze anos. Cento e quinze anos: a idade em que foi sepultada. Agora, além dela também, aqui era o esconderijo da dona Josefa. Essa dona Josefa morava no coração do Camburi, no centro da mata da serra do Camburi. E essa toca da dona Josefa permanece até hoje. É lá em cima, no centro do Camburi. Dá cinco horas de viagem pro senhor ir lá em cima caminhando, na toca da dona Josefa, e voltar aqui na praia do Camburi. Fica bem no coração do Camburi, no centro da praia, mas só que é na serra. Então, essa dona Josefa, a convivência dela era nas matas. Todo o tempo da vida, enquanto ela viveu aqui, era nas matas. Essa dona Josefa saiu dessa toca... Essa toca hoje é bem zelada, é bem caprichada; o pessoal vai lá. Eu tenho recebido aqui, agora poucos dias, agora, tá fazendo um mês, um mês e pouco, teve aqui uns estudantes que foram na toca, conveniente ao pessoal do quilombo aqui. A Andréia, a professora Andréia, acompanhou. Até as minhas netas acompanhou pra ir na toca da Josefa. Então, essa toca é hoje bem zelada, bem caprichada. Dela enxerga parte do mar, do Camburi todo. Agora, parece que não enxerga a Ponta da Trindade por causa das árvores que encobriu. A Mata Atlântica encobriu".