quarta-feira, 31 de julho de 2013

VEIO VIVER E MORRER NA PRAIA


Foto: Descanse em paz amigo que Deus te guarde e te de a Paz eterna . Meus sentimentos a familia .
Em 1993, na Escola Aurelina (Estufa- Ubatuba), a diretora Maria Josefina Giglio conversava com um jovem, recém chegado de Minas Gerais. O nome dele era João. Morava e trabalhava em obra, na Praia da Lagoinha. Clemente, um caiçara do Sapê era o seu patrão. Ele explicava que ainda não tinha dezoito anos, mas viera parar em nossa cidade em busca de trabalho e querendo continuar os estudos, pois no seu lugar de origem não havia possibilidades de ir além do quarto ano primário. Sendo assim, não tinha ninguém para assinar a sua matrícula escolar. A diretora ficou emocionada por mais alguns aspectos do relato daquele jovem, pensou poucos segundos e ela mesma foi até a secretaria e se tornou a responsável pelo novo aluno. Mais tarde o João me confessou: “A dona Josefina foi como uma mãe para mim”.
O João, após cada dia como servente de obra, viajava quase vinte quilômetros para chegar à escola. No curso para adultos,  foi sempre um aluno exemplar, mesmo tendo dificuldades. Na assiduidade e no cumprimento das tarefas era nota dez!  Lembro-me uma ocasião, mesmo tendo se acidentado (se queimou fazendo comida) não deixou de ir nenhum dia às aulas. Seus colegas daqueles anos escolares (Maria dos Anjos, Osmarina, Cristiano etc.) certamente nunca o esquecerão. Depois foi fazer o Ensino Médio na escola Capitão Deolindo. Findada mais essa etapa, deu um jeito de conseguir um trabalho em São José dos Campos para poder continuar os estudos. Lá fez enfermagem.
Após terminar o curso, retornou a Ubatuba, conseguindo emprego no Posto de Saúde do Ipiranguinha. Que prazer era vê-lo trabalhando e convivendo tão bem com as pessoas! 
Na última conversa que tivemos, ele tornou a relembrar a sua saga de mineiro em busca de melhores condições de vida. “Nunca me esqueço de como eu fui acolhido e apoiado pela dona Josefina”. E acrescentou: “Eu devo muito à escola e aos professores. Agora estou estudando em Taubaté. Não sei como as pessoas não querem estudar!”. Como seria bom se todos pensassem assim e seguissem tais exemplos!
A amizade com o João - desde o tempo de convivência nas obras, nas escolas e no bairro - passou como um giz na lousa. E, aquela conversa, na Barbearia do Tião, foi a nossa última conversa. Dele, desde ontem, fica entre nós a lembrança de alguém esforçado, honesto e verdadeiro amigo. Meus pêsames aos familiares. 

terça-feira, 30 de julho de 2013

PROMATA

         
Sabiá-laranjeira, ave-símbolo do  Estado de São Paulo. De Ubatuba é o tangará. (Arquivo JRS)
            Bem-vindo Joaquim C. Neto!


De repente, no Bairro do Sertão da Quina, dos filhos daqueles caiçaras que foram criados com ensopados de passarinhos, surge um grupo que, além de outras frentes de ação, também observa os pássaros: o PROMATA (Associação de Moradores para a Recuperação e Preservação da Mata Atlântica). Até os velhos caçadores vão sendo atraídos pela nova proposta de interação com a natureza!

No ano passado a minha prima Cláudia Félix nos apresentava:

Promata é uma associação de base comunitária, que se encontra em fase de formação e desenvolvimento, tendo como objetivo a promoção de atividades sustentáveis para a garantia da identidade cultural dos povos, do desenvolvimento socioeconômico e da preservação do meio ambiente. Buscando de forma conjunta a promoção e o resgate do etnoconhecimento (conhecimento nativo), etnoproteção (proteção tradicional do espaço socioeconômico e ambiental) através das atividades culturais, religiosas, históricas, gastronômicas, tradicionais e sócio ambientais, educacionais e de pesquisa.

De lá pra cá muita coisa aconteceu; muitos pássaros e outros seres foram fotografados, registrados e apresentados a espectadores do mundo por esse pessoal maravilhoso. É isso aí! O nosso lugar tem imagens estupendas! Os animais e os pássaros da Mata Atlântica precisam desse espaço e de uma nova consciência para continuarem embalando as suas e as nossas vidas! 

Quer participar? A sede da PROMATA é na rua Manoel Gaspar dos Santos - Sertão da Quina, antigo posto de saúde.
          Ah! Ela também está no facebook!

domingo, 28 de julho de 2013

COMO É BOM COÇAR!


Pedras e água salgada para as frieiras.  Prainha do Góis.   (Arquivo JRS)


Quando éramos crianças, só vivíamos descalços, correndo desde as costeiras até os morros. Acho que não existia caiçara de pés que não fossem cascudos e rachados. Disto veio o nome artístico do saudoso João de Souza, o nosso Poeta do Pé Rachado. Porém, uma doença era comum: a frieira. Era uma micose brava; atacava geralmente entre os dedos dos pés. Pelos terreiros, mais entre as bananeiras, encontrávamos uns vermes minúsculos que andavam em montes, uns escorregando sobre os outros: eram os bichos-frieira. Em tempo: na década de 1970, o doutor Francisco Jeronymo Salles Lara, patrão do meu pai, um pesquisador da USP (Universidade de São Paulo), pagava aos caiçaras por esses bichos e levava para estudá-los. Também recompensava os coletores de folhas para alimentar os tais bichos. A minha curiosidade me fez pesquisar a respeito disso:

A Rhynchosciara americana é uma espécie de mosca. Trata-se de um inseto díptero encontrado em regiões litorâneas brasileiras. Durante grande parte de sua vida apresenta-se em forma de larva. Um mesmo cruzamento de Rhynchosciara resulta em cerca de 250 a 400 larvas de um único sexo que se desenvolvem sincronicamente, até formarem um casulo comunitário dentro do qual sofrem metamorfose e chegam então à fase adulta, virando moscas. A Rhynchosciara se alimenta de fungos e contribui para a decomposição de matéria orgânica no solo. É um inseto que não está relacionado a nenhuma transmissão de doenças e, erroneamente, é relacionado à transmissão de frieira. Assim, no litoral de São Paulo, por exemplo, a espécie chamada popularmente de “bicho da frieira” foi quase extinta, pois a população nativa queima os grupos de larva equivocadamente. (Fonte: Wikipedia). 

     Tai! nós demos a nossa contribuição para a ciência! Quem quiser saber mais pode buscar nos artigos científicos; fazer bom uso da internet. 

A frieira era algo contraditório porque a coceira era desesperadora e prazerosa ao mesmo tempo. Só se parava de coçar quando começava a sangrar. Talvez por isso que o meu avô Armiro, quando perguntávamos a respeito de um casal tão desigual (exemplo: ele extremamente feio e ela bonita demais), ele logo respondia: “Quem há de resistir quando a comichão sentir?”. Nas pedras das costeiras, salgando com águas constantemente, estavam os melhores lugares para castigar as frieiras.

Mais tarde, aprendendo no colégio sobre o movimento por nome de concretismo, poesia concreta etc., escrevi a... 

COCEIRA CONCRETA

Meu dedo passa discreto,
Forma na parede mofada
Um sinal refletido pela luz:
Não é pretexto, nem texto;
Não é alguém, nem ninguém;
Não é você, nem você é.

Agora olho...olho...
Não vejo nada!

A vela chegou ao fim;
Na lamparina não há querosene;
Da lua nenhuma claridade chega,
Pois a “cheia” tá longe.

Então vai chegando:
Uma madorna,
O sono pesado
...E o ronco indiscreto.

Meu dedo coça,
Desliza sobre o corpo;
O cansaço da posição me agita.
Um galo quebra o encanto
Do meu discreto acalanto.

Eu sinto...Sinto muito!

sábado, 27 de julho de 2013

POESIA ALTERNATIVA



Banquete no quintal.   (Arquivo JRS)

Em 1993, um grupo de pessoas se reunia frequentemente, em Ubatuba, a respeito das questões ambientais e culturais. Lógico que a maioria deles não era desta cidade, mas queria dar  sua contribuição para tornar o nosso lugar melhor. De vez em quando, em torno de uma mesa de bar, alguns rascunhavam textos e poesias. Eu fui guardando zelosamente algumas. Hoje escolhi uma dessas escritas pelo Jacson, Luci e Paúra. Nem sei por onde anda esse pessoal, mas torço para que estejam bem e vivendo melhor ainda! 

Quando cheguei ao litoral, fiz bem e fiz mal.
Ver e ter a certeza dos fatos da destruição.

Não sei se estou destruindo ou ajudando...

Cadê a Congada, as festas da região,
A mesa farta, o sorriso, o peixe e o pão?

A mata, 
Que há muito tempo não é mais virgem;
A natureza linda, 
Mar, matas, animais...

E o Homem.

Este ser exige respeito pela sua gente,
Sua terra, 
Seus costumes
E seus sonhos... 

Fica uma pergunta 
Sem respostas definitivas:
Estamos mudando o rumo 
E a cultura de um povo?
Todo tempo cheirando, comendo.
Bebendo, matando a mata 
Em seu equilíbrio natural.

Viver.

Como servos trabalhando em sua própria terra;
Como pássaros engaiolados no sistema dos outros;
Como um rio com medo de chegar à foz.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

MEMÓRIA E RESISTÊNCIA

"Ainda assim faz-me lembrar de tanta gente e da nossa vida". (Arquivo JRS).

Completando um ano de falecimento da tia Astrogilda, penso no tio Silvário, no Toninho e nos demais familiares.  Essa minha gente está espalhada pelo território caiçara, desde a Baixada Santista até Ubatuba. Nessas alturas da globalização, pode ser até que algum descendente já esteja no estrangeiro. Vai saber! 

Nós somos da área agora denominada Quilombo Caçandoca; nossos antepassados se criaram por ali, antre o Pulso, a Caçandoca e adjacências. Muita gente, devido a especulação imobiliária a partir de 1950, sofreu horrores nesta referida área. A saudosa tia Astrogilda, “filha do tio Anastácio do Pulso, que morreu ainda novo, deixando as filhas ainda crianças”, foi um marco nessa resistência. Sempre estava presente, junto com o esposo, nas reuniões a respeito das terras da Caçandoca.

A minha memória registra as falas da titia a partir de 1970, do tempo em que a família morava na Praia da Enseada, onde, “no terreiro, do lado da porta da sala, tinha um pé de cravo-da-índia maravilhoso!". Por perto deles morava o Sebastião Giró (Giraud) e outros antigos do lugar. Os primos eram colegas de escola, no Perequê-mirim. “Cedinho iam a pé naquela distância...Nunca faltavam às aulas”.  A tia Astrogilda nunca conseguiu esquecer as ações violentas sofridas na Caçandoca. Os jagunços fizeram coisas terríveis às famílias dos pobres roceiros e pescadores:


“Olha, o que eles puderam judiar de nós, eles judiaram mesmo. Nós tínhamos um ranchinho lá em cima do morro, com aviamento de farinha. Tinha tudo lá, né. Nós morávamos na praia, não tinha lugar para plantar porque tudo era capoeira rala, tinha muita saúva. A gente fez a roça lá em cima, levava tudo e ficava lá a semana toda. Fim de semana a gente descia pra praia. Quando chega um dia, nós descemos na sexta-feira, chegamos cá e tinham acabado com tudo. Tinham cortado o cafezal, cortado a bananeira, cortado tudo. Mas acabou. Tinham roubado a casa, tinham entrado pra dentro. Eu tinha bastante peixe em casa, peixe salgado, peixe seco. Eles jogaram tudo fora, jogaram as minhas panelas, todas elas fora. Não sobrou uma panela pra mim cozinhar. Quebraram, amassaram”.



Creio ser importante manter a memória da tia Astrogilda e de tantas pessoas que foram a base da nossa cultura. Os descendentes precisam ter consciência de como se deu a perda do nosso espaço e das alterações muitas vezes danosas a tanta gente.

  Na Praia do Pulso, hoje um espaço bem vigiado para garantir a paz dos ricaços que lá construíram seus oásis, foi onde a vó Martinha, a tia Astrogilda e tantos outros se criaram. Tudo era muito bom até...


“Quando chegou um belo dia, o inglês chegou lá, mandando a gente sair, desocupar porque a terra era dele, mostrou o papel, sabe? E aí tinha que sair todo mundo. E foi saindo, todo mundo, todo mundo. Nós ainda birramos e fiquei ainda. Quando chega depois ele chega e manda sair, porque ele tinha comprado as terras e precisava das terras e que nós procurasse lugar. Eu com aquela ninhada de filho, meu Deus, não sabe o que passei. Com a ninhada de filhos, todos pequenos, não tinha ninguém para ajudar. Tudo o que a gente tinha era lá, era roça, era criação, era tudo”.

     Por fim, já vivendo seus últimos dias no Bairro do Morro das Moças, aos pés da Serra do Mar, disse a titia:

       "Ainda assim faz-me lembrar de tanta gente e da nossa vida".

Quer saber mais? Leia o texto Por que chora a juriti?, do mano Mingo.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

O HOMEM DO BARRANCO



No Sul, assistindo a Dança da Fita, lembrei-me dos caiçaras do Itaguá. (Arquivo JRS).


No final de semana passada, na casa da dona Gertrudes, uma das nossas matriarcas caiçaras, aconteceu o tradicional almoço com a Folia do Divino, onde a tainha seca não pode faltar. Longa vida  a esta caiçara da Praia das Toninhas!
 
A minha amiga Fátima de Souza, natural da Praia do Itaguá (Ubatuba),em 1995,  nos deu o belíssimo texto.

São momentos e registros que permitem saber da tradição ubatubana de outros tempos. Devem ser partes da nossa memória!

Pé de manacá florido na porta da sala da casa da Praia Dura, onde meu avô morou até ser vítima da ganância imobiliária, denunciava época de festas.
Como não havia capela no bairro, as comemorações do padroeiro São Pedro aconteciam sempre na casa do festeiro, escolhido no ano anterior. Os preparativos iam de vento em popa. A novena do santo já estava acontecendo. Mulheres, homens e crianças se colocavam em alerta para ajudar a descascar mamão para o doce, fazer melado, puxa-puxa, e, reforçar no forneio de farinha. A tainha seca (Quinhão do Santo) aguardava sobre o fumeiro seu momento certo a ser preparado com abóbora, sem falar na panelada de pedaços de galinha gorda para serem cozidas no feijão. Agulhas e linhas davam retoque final nas roupas a serem exibidas. Os cabelos tratados com chá de alecrim.
Para cima do barranco, atrás da referida casa, passava a estrada. Quero dizer: a estrada passa até hoje; a casa é que não está mais lá. Tem uma reta seguida de uma curva. Subida para quem vai de Ubatuba para Caraguá (e descida para quem vem de lá, é óbvio).
A segunda-feira era comum. As lavadeiras, de saia amarrada na lateral do corpo, perto da coxa, batiam suas roupas na tábua cheia de espuma de sabão de cinza. As galinhas comiam mandioca socada na pedra. Crianças alvoroçadas brincavam no quintal. De repente, fez-se ouvir um barulho ensurdecedor, abatendo a rotina do bairro. Todos que por ali estavam e ouviram pensaram que era o fim do mundo. Meu avô que remendava rede perto da janela largou tudo e correu para o possível local do barulho, para saber o que aconteceu.
Pesarosamente, um caminhão vindo da cidade vizinha perdera o controle e capotara junto ao barranco, na perigosa curva. O motorista faleceu. Não aguentou tantos ferimentos. Naquele tempo tudo era mais difícil. Então o inspetor de quarteirão tivera que usar seus préstimos, tomando todas as cabíveis providências. Era meu avô sempre admirado pelos demais pela sua destreza e coragem em tal situação.
O dia da festa chegou. Apesar de sua mulher (meu avô havia casado de novo) pedir, implorar, para que ele não fosse à festa, pois ela estava grávida e não queria ficar sem ele por perto. Não houve jeito. Meu avô não deu ouvidos. Ia ter Ciranda, Xiba, Cana-verde a noite toda. É ruim de ele perder, hein! Além disso, uma autoridade no bairro como ele, sempre tem presença confirmada.
E lá se foi ele para a Festa de São Pedro. Dançou até quebrar o tamanco de pau de laranjeira. A lua esbranquiçada caía para o meio do céu. Colocou o chapéu na cabeça; era hora de ir embora.
No caminho, ao se aproximar do barranco, coisa de alguns metros, sentiu-se quase que petrificado. No mesmo local do acidente, estava encostado a sorrir para ele o mesmo sujeito morto alguns dias antes. Foi “pequena” a corrida! O inspetor correu tanto que até perdeu o chapéu.

Observação: eu grifei as palavras e passagens que merecem ser pensadas e entendidas no contexto caiçara.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

QUEM FOI ELA?


Praia da Enseada  (Arquivo JRS)
Sempre tem alguém mais interessado em algumas coisas, em pessoas da nossa terra (Ubatuba). Há casos em que o óbvio não é nada óbvio. Exemplo: poucos sabem quem é Idalina Graça, a mulher que nomeia pelo menos duas escolas no município. Creio que a culpa é, primeiramente, dos gestores escolares, pois eles são os primeiros responsáveis a justificarem a denominação dos estabelecimentos. Mas não cabe agora se demorar nisso; é uma questão de zelar pela memória para poder manter e cultivar uma identidade. Já disse o professor Jung Mo Sung: “Sem memória ninguém propõem nada; só copia”.
Idalina do Amaral Graça nasceu na Ilhabela, mas logo cedo foi trabalhar em Santos, onde conheceu o futuro esposo Albino Graça. Dizia que frequentou a escola por apenas dois anos, mas tornou-se um leitora voraz.
No ano de 1930, o casal resolveu vir para Ubatuba, a terra de Albino. Moraram pouco tempo na Praia da Enseada; logo vieram para o centro da cidade, onde cuidavam de um hotel na Praça da Matriz. Depois, parceladamente, tornaram-se proprietários deste. Os dois se entregavam de corpo e alma ao trabalho, cabendo a ela, entre outros, o trabalho na cozinha. Era onde, entre os espaços nas tarefas, ia anotando os pensamentos e as histórias que ouvia.
Idalina Graça, então, tornou-se escritora graças à sua capacidade de escutar, refletir e escrever acerca do mundo caiçara. Por coincidência, um jornalista (Willy Aureli), seu hóspede numa ocasião, descobriu seus escritos devidamente datilografados pelo amigo Filhinho (da farmácia) guardados numa lata de biscoitos. Impressionado pelo teor dos textos, Aureli foi o responsável pela revelação da “Solitária de Iperoig” ou a “Escritora iletrada”.
Graças ao apoio do amigo e prefeito Francisco Matarazzo editou o primeiro livro: Terra Tamoia. Depois veio o seguinte: Bom dia Ubatuba. O seu falecimento ocorreu em 29 de junho de 1979, quando trabalhava em seu terceiro livro.
Hoje, passando defronte à casa de Idalina, tão abandonada na Rua Dona Maria Alves, penso: 
“Quantos sabem disso, da mulher que deixou registrado um pouco mais do povo caiçara? Será que as escolas cultivam o ser e o fazer literário tão imprescindível para a civilização?”.
Ideal seria concretizar algo em torno dessa mulher que, no dizer de Willy Aureli, “está um esforço de alguém que não estudou, não conheceu autores, e que escreveu livros, palavra por palavra, juntando-as para formar sentenças, frases, episódios, de forma escorreita, assimilável e amiga!”.

domingo, 21 de julho de 2013

BALAIOS E TURISMO

Viva a cultura brasileira! (Arquivo JRS)

Os meus avós sabiam fazer balaios, samburás, peneiras e tipitis. Aprender tudo isso, além de ser natural, ocupação rotineira,  era uma necessidade para acondicionamento e transporte. “Pegue um ovo ali no samburá, menino”. “A mandioca lavada deve ficar no balaio grande”. “Agora, leve o tipiti para a prensa”.  

A matéria-prima “estava na porta". O mato era farto de cipó e taquara. 

Eu sei fazer alguma dessas coisas por achar bonito e para perpetuar um conhecimento que é parte da cultura caiçara. Ao avistar alguém com um cesto, sei reconhecer o bom acabamento. Melhor ainda é poder sentar perto de quem trabalha com isso e já entabular uma prosa!

Nas Serras Gaúchas, bem no centro das principais cidades (Nova Petrópolis, Gramado e Canela), tive o prazer de ver como é valorizado o homem que permanece ligado ao mundo rural. Os Centros de Culturas, bem diferentes de barracas fuleiras, de puxadinhos, são bem montados e permanentes, têm fornos e fogão à lenha, decorações adequadas, amplos espaços para produção e exposição etc. Atraem turistas e valorizam as pessoas. De repente, já estou de prosa com o “seo” Oliveira, reparando o trançado e admirando a ligeireza das rudes mãos. Ao seu lado está sua esposa apresentando um delicioso vinho caseiro. Esses colonos trouxeram lembranças dos meus avós, de tantos caiçaras que se espalhavam pelos terreiros, entre taquaras e cipós. São os nossos laços com a cultura caipira, a nossa cultura irmã.  

Será que, na nossa cidade e em tantos lugares deste Brasil, isso não pode servir de exemplo?

        E, como já disse alguém:

    "Viva a globalização! Viva todas as culturas! Mas vamos defender a nossa cultura que é muito importante!"

sexta-feira, 19 de julho de 2013

OUTROS LUGARES

Lindas flores, bem cuidados jardins!

Aproveitando as férias escolares, eu e a minha família fomos conhecer outros lugares, ver as novidades e desfrutar das belezas deste imenso Brasil. Que beleza são as Serras Gaúchas! Isto é nosso, pessoal! É patrimônio nacional!
Viajar é muito bom! Melhor ainda é contemplar a natureza e as formas engenhosas que o homem descobre para atrair turistas para as suas cidades!
Uma dessas formas é o trabalho com a cultura: apresentação das danças e músicas populares, da gastronomia e das vestimentas tradicionais dos locais etc.  Também o estilo arquitetônico, a escolha dos materiais para pavimentação, os jardins bem cuidados nos enchem os olhos. 
E o que dizer do nível de civilidade que acaba cativando a gente? Existem banheiros públicos decentes, mantidos limpos, gratuitos; ninguém joga lixo pelo chão; motoristas respeitam faixas de pedestres; pessoas andam tranquilamente pelas calçadas; não se avista pedintes pelas beiradas das casas ou dormindo em chão frio. Ah! Poluição visual e infernização auditiva passam longe!

A convicção que não cala: 

Se tais cidades já conseguiram alcançar tal nível, nós também podemos!

quarta-feira, 10 de julho de 2013

QUE DISPOSIÇÃO!



      
        Só para a maioria dos moradores de Ubatuba:

       Apresento-lhes o frei Vitório Infantino, o religioso católico que criou o Lar Vicentino para acolher os idosos desamparados. Dele é também a Casa de Emaús, um lugar para retiros espirituais no bairro do Sertão da Quina. Fantástica a atuação desse italiano em Ubatuba na década de 1970! Estive com ele na semana passada, no município de Jambeiro, próximo de Caçapava, onde se empenha num trabalho com crianças portadoras de deficiências físicas. Longa vida a esse homem tão caridoso é o que eu e muitos desejam!
     Em tempo: agradeço ao Júlio Mendes pelas fotos recentes.

terça-feira, 9 de julho de 2013

O EZEQUIEL MUITO NOS ORGULHA

     Ezequiel dos Santos, natural e morador do Sertão da Quina, sabiamente motivado pelo editor Emílio Campi, tornou-se uma referência na descrição de nossas belezas naturais e culturais. Hoje, encontrei uma matéria que vale a pena apresentar ao público. Valeu, Ezequiel!

Canto da Maranduba: belezas e encantos de um passado glorioso
Canto da Maranduba
Canto da Maranduba
       Sabe aquela peça que fica jogado no canto da casa que qualquer dia deste você pega e começa a descobrir que é interessante que realmente você não sabia nada sobre esta peça? Pois o canto da Maranduba é assim: como uma peça jogada no canto da casa, que só quando desperta a curiosidade é que descobrimos seu valor. O local é ideal para quem gosta de aventuras e de sossego ao mesmo tempo, principalmente para quem está com crianças ou é inexperiente no quesito mergulho, pesca de vara ou até mesmo caminhar sobre as pedras. 



      O canto da Maranduba pode ser alcançado por dois lados. Um pode ser caminhando na praia até o rio Maranduba (tem de atravessar a barra do rio). O outro é pela rodovia SP-55, depois entrando pela estrada que dá acesso ao Quilombo da Caçandoca entrando a segunda à esquerda. As duas opções são interessantes, de um lado a tranquilidade da caminhada, o sossego das ondas, de outro lado o movimento, o barulho dos barcos das garagens náuticas, movimento de pessoas pescando nas pedras das laterais do rio, tratores das garagens náuticas, pescadores e profissionais que prestam serviço ao setor náutico. Parece que o visitante tem a opção de atravessar duas paredes: uma urbana, que é barulhenta e outra rural que é a da contemplação e sossego.
Canto da Maranduba
Mesmo com as mudanças realizadas pelo homem, a beleza do local permanece como há 50 anos.
     Do lado silencioso impera o som das ondas batendo nas pedras. Quando a maré está baixa e vazia é possível apreciar duas pequenas praias, que parecem ser particulares. O clima de aventura é natural, já que a mata nativa, porém não primária alcança a areia. O ar de desbravador fica ainda mais claro nas crianças. É fácil descobrir o porquê, tendo à frente o mar, as ilhas e toda a baía. Do lado esquerdo o rio que desemboca no mar, a continuação da praia que vai até a Lagoinha e as pessoas se deliciando do outro lado. Ao fundo a continuação do rio, as marinas, os barcos de pesca cheia de histórias. Do lado direito a mata, as areias que se misturam às pedras, a ponta do continente que quase alcança a ilha, tudo isso num só lugar onde os olhos alcançar em todo o redor. Neste último lado é possível encontrar troncos de árvores e restos de matas que ficaram à deriva e resolveram parar por ali. 



     Os mais atentos podem fazer das pedras um pequeno aquário; é que muitos seres vivos moram por ali, tantos os de água quanto os que sobrevoam a baía. Muitos destes seres são inofensivos, mas todo o cuidado é pouco. Por vezes é possível avistar pegadas na areia de algum animal terrestre que resolveu descer da mata e se arriscar em algumas braçadas na praia.
       O local, segundo os antigos, já foi palco de muitos encontros, quer seja pela pelo amor ou pela dor. Eram por ali que as pessoas iam à Caçandoca e as demais praias, ao cemitério, e as casas dos moradores daquelas bandas. Na maré cheia as canoas de voga transpunham a barra para o delírio dos moradores; já traziam as vezes muitas novidades e notícias de fora. Lá era o local da escola da vida, eram trocados várias informações sobre tudo. Ponto de referência para ir a todos os lugares. Muitas vezes tinham de esperar a maré baixar para atravessar a boca da barra. As pescas começavam por aquela região. No caminho atual (estrada) ainda é possível ver na lateral a trilha que dá acesso ao canto desta praia. O local possuía tanto alimento que não precisava ir longe para buscar o almoço.

Visualizar Canto da Maranduba em um mapa maior
       Poluição era coisa que ninguém sabia o que era. As mulheres “catavam” sapinhaoá, corondó, pregoava, saquaritá, guaiá, siri, santola, rosquinha, preguaí (que as crianças guardavam para brincar de escravos de Jó), marisco e pindá. Não era raro pegar lagostinhas no rio que descia ao lado do cemitério. Claro que era o suficiente para a alimentação da família e tudo de acordo com o calendário natural. Os homens pescavam o suficiente para salgar o peixe, já que era a única foram de guardar o pescado fora de época. A fartura era uma benção, segundo contam. Quando não caçavam, pescavam. Quando não podiam fazer nenhum dos dois, plantavam, quando não isto, coletavam. Quando não podia nenhuma das opções, comiam as reservas guardadas. 



       O rio era tão largo e fundo que era necessário uma balsa para atravessá-la. Depois a transfiguração pelo desenvolvimento a qualquer preço mudou esta realidade. Mas ainda é possível ver o charme deste canto, lá é possível mergulhar com snorkel e observar as belezas submersas, principalmente às crianças e os iniciantes, tudo observado por alguém responsável e experiente. 

      Local ideal para várias fotos dentro e fora d'água, trata-se, pois de um dos pontos mais ricos do passado e que goza de deliciosas férias no presente e no futuro quem sabe servirá de exemplo de beleza, sossego, tanto aos animais quando aos homens da terra que irão querer matar a saudade do que é a natureza viva e intacta, parte do seu sangue e da sua cultura. (Fonte: Jornal Maranduba).

EZEQUIEL DOS SANTOS

segunda-feira, 8 de julho de 2013

JOSÉ ALMIRO

Rancho no jundu (Arquivo JRS)

        O mano Mingo, recordando da nossa família e da nossa infância na  Praia da Fortaleza, sempre está produzindo poesias. Esta, em memória do vovô e das redadas comunitária, faz parte do livro Peixe-palavra. 

Meu avô era rico
com três canoas veteranas
e uma rede de arrastar
curtida na casca da aroeira
pra não se estragar.
Uma vez por semana
tocava o búzio
chamando companhia
pra participar da pescaria.
A rede era arriada distante
algumas centenas de metros
e quando a canoa aportava,
homens, mulheres e crianças
puxavam os cabos.
Os mais velhos,
ao experimentar o peso da rede,
com antecedência
se riam ou se lamentavam.
Mas sempre tinha
peixes bons, estrelas do mar,
tartarugas,peixe-elétrico,
caranguejos,camarões,
baiacus para coçar a barriga
só pra vê-los indignados
encherem-se como balões.
Nós que éramos pequeninos
tínhamos a tarefa
de salvar os filhotinhos
devolvendo-os às ondas.
Ao fim do trabalho
procedia-se à partilha
da mistura para os próximos dias.
Todo dia de pescaria
era dia de maravilhar,
porque a rede sempre trazia
surpresas do fundo do mar. 

domingo, 7 de julho de 2013

REVENDO VITÓRIO

Frei Vitório e Júlio na horta (Arquivo JRS)

Estando de férias, recebi um telefonema do amigo Júlio Mendes. Tratava-se de um convite para a Festa do Tropeiro, em Jambeiro. Eu e minha esposa aceitamos na hora. Afinal, é muito bom viajar, prestigiar eventos culturais e ter a companhia de pessoas queridas.

Estando na estrada de acesso, pouco depois que deixamos a rodovia principal (Carvalho Pinto), entramos por uma porteira aberta. Surpresa! Era a propriedade doada por alguém dali mesmo para que o frei Vitório Infantino fizesse uma igreja, um espaço acolhedor e de oração. De imediato a informação: “O frei certamente não virá aqui hoje. Certeza mesmo só no domingo, quando celebrará a missa”. Que pena! Mas mesmo assim nos decidimos pela visita ao agradável espaço. 
      Seguimos o percurso até o final, passamos por uma horta, por um lago...Entramos numa área arborizada, com grama bem aparada. Encontramos a capela! Simples, linda! Lá está o Cristo na cruz, obra do escultor Da Motta que tanto nos orgulha. O livro de músicas “é a cara do frei”. Ou seja, tem praticamente as mesmas músicas daquele tempo (década de 1970), que nos convidam à introspecção e à caridade. “Tu te lanças sempre mais. Ôôôô...Não te cansarás jamais. Ôôôô...Se te lanças na aventura de amar somente amar.” Recordamos um monte de coisas desse tempo, principalmente as experiências de alguns dos presentes.
Saindo do espaço da capela, retornando à horta e pomar, não resistimos às mexericas maduras. De repente...quem chega? Isso mesmo! O frei, num veículo pequeno, estacionou e flagrou todo mundo se lambendo e cheirando à mexerica. Após os abraços calorosos, demonstrando muita alegria, ele disse: “Neste ano a produção de laranja não foi boa. Por isso eu deixei para os passarinhos e ladrões. São todos filhos de Deus”. Rimos juntos. Em seguida já foi colhendo alfaces para nós. Depois continuamos a prosa, com o frei falando a respeito do micro clima da localidade, das fontes de água que surgiram após a sua chegada e das obras. Explicou ainda o Projeto Conviver (trabalho com crianças portadoras de deficiência física) que é a sua prioridade nos últimos anos.
      Impressionante mesmo foi a narrativa em torno das cirurgias e da recuperação da saúde do frei. A disposição após tudo o que ele passou é incrível! 
Ainda recordamos dos bons tempos de Ubatuba: das empreitadas do Lar Vicentino e da Casa de Emaus. Pudemos notar que em tudo havia um cálculo só superado pela incrível confiança na força da oração. Diante de qualquer dilema, só uma era a resposta do frei Vitório Infantino:
“É preciso acreditar na providência divina!”.

Satisfeitos nos despedimos desse italiano que faz lembrar de uma poesia de Adelmar Tavares:

Todo rio, na corrente,
Busca um lago, um rio, um mar...
Mas o destino da gente
Quem é quem sabe onde vai parar?

sábado, 6 de julho de 2013

JUNTO AO VITÓRIO

Freio Vitório colhendo alface na horta (Arquivo JRS).
        Seja bem-vindo Kiscinger!

Com a chegada dos turistas no município (Ubatuba), mais intensamente a partir de 1960, vieram os migrantes de outras cidades, de outros estados e até mesmo de outros países. Também os problemas e as necessidades ficaram mais evidentes, aumentaram até. 
Os primeiros que apresentaram possíveis soluções para os novos dilemas e desafios pertenciam à religião católica. Exemplos: as Cônegas de Santo Agostinho fundaram a A.L.A (Assistência ao Litoral de Anchieta) para servir as crianças, sobretudo às meninas caiçaras. Em suas dependências elas encontravam acolhida e podiam estudar. Disso resultou nas nossas primeiras enfermeiras, assistentes sociais etc. Depois, com o Frei  Pio,  foi criada   a A.S.E.L (Ação Social Estrela do Litora), cujas obras principais foram: a construção de Estaleiro do Padre, no Ubatumirim; a Creche Francisquinho e a Escola de Serralheiros, na Estufa; e, os Postos de Atendimentos de outros pontos isolados do município. 
Na década de 1970, convivendo com o Frei Pio, se encontrava outro religioso italiano: frei Vitório Infantino. Este, cheio de carisma, acreditando muito na providência divina e sendo um exemplo de fé no poder da oração, viu as questões da velhice abandonada, e, em 1973, fundou o Lar Vicentino. Daquele tempo, ainda no comando da instituição que continua sendo um exemplo em nossa cidade, está a abnegada Zezé. Depois, sentindo a necessidade de um espaço para retiros espirituais, fundou, no bairro do Sertão da Quina, a CASA DE EMAUS. Quanta gente se reencontrou consigo mesmo a partir das prédicas do frei Vitório e de seus auxiliares!?!  
Um trabalho de destaque ocorreu junto à juventude! Foi o sacerdote italiano quem cultivou a utopia de um mundo novo, de harmonia e de dedicação aos outros mais necessitados. Para isso ele contava com o dom da palavra, com o exemplo de vida e com as músicas inspiradoras devidamente selecionadas. (Quem disse que os conteúdos musicais não formam consciências?).
Fiz essa breve apresentação somente para esta notícia: há dois dias estive com o frei Vitório em sua roça, no município de Jambeiro. Que maravilha foi encontrá-lo cheio de disposição e com o mesmo espírito de confiança! Amanhã eu conto mais.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

TRAJES DE TRABALHO E TRAJES DE FESTA



O corvo, o anu, o urubu
todos se vestem a rigor
em pretos paletós.
O tangará, o colibri, a arara
todos os dias se vestem
como quem vai para a gandaia.
Eu já fui urubu, hoje sou tangará,
amanhã é uma incógnita
e a que pássaro, então, minh’alma passará?
                                     
                         Domingos Fábio dos Santos

terça-feira, 2 de julho de 2013

CANOA CAIÇARA

Já passou um tempo, mas eis uma data que merece ser lembrada e servir de estímulo a um esporte bem nosso: a canoagem. Quantos remadores poderiam ser destaques por este mundo afora a partir do nosso lugar, dos Canoeiros de Iperoig!?!


Um abraço ao Peter pelo esforço do resgate de nossas canoas!











CANOA CAIÇARA: TRAVESSIA UBATUBA-SANTOS COMPLETA 40 ANOS HOJE: Hoje, dia 1 de junho, completam-se 40 anos da famosa travessia a remo na canoa Maria Comprida entre Ubatuba e Santos no litoral de São Paulo...

segunda-feira, 1 de julho de 2013

ROGÉ




Foto
Procissão de São Pedro, tendo ao fundo o Casarão do Porto- junho/2013. (Foto: Valdirene Todão)

               
        Em tempo de importantes eventos culturais em Ubatuba, vem à lembrança a importância de uma fundação cultural. O texto que relanço hoje é uma prosa que eu tive com o Rogério Mesquita ("Rogé"), na época em que estava nascendo a Fundart (Criada pela Lei Municipal nº 893 de 25 de novembro de 1987, com sede no Casarão do Porto).

   O Rogério Mesquita, natural da Praia das Sete Fontes, era um andarilho caiçara; viveu como nômade pelas casas dos muitos parentes. Seu serviço preferido era vender peixe. Era esperto; tinha um olhar penetrante e analisava atentamente tudo.   "O  Rogé anda por todo canto, sabe um monte de coisa só de escutar”. Foi o que eu escutei da minha vó Eugênia. E o Rogé sabia mesmo!


                Certa vez, enquanto olhava para o mar, ele contou do “sobrado velho” (que eu nem dava muita atenção), porque era importante etc. Mais tarde eu fui pesquisar: ele se referia ao Casarão do Porto, antiga casa de Manoel Balthazar, na boca da barra do Rio Grande de Ubatuba. Hoje é parte da Fundart, mas desde 1959 foi tombado como patrimônio histórico e arquitetônico.
                De acordo com o Rogé, ele era moleque quando conheceu o lugar:

                “Naquele  lugá ali era o Hotel Boidapeste [Budapeste]. Gente mais velha dizia que aquela era a casa mais bonita da cidade. O primeiro dono foi um português que vendia e comprava;  dali despachava e arrecebia mercadoria. A língua do povo diz que o homi enricou com café ainda no tempo que o Brasil tinha imperadô –que aparece em livro com barba branca! 
         Esse portuga teve umas filha bonita pra perdê! Só que não era pra bico de pobre! Arrumaro marido, faiscaram daqui! Só uma ficô na nossa terra...mas terminô sua vida em Taubaté. A propósito, foi gente dessa cidade, o Guisado [Guisard] que mais tarde, adespois do tempo da revolução do Getulho [Getúlio], comprô  o velho prédio pros tempo de férias. Naquele trecho, entre a igreja e o sobrado, em tempo assim [de festa e de férias], ficava cheio de gente se tecendo. Era um tal de querê vê gente de fora e querê sê visto também! Tinha gente nova na cidade por um tempo: tanto no frio como no tempo quente. O boato que se dizia era que a maioria daquela gente era empregado do dono do sobrado. Agora, se acreditá no que disse o primo Zequita [José Alves Barreto], vão fazê não sei o que lá de curtura. Acho que o sobrado velho tá sobrando”.