sexta-feira, 23 de março de 2018

A ESTRADA E O JUNDU

Jundu da Barra Seca  hoje (Arquivo JRS)

Jundu da Praia Grande - 1977 (arquivo Ubatuba histórico)

Jundu da Praia Dura - 1974 (Arquivo Ubatuba histórico)

Jundu do Ubatumirim - 1975 (Arquivo Olympio Mendonça)
          Dias desses me aconteceu uma coisa que não sei dizer se foi sonho ou se aconteceu mesmo. Não sei mesmo! Foi assim: debaixo de um velho abricoeiro, onde tantas vezes encontrei minha gente recolhendo frutos para fazer ceva (um recurso para atrair animais e caçá-los), me apareceu um senhor, dos antigos. Logo foi me cumprimentando e perguntando por papai e mamãe: "Eles estão bem? Sabe que eu conheci o seu pai bem criança? Da Caçandoca, onde nasceu essa parte dos Félix, descendentes daqueles três irmãos que vieram há muito tempo de Ilhéus, da Bahia, a família do seu avô Estevan se mudou para a praia do Pulso, mais tarde foram morar no Morro do Cemitério, onde nasceu mais duas crianças; depois se estabeleceram no Sapê, onde o Velho Garcêz deixou a posse e se mudou para Caraguatatuba. Nesse tempo, a minha família morava no jundu da Lagoinha, mas o lugar dos roçados era no morro. Naquele tempo era fartura de peixe! O vizinho mais perto era o Agostinho, que hoje tem o seu nome na escola das crianças, na beira da estrada. Na época em que chegou essa estrada, também começou a chegar gente querendo a nossa terra: se diziam turistas, gente de cidade grande; suas falas eram bonitas, ofereciam valores que parecia ser muita coisa; diziam que a nossa situação iria melhorar, pois poderíamos comprar de tudo que estava aparecendo, desde panela de alumínio e fogão à gás, até armários de portas de vidro. Papai decidiu a nossa saída do jundu, fomos para o sertão, um lugar onde a gente só ia quando caçava. mamãe dizia que era terra de onça. Para encurtar esta prosa: deixamos nossos lugar, nosso rancho de canoa e nossos varais de rede e fomos morar espremidos. Mais gente fez a mesma coisa, tomou a mesma decisão. Aquele que não vendeu por bem, foi forçado mais tarde porque inventaram outros documentos sobre suas posses ou criaram impostos que só os ricos podiam pagar a cada ano. E teve os casos de violência mesmo, do tipo do jagunço Zé Palmeira, nas praias da Ponta Aguda e Lagoa, que dava tiros, jogava cavalo sobre os pobres caiçaras, deixava umas cabeças de gado invadirem os roçados da nossa gente. Agora me arrependo, meu filho. Veja só o que é o jundu? Cadê tudo aquilo que existia nessa faixa? No lugar de espaço aberto, de todos, temos muros e jardins particulares, temos pontos comerciais e temos muita sujeira. Morre o jundu, morre os costumes... morre a gente! E agora já me vou, Zezinho. Fique em paz". Dei uma piscada e já não vi mais ninguém. Pode ter sido sonho mesmo.

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