sábado, 29 de novembro de 2014

ZÉ CAPÃO


O símbolo dos pescadores foi descaracterizado por inteiro

       O respeitado Nenê Velloso, assim que foi inaugurada a estátua do pescador, na chegada da cidade, nos deu um histórico do antigo pescador que afirmaram ser o inspirador da obra, porém discorda do acabamento. E não é opinião solitária.
                          Em matéria publicada no semanário A Cidade, em 04/10/2003, a profª Heloisa Teixeira, acertou o tiro na mosca, quando declarou: olhando a esta estátua, não me vem a memória "Seu Zé", o esguio homem e seu remo, é qualquer um, menos o Seu Zé. Prezada profª Heloisa, será que só nós dois sabemos disso?  



A foto de Zé Capão tirada por Carlos Borges Schmidt e a estátua.
           Nome de batismo: JOSÉ VIEIRA MENDES, mais conhecido pelo apelido de Zé Capão ou Zéca Pão, nativo, olhos miúdos e azuis, de estatura mediana, de físico entroncado. Residia a rua Professor Thomaz Galhardo nº 136, ao lado da Santa Casa, onde sempre morou. Nasceu nesta cidade de Ubatuba, em 19 de março de 1912, e faleceu em 04 março de 1974. Zé Capão era funcionário público municipal, lotado no cargo de coveiro, exímio pescador e carnavalesco por natureza. Era pândego, e muito falante entre os companheiros da pesca e turistas.
Os turistas rapidamente ficavam maravilhados com suas histórias e explanações sobre táticas de pesca. Zé Capão não sabia nadar. Por esse motivo não se arriscava em pescaria embarcada. Nunca entrou em uma canoa. Também não pescava na costeira pulando pedras, devido sua miopia acentuada. Das 4 horas da madrugada até as 9 horas da manhã, ficava puxando rede de arrasto artesanal (arrastão de praia), era camarada dos donos de rancho de pesca. Se a pescaria fosse farta, saia vendendo em um carrinho de mão pelas ruas da cidade.
          Após o almoço, retornava a pesca profissional, mas de fundo esportivo. Na frente de sua casa, mantinha um estaleiro forrado com folhas de coqueiros diversos, porque nos arredores da cidade não tinha a famosa palmeira "Guaricanga", que seria a mais indicada, por ser comprovadamente a mais forte e durável, usada também na cobertura de ranchos de pesca, e casas dos pescadores. As vezes, usava treliças de bambu, um pouco mais trabalhoso, formando uma espécie de jirau para secagem de peixes. O arrastão raspa tudo do fundo mar, depois da escolha, são descartados os peixes pequenos, sobrando os chamados de "miuçalhas".
          Aí, Zé Capão passava um pente-fino nessas miuçalhas, fazia a devida limpeza, salgava e ia para o estaleiro secar ao sol. Na roda de pescadores, simplesmente Zé ou Zé Vieira. Mas, às vezes escapulia... Zé Capão, ele nada respondia. Os seus locais prediletos de pesca eram: Boca da Barra, no centro, Pedra do Cabo, na Prainha do Matarazzo e o Cais do Porto. Os peixes preferidos para pescar eram: Robalo, Bagre-Cumbaca, Bagre-Amarelo, e as valentes Pirajicas. No seu roteiro de pesca ia sempre acompanhado de sua mulher, Dona Sebastiana Conceição Vieira Mendes que nasceu em 1913 e faleceu em 20 de dezembro de 1994, mais conhecida como "Tiana do Zé Capão", sua fiel e inseparável companheira de pesca.
          Foi em umas dessas pescarias de Pirajica no Cais do Porto que Zé Capão se consagrou com essa célebre frase, ao ferrar uma Pirajica de mais de 6 kg. E a luta travada com o peixe, já passava de 15 minutos, o povão agitado em cima do cais esperando o desfecho. Tiana então, muito nervosa, corria de lado para o outro e aos gritos dizia: leva na escadinha... leