quinta-feira, 29 de março de 2018

CADÊ O MAR?

Canoas no seco (Arquivo JRS)


                Olha as fotografias! Que imagens! É em Caraguatatuba, no Canto do Camaroeiro, num dia de maré baixa, bem baixa mesmo! “Era em marés dessas que a gente, quando criança, recolhia os vôngoles e outros moluscos  e crustáceos”, conforme me contou o Carlos Lunardi.

terça-feira, 27 de março de 2018

A NOSSA PRAÇA

Guinho, o mano caçula (Arquivo JRS)


               Na década de 1980, a minha família e tantas outras tinham a praia do Itaguá como a nossa praia. Era ponto de encontro para se paquerar, jogar bola, nadar, se bronzear etc. Bem ali, na boca da barra, na Barra da Lagoa, havia a Praça Santos Dumont, em homenagem ao mineiro que inventou  o avião.

               Após ter lido um relato do Correio Aéreo, quando ainda estavam escolhendo os pontos de parada nas costas brasileira e irem até os países do extremo sul, fiquei imaginando o sufoco do piloto numa aterrissagem forçada em Ubatuba, bem próximo desse local da praça. Que sufoco para aqueles desbravadores franceses do período entre guerras, estabelecendo uma rota de comunicação tão importante! O avião ficou ali no jundu por uns dias para reparos. E o piloto, aproveitando do imprevisto, sendo informado de que ali perto, no Itaguá, moravam umas famílias francesas, logo se sentiu em casa. Experimentou farinha de mandioca, comeu peixe à vontade, provou do caldo de sapinhauá do Velho Tibúrcio Mesquita. No dia seguinte ao pouso, quis aprender como pegar guaiá; com o pai do saudoso Velho Rita foi mariscar. Agora, o que foi marcante para o valoroso aviador foi o escaldado de galinha! Quem me contou isso foi a comadre Galdina: 

      “Eu era pequena quando o Velho René apareceu lá em casa acompanhado daquele homem louro, de olhos azuis que nem o céu no outono. O nariz dele parecia que tinha sido afinado com navalha. Me perdoe o meu finado marido, mas... homem mais lindo que aquele eu nunca mais vi nesta terra. O Velho René, conhecedor dos dotes culinários da mamãe, levou aquele moço maravilhoso para comer um escaldado de galinha, daquelas gordas do nosso terreiro. Mamãe costumava até usar malagueta no caldo. A gente comia que se lambia! O bonitão também foi fisgado pela comida da mamãe. Repetiu algumas vezes depois de ter largado garfo e faca. Viu que a gente estava bem à vontade, pegando os pedaços com as mãos e fez o mesmo. Depois, não sei de onde veio aquela garrafa, o Velho René disse: 'Vive la France! Vive le trou normande!'. (Porque o piloto era da Normandia, uma região francesa). Papai, assim que especulou, ficou sabendo que trou normande era buraco normando. E assim acabou o almoço numa gargalhada só. Todo mundo se ria. Era um tal de perguntar: ‘O buraco de quem?’ Era só risada de todo mundo. Até o piloto ria sem entender nada”.

               A imagem acima, do mano Guinho (Wagner), no monumento que se distinguia bem, é de 1982: um menino na asa do avião. A praça era linda! Nos orgulhava muito! Depois mudaram a homenagem: um ex-prefeito destronou o inventor do avião. Hoje todo a chamam de Praça da Baleia. E a praia do Itaguá? Agora se converteu em receptáculo de esgoto! Eu posso?

domingo, 25 de março de 2018

NOSSO JARDIM PREDILETO

Boca-de-leão (Arquivo JRS)



               Fim de semana é quando eu posso vagar entre as plantas do nosso quintal, podá-las, apreciar o milagre da terra e de tantos seres que a fertilizaram: minhocas se tecem a cada revolvida, flores se multiplicam e enchem nossos olhos e corações... Enfim, sempre estou aguardando cada fim de semana que posso estar em casa, junto à família, nosso melhor jardim com nossas melhores flores.
               Agora, depois de ter olhado os “dentes-de-leão” entre manjericão, coentro, cidrão (também chamado de capim-santo) e outras plantinhas, me lembrei de um texto, de Rubem Alves, do saudoso Rubem Alves, do Velho Rubem Alves que, numa ocasião, passeava na beira do rio, na cidade de Piracicaba. De repente, ao avistar um lago coberto com ninfeias, parou para apreciar tanta beleza. E produziu este belo texto:

               Ninfeias eram as flores favoritas de Monet, e sobre as suas telas Bachelard escreveu um ensaio tão belo quanto as telas do pintor. [...] Um casal de frangos d’água andavam sobre suas folhas, que flutuavam sobre a superfície da água. Parei o carro e fui me assentar à beira do lago. Não havia ninguém mais lá. Ao contrário, havia muita gente se divertindo nos parquinhos a curta distância. Lembrei-me de que, no Admirável Mundo Novo, de Huxley, as crianças eram ensinadas a odiar as belezas da natureza porque elas nos dão prazeres gratuitos, o que é ruim para a economia. Mas eram ensinadas a mar as coisas artificiais que se constroem no campo, como clubes e parques aquáticos, porque isso é bom para a economia. Pode um mar tranquilo competir com a adrenalina do jetski? Ou vacas pastantes competir com o barulho das motocicletas?

               Ainda bem que tem mais gente vivendo intensamente cada final de semana para curtir as suas plantinhas: Carlos e suas suculentas na varanda, Egléia e sua mini-agro floresta refrescante, Luciane e sua horta, Chico no seu mato do Ubatumirim, Dito Chiéus e sua mudas na beira da Cachoeira dos Macacos, Zé Marques no pomar do “Galinheiro”... e tanta outras pessoas que são partes do nosso jardim maior. Na verdade, nosso lugar e nossa família é o nosso jardim predileto.

sexta-feira, 23 de março de 2018

A ESTRADA E O JUNDU

Jundu da Barra Seca  hoje (Arquivo JRS)

Jundu da Praia Grande - 1977 (arquivo Ubatuba histórico)

Jundu da Praia Dura - 1974 (Arquivo Ubatuba histórico)

Jundu do Ubatumirim - 1975 (Arquivo Olympio Mendonça)
          Dias desses me aconteceu uma coisa que não sei dizer se foi sonho ou se aconteceu mesmo. Não sei mesmo! Foi assim: debaixo de um velho abricoeiro, onde tantas vezes encontrei minha gente recolhendo frutos para fazer ceva (um recurso para atrair animais e caçá-los), me apareceu um senhor, dos antigos. Logo foi me cumprimentando e perguntando por papai e mamãe: "Eles estão bem? Sabe que eu conheci o seu pai bem criança? Da Caçandoca, onde nasceu essa parte dos Félix, descendentes daqueles três irmãos que vieram há muito tempo de Ilhéus, da Bahia, a família do seu avô Estevan se mudou para a praia do Pulso, mais tarde foram morar no Morro do Cemitério, onde nasceu mais duas crianças; depois se estabeleceram no Sapê, onde o Velho Garcêz deixou a posse e se mudou para Caraguatatuba. Nesse tempo, a minha família morava no jundu da Lagoinha, mas o lugar dos roçados era no morro. Naquele tempo era fartura de peixe! O vizinho mais perto era o Agostinho, que hoje tem o seu nome na escola das crianças, na beira da estrada. Na época em que chegou essa estrada, também começou a chegar gente querendo a nossa terra: se diziam turistas, gente de cidade grande; suas falas eram bonitas, ofereciam valores que parecia ser muita coisa; diziam que a nossa situação iria melhorar, pois poderíamos comprar de tudo que estava aparecendo, desde panela de alumínio e fogão à gás, até armários de portas de vidro. Papai decidiu a nossa saída do jundu, fomos para o sertão, um lugar onde a gente só ia quando caçava. mamãe dizia que era terra de onça. Para encurtar esta prosa: deixamos nossos lugar, nosso rancho de canoa e nossos varais de rede e fomos morar espremidos. Mais gente fez a mesma coisa, tomou a mesma decisão. Aquele que não vendeu por bem, foi forçado mais tarde porque inventaram outros documentos sobre suas posses ou criaram impostos que só os ricos podiam pagar a cada ano. E teve os casos de violência mesmo, do tipo do jagunço Zé Palmeira, nas praias da Ponta Aguda e Lagoa, que dava tiros, jogava cavalo sobre os pobres caiçaras, deixava umas cabeças de gado invadirem os roçados da nossa gente. Agora me arrependo, meu filho. Veja só o que é o jundu? Cadê tudo aquilo que existia nessa faixa? No lugar de espaço aberto, de todos, temos muros e jardins particulares, temos pontos comerciais e temos muita sujeira. Morre o jundu, morre os costumes... morre a gente! E agora já me vou, Zezinho. Fique em paz". Dei uma piscada e já não vi mais ninguém. Pode ter sido sonho mesmo.

quarta-feira, 21 de março de 2018

NOSSA MENINA

Nossa arte (Arquivo JRS)
Maria, nossa flor (Arquivo JRS)

Hoje,
Depois de 21 anos,
Comemoramos,
Como da primeira vez,
O aniversário da nossa menina, 
Da nossa querida Maria Eugênia.

Hoje, 
Tal como esse tempo todo
De todos esses anos,
Nós somos felizes
Por tão grande dádiva.

Hoje:
Menina-artista-mulher
Que tanto preza a justiça;
Cheia de talentos e esforços;
Maria, filha para sempre.

Nós amamos muito você!
Beijão nosso. Até.

terça-feira, 20 de março de 2018

É MENINO, LAURA!

Em paz (Arquivo JRS)


Agorinha mesmo
Um fio de lua se encontrava no céu.
A água, no borbulho de sempre,
Iluminada por vaga-lumes,
Me fez pensar no tempo
E imaginar a movimentação
Na madrugado distante do Sapê:
Mamãe nas dores
E vovó Martinha,
A sogra parteira,
Esperando a criança.
Na vizinhança só os galos cantavam,
Nem se importavam com a lua
Que era um fio no céu.

De repente...
As bravas mulheres se esqueceram de si:
Uma criança nasceu.

Hoje, um menino crescido envelhece;
Um pai e uma mãe zelam
Por suas crianças que estão na juventude.
O tempo passa...
A lua é ainda um fio de luz no céu
Esperando a chegada da outra luz,
Do mesmo sol que ouviu o choro
E a voz contente da vó:
É menino, Laura!

Agora, saio no terreiro;
Penso nos meus que dormem.
No céu, na direção do Corcovado,
Quase se escondendo de vez,
Ainda se vê a lua num fiozinho de luz.
Durmam em paz, minhas queridas!
Durma em paz, meu querido!
E viva a vida!

domingo, 18 de março de 2018

E FOI-SE O TERCEIRO CENTENÁRIO

Inaugurando o obelisco  em  30/10/1937 (Arquivo Ubatuba histórico)
A  mesma praça, por volta de 1960  (Arquivo  Ubatuba histórico)



Obelisco hoje (Arquivo Ubatuba histórico)


               Relendo nesta manhã o memorial descritivo do Terceiro Centenário de Ubatuba, comemorado  em outubro de 1937, cuja publicação se deu no ano seguinte pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, fiquei imaginando o portentoso evento para a época, analisando os caminhos e descaminhos pelas décadas seguintes, sobretudo as feições feias que sobrepuseram nos logradouros e nas instituições que tinham por princípios o desenvolvimento da cidade. Mais adiante veremos outros detalhes. Por enquanto, vejamos apenas o programa previsto e ocorrido:

               O programa da festa

               Dia 28 de outubro:  - alvorada pelas bandas de música de salva de 21 tiros pelos navios de guerra; às 10 horas, missa campal, celebrada pelo bispo de Santos e prédica pelo bispo auxiliar de São Paulo; às 18 horas, solene “Te Deum”, oficiando o sr. Bispo auxiliar, por si e pelo sr. Arcebispo, com alocução e propósito.

               Dia 29 de outubro:  -  às 8 horas, excursão ao Horto Tropical e almoço ao ar livre; às 14 horas, inauguração da Inspetoria de Caça e Pesca; às 15 horas, inauguração do Clube do Trabalho; às 16 horas, inauguração da Exposição Regional, falando o sr. Edward Gabriel da Graça, presidente da Câmara, pela cidade, e o dr. Antônio Paulino de Almeida, pela população do litoral; às 17 horas, inauguração das novas placas da cidade; às 20 horas, espetáculo de gala no teatro local.

               Dia 30 de outubro:  -  às 9 horas, demonstração cívico-patriótico, no grupo escolar “Dr. Esteves da Silva”, com distribuição de lanches às crianças uniformizadas e inauguração de uma placa em homenagem ao grande educador ubatubano, dr. Tomaz Galhardo; às 11 horas, prosseguimento da inauguração das novas placas dos logradouros públicos; à 11 horas, prosseguimento da inauguração das novas placas dos logradouros públicos; à 14 horas, inauguração do obelisco comemorativo, no centro da praça Exaltação de Santa Cruz, discursando o dr. José Torres de Oliveira, pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, de que é presidente, e o prefeito da cidade, sr. Washington de Oliveira, agradecendo; às 16 horas, inauguração de uma placa, com efígie, em homenagem ao dr. Gastão Madeira, pioneiro da aviação aérea e filho de Ubatuba; às 20 horas, grande banquete oficial, oferecido, em nome do município, pelo presidente da Câmara; às 22 horas, baile de gala.

sábado, 17 de março de 2018

ROSAS EM FAMÍLIA

As rosas (Arquivo JRS)


               Todo dia é especial quando nós temos uma família que muito nos orgulha. O que agora já soma quatro rosas, teve início em 1995, justamente no dia 19 de março. Um ano depois, em 17 de março, eu e Gal nos casamos. Em 21 de março do ano seguinte, fomos agraciados pelo nascimento da Maria Eugênia. Três anos depois, no dia 4 de fevereiro do ano 2000, Estevan completou a nossa felicidade.
             Hoje, comemoramos mais um aniversário do nosso enlace. Nossos pensamentos se voltam para a Maria e o Estevan que estão longe por conta dos estudos. E a luta deles é parte dos nossos compromissos e das nossas alegrias que se alimentam no mesmo tronco, na mesma roseira cuidada com todo carinho e responsabilidades que agora são de todos nós, da nossa família. Viveremos este dia intensamente, com muita gratidão pela vida e por tudo que construímos juntos. Estude, nossa Maria Eugênia. Estude, nosso Estevan. Estudem porque a Terra está confiada à lapidação da nossa cultura, da nossa sabedoria.

quinta-feira, 15 de março de 2018

AVOA JACUTINGA

Tio Chico Félix e o mano Mingo (Arquivo JRS)

Um tranquilo lagarto (Arquivo JRS)


               O título acima, de uma música sertaneja, cujo autor é Zequinha Torres, me fez recordar das manhãs na casa do vovô Armiro,  onde um rádio na parede nos despertava em suas toadas com letras muito próximas do nosso universo, com temas que conhecíamos bem ou que imaginávamos em seus detalhes, conforme o canto transcorria. A minha escolha se deu porque no meio dessa música tem uma parte que sempre me chamou a atenção. Diz assim:

     “Cada dedo uma memória/ Cada memória um retrato/ 
     Avoa  jacutinga/ Na divisa botou um ovo/ 
    Quem me dera estar agora/  Avoa jacutinga”.

            No tempo da minha infância, as caçadas tinham tempo certo, todos respeitavam a "época de crias" dos bichos e das aves. Nas serras, os ranchos ficavam sempre dispostos aos caçadores.  Era "Rancho de caçador". Caçar era atividade tradicional, fazia parte da nossa dieta. Não era atividade comercial. Os caiçaras, conhecedores das matas com seus carreiros e fruteiras, armavam seus mundéus, esparrelas, fojos, laços e outras armadilhas da tradição. E lá vinha paca, tatu, porco do mato, jacutinga, quati, jacu. Depois... os rituais, as regras para a perfeita higiene do animal, da ave abatida. Creio que a nossa fauna não era ameaçada de extinção porque as formas de sobrevivência variavam muito. Agora caçar é proibido por lei. Até acho bom, sobretudo porque os que não são originários deste espaço, “lugar sacrossanto” no dizer do finado Antônio Maior, não respeitam os ciclos, as épocas de crias. Os caiçaras novos nem sabem se virar no mato, sobretudo quando é noite. E os mais velhos, em seus desejos contidos... Assim observou o professor Diegues, “alguns caiçaras até têm um discurso contra a caça, mas o que nos parece é quase uma boa vontade de acreditar nisso sem necessariamente acreditar”.

               Avoa jacutinga! Sabe onde é o Morro da Jacutinga? É logo ali, depois de horas morro acima no Sertão do Patrício, na praia da Lagoinha. Provavelmente lá está ainda a Árvore do Tio Chico: trata-se de um pé de bicuíba, onde ele, num período de abstinência, passou dois dias e duas noites sofrendo porque não resistia ao poder da “mardita branquinha”. “Aos pés da velha bicuíba, me sustentei com folha de mato, meu filho!”. Não, não era um Buda em espera de iluminação, mas o resultado foi quase o mesmo.

               Cada memória um retrato... Do Tio Chico Félix em seus traços indígenas, dos meus antigos saindo na madrugada atrás de peixes, ou deixando a casa no serão, após um dia de trabalho, em busca do que caçar. E o que dizer do papai, após cada caçada, nos enviando com as porções de carne para os vizinhos mais próximos? Avoa jacutinga!

domingo, 11 de março de 2018

CUIDADO: URUPÊS MATA CRIANÇA

Orelhas de pau (urupês) num galho seco (Arquivo JRS)


               Nos tempos antigos, os caiçaras - resultantes do caldo cultural de indígenas, africanos e portugueses – se apegavam aos recursos da natureza de forma bem intensa. “O conhecimento que a gente tinha do mato e de tudo ao nosso redor era a nossa salvação”. Eu, trazido ao mundo pela minha vó Martinha, a parteira da região na época onde a única referência em medicamentos industrializados era a Farmácia do Filhinho, no centro da cidade, bem longe do local onde morávamos, certamente estou vivo porque nasci nesse ambiente, rodeado por conhecedores dos poderes, das propriedades das plantas.

               Meus antigos sempre tinham um chá de mato para nos oferecer. Era comum encontrar alguém carregando galhos, raízes e outras partes de plantas para ser usado como remédio. “É canema, meu filho, levo para o Totô que está adoentado. Pela feição dele, sempre aíbo... O coitado deve estar com o ventre cheio de vermes”. Qual dos meus irmãos não se lembra da velha panela da mamãe tampada sobre o fogão, sempre com um chá de alguma coisa para a gente beber durante o dia?

               A minha vó Martinha, por parte de pai, nascida e criada na praia do Pulso, sempre estava acudindo alguém: vivia no leva e trás de mato para fulano e sicrano. Quantas vezes eu não a acompanhei para ir ao mato buscar remédio!?! De foice ao ombro, lá se ia ela e o neto morro acima. Aprendi algumas coisas nessas convivências todas. Me vali em muitas ocasiões, para o meu próprio bem e de outros, desse conhecimento do mundo natural que me acolheu. Ainda me valho! Que bom, né?

               Hoje em dia, num mundo onde as farmácias e propagandas de remédios se tecem e se trombam, os conhecimentos, os saberes tradicionais vão se perdendo. Agora mesmo, por exemplo, me lembrei da tia Carmelina recolhendo urupês no início da década de 1970. Eles abundavam numa amendoeira seca, no jundu da praia da Fortaleza, perto da casa da tia Maria Tereza, onde nós brincávamos com o primo Claudinho. A titia recolheu um tanto daquelas “orelhas de pau” numa cesta de taquara e disse para a vovô Eugênia que a acompanhava: “É para a Maria do Dário, que está com anemia. O trabalho dela, se quiser se curar, é só mastigar e engolir. Depois toma uma caneca de água. Na semana que vem e na outra ela repete isso e pronto, vai se curar. Só as prenhas não devem usar urupês como remédio porque perde a criança. É preciso de ter cuidado então quando usar urupês”.

          "Urupês dá no pau seco, samambaia na umidade;
         É nos corações sinceros que se encontra a amizade".

             Que tal esta quadrinha da minha infância?

               Ah! Minhas reminiscências! Ah! Nossas raízes caiçaras!

sexta-feira, 9 de março de 2018

AS NOSSAS PROFESSORAS

Na margem do rio, o grupo escolar de Ubatuba (Arquivo Ubatuba )


           Uma mulher, ou melhor, duas senhoras batalhadoras (Olga e Valda) marcaram meus primeiros anos escolares. Depois, lógico, aprendi muito com a tarefa de outras pessoas que se dedicaram a ensinar aos caiçarinhas num tempo onde as adversidades eram outras. Porém, o respeito pelas pessoas e seus ofícios era outro. No caso das escolas isoladas, onde quem ensinava precisava caminhar bastante, enfrentar travessias marítimas e conviver junto à famílias caiçaras, havia uma integração marcante: professora (ou professor) participava das festas e dos momentos angustiantes, dava a sua contribuição nos encaminhamentos comunitários e vivenciava as mesmas condições que, geralmente, dependiam do tempo (chuva demais, estiagem duradoura, ventos fortes...). Ontem, ao ler o relato da Maria Angélica falando da “Ditinha” da Ilha dos Búzios, reconheço o quanto é importante ter acesso à escola, poder estudar sobre o mundo, adquirir os conteúdos, os conhecimentos que proporcionam autonomia. Lembro-me da minha avó dizendo que no tempo dela, há cem anos ou mais, não havia escola para as meninas. “Só os meninos podiam estudar, meu filho! A sala do tio Onofre era onde a professora ensinava. Ela morava com eles, era parte da família do titio”.


          Ontem pedi que as crianças escrevessem uma mensagem para uma mulher que elas amassem muito. Depois do exercício entregue, pedi que imaginassem essa mensagem não tendo mais destinatário, ou seja, suas mães, tias e outras mulheres admiradas demais não existiam mais, morreram queimadas numa fábrica com um patrão terrível, em péssimas condições de seguranças e condições ainda piores de trabalho (15 horas diárias em condições insalubres, exploração do trabalho infantil etc.). Elas sentiram então aquilo que eu senti quando a professora Olga, em 8 de março de 1970, usando a mesma estratégia, nos explicou a História do Dia Internacional da Mulher, destacando que “as conquistas das mulheres, que alguns ainda não respeitam e nem valorizam até hoje, está assentada em cima de muitos martírios. Custou vidas ter melhores condições de trabalho, de leis que garantem direitos e atitudes respeitosas. Se eu hoje sou professora de vocês, devo isso à sede de justiça e à convicção que tantas mulheres demonstraram pelo mundo afora em outros tempos”.


        Assim, pessoas como as professoras Olga e Valda, muito importantes na minha infância, ajudaram a desenvolver nos caiçaras daquele tempo sentimento de respeito, de consideração pelas mulheres. Elevaram a autoestima de minha mãe e de tantas mulheres simples que enfrentavam as adversidades no território caiçara. É por isso que me emocionei com a atuação da “Ditinha”, aquela mulher caiçara que está à frente dos pescadores do arquipélago da Ilhabela. Imagino quantas exemplares professoras deram a sua contribuição nas conquistas dessa mulher. Parabéns mesmo! Pobre da pessoa que desconsidera, que desvaloriza, que não tem nenhum respeito por quem, depois dos pais, é um farol para nossa rota com dignidade!
   

quinta-feira, 8 de março de 2018

8 DE MARÇO: 'DITINHA'

 Ao longo do tempo, as mulheres sempre lutaram por seus direitos. Na raiz do Dia Internacional da Mulher estão heroínas e mártires por todas as partes do mundo. A história da 'Ditinha' é mais um capítulo nas conquistas desses direitos e na contribuição da mulher à construção da dignidade humana. Nesta data tão significativa, a escritora Maria Angélica, de São Sebastião, nos brinda com este significativo texto. Parabéns, amiga! Parabéns a essa caiçara dessa ilha tão nossa! Força e sucesso nas lutas!



    
Ilha Bela...Ilha dos Búzios... (Arquivo JRS)
    
Ditinha (Arquivo MAMM)

      Em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, minha homenageada é a Benedita Aparecida Leite Costa, a “Ditinha”. Natural da Ilha de Búzios, no arquipélago de Ilhabela, onde mora até hoje, no Porto do Meio; é casada, mãe de dois filhos e já tem um netinho. Essa mulher, que poderia ter uma vida pacata, está à frente da Colônia de Pescadores de Ilhabela, na sua segunda gestão.
     Como presidente da Colônia representa atualmente 200 pescadores, ela que é responsável pela emissão das carteirinhas, autorização para vender o peixe, organiza o defeso. No momento a sua maior preocupação é com o preço e a qualidade do gelo e está tentando maiores descontos no combustível para os barcos.
     Em 2011 conseguiu, através da Casa da Agricultura de São Sebastião e Ilhabela, verba federal para comprar uma lancha Carbrasmar de 22 pés, para trazer o artesanato de bambu produzido atrás da Ilha, para vender às pousadas que fazem casamento de praia na Vila. Esse trajeto, que dura pelo menos uma hora, hoje está facilitando a vida dos moradores de comunidades tradicionais, que encontram no bambu mais uma fonte de renda.
    Para os pescadores de Ilhabela esse é um momento difícil por causa da fiscalização, que costuma ser severa com o pequeno pescador, quando deveria na verdade coibir as grandes traineiras que fazem a pesca de arrasto, essa sim que coloca a produção do pescado em risco.
     Ter à frente da Colônia de Pescadores, uma representante genuína da Cultura Caiçara é motivo de orgulho para todos nós.
        A Colônia de Pescadores “Senador Vergueiro” Z6 de Ilhabela, fica na Rua Dr. Carvalho 150, Vila/Ilhabela – Tel. 3896-2762.
(Fonte: O GUARUÇÁ)

terça-feira, 6 de março de 2018

A GALINHA E SEUS PINTINHOS

Nossas bençãos (Arquivo JRS)


               A minha mãe, por ocasião em que eu e o mano Mingo nos mudamos, fomos para a capital paulista trabalhar e estudar, em meados da década de 1980, me escreveu uma carta bem do jeitinho dela, cheia de carinho e de recomendações, onde num trecho assim dizia: “Eu gostaria de criar vocês como a galinha cria sua ninhada: todos em volta dela. Como isso não é possível, eu aceito os planos de vocês e fico aqui torcendo para que tudo dê certo. Só tomem cuidado com a cidade grande e procurem fazer tudo direito. Fiquem com as minhas bênçãos”. Muito tempo já se passou, mas passou muito rápido! A gente, no nosso caminho, se apaixonou, casou, teve filhos... Eles cresceram e agora seguem seus caminhos.

               É, mãe, não tem como criá-los como uma galinha cria seus pintinhos. Assim, eles fazem seus caminhos. Agora é a vez do Estevan: já está fazendo companhia à Maria Eugênia, na Universidade Federal de Juiz de Fora, em “terras das Geraes”.

               É, minha Gal: nossos corações ficam apertadinhos, mas eles são frutos do nosso amor, criados com o nosso carinho segundo nossas convicções. Por isso é que nossos filhos serão sempre a nossa maior razão para encarar os desafios de cada dia. As recomendações da Dona Laurentina (de tomar cuidado com a cidade grande e de fazer tudo direito) continuam valendo. Ah! A Maria e o Estevan são bons mesmo! Isso é mole pra eles!

         Maria e Estevan: fiquem com as nossas bençãos! Beijão. Até.

sexta-feira, 2 de março de 2018

ANO NOVO, MENTES NOVAS


    
Caiçaras em Emaús (Arquivo Luzia)

Baguari de Fora (Arquivo JRS)

               A cada ano escolar, desde o primeiro dia, eu me deparo com novas mentalidades, com pessoas sensíveis, mas muitas vezes incompreendidas. Pessoas questionadoras, com sede de entender e de contribuir para dar uma nova feição a este mundo.
               A cada acontecimento eu aproveito as oportunidades para repensar um monte de coisas. Às vezes também perco ótimas ocasiões por coisas nem tão necessárias à minha essência. Agora, convém dizer que um ser pensante e atuante tem de estar sempre atento às oportunidades. Por exemplo, num dia destes, vindo de ônibus de Caraguatatuba, encontrei um vendedor de óculos e de outras atrações da China. Era bom de prosa. “Eu sou da capital mundial da cachaça, de Salinas. É em Minas Gerais, conhece? Toda temporada venho para Ubatuba trabalhar nas praias. Hoje fiz a Tabatinga, depois fui pescar no brejo. Olha aqui”. E me mostrou um saco de peixes (tilápias, traíras, acarás e outros). Estava feliz: “Vendi uns duzentos contos, tomei umas cinco cervejas, pesquei bastante... agora vou para a casa do meu primo, na Estufa. Ainda vou preparar estes peixes para o jantar”. Perguntei sobre a família. “Eu tenho uma filha, ficou na minha cidade com a minha mulher. Ela não gosta que eu venha para tão longe trabalhar, mas aqui, agora, é a época de ganhar dinheiro. Por isso que eu venho toda temporada. Já faz quinze anos que faço isso”. E foi longe a prosa! Só sei dizer que, cavando uma oportunidade, ele afirmou: “Caiçara é preguiçoso, não gosta de trabalhar, mexe com drogas...”. E por aí foi. A minha interferência: “Eu sou caiçara, estou vindo de trabalhar, ainda demorarei uma hora para chegar na minha casa. Gente boa e gente ruim tem em todo lugar. Se caiçara fosse de fato ruim, coisa que não presta, você e tantos outros, ricos e pobres, nem entrariam no litoral, nunca estragariam este espaço, não deixariam a quantidade de lixo e de esgotos acabando com o nosso ambiente natural. Porém, de uma coisa eu tenho certeza: muitos desses que você conhece, que se autodenominam de caiçaras, não têm nada de caiçara. Quase sempre são filhos de migrantes, de gente que veio fugindo de situações difíceis de outras terras, que chegou pensando apenas em ‘se fazer’ em Ubatuba. Assim, destrói tudo, invade áreas, cava oportunidades ilegais e desleais para se aparecer como rico. E tem aqueles empreendedores, geralmente da área imobiliária, que vêm de cidades maiores. Eles estão fazendo de tudo para construir em todo e qualquer espaço, aumentando assim as suas reservas econômicas”. Falei mais coisas. Afinal... ele “cutucou a onça com vara curta”. Pobre coitado! Vida de miséria cultural e de miséria mesmo! Vir de outro estado, subsistir num subemprego, comer peixe de um brejo alimentado por esgotos e achar que está na vantagem de até desmerecer a cultura local!?! Eu não mereço isto!

               Que existência é essa, onde a aparência é a motivação da busca da felicidade? Eu me lembro de Tagore, o escritor indiano, chamando a atenção: “O Ocidente parece ter orgulho de imaginar que está subjugando a natureza; como se estivéssemos vivendo num mundo hostil e precisássemos arrancar tudo o que desejamos de uma relutante e estranha ordem das coisas. Tal sentimento é produzido pelo hábito e treino da mente da cidade amuralhada. Com efeito, na vida citadina o homem naturalmente dirige a luz concentrada da sua visão mental para sua própria vida e obras, e isso cria uma dissociação artificial entre o homem e a Natureza Universal em cujo seio ele vive”.
               Conforme o Ivo (Storniolo), “educar não é reprimir, mas, ao contrário, exprimir, liberar. Também não é imprimir, mas, ao contrário, fazer brotar, fazer emergir. Menos ainda seria formar, impondo uma forma; ao contrário, seria desentranhar do mais fundo do ser a sua forma. Com efeito, o verbo educar vem do latim educere, e significa tirar fora, levar fora, extrair, desentranhar a forma humana de dentro do próprio homem, extraindo e revelando a sua própria e íntima essência”. Assim, bem- vindo mais um ano escolar! Bem-vindo Briet, Allan, Geice, Egléia, Napoleão, Gabriela, Luiz, Alecsandro e tantos outros que, nos seus comentários, me permite repensar minhas práticas! Enfim, vamos seguir o conselho daquele escravo na Roma Antiga, o tal de Epicteto: “Empenhe-se em despertar o que há de melhor nos outros, sendo você mesmo uma pessoa exemplar”.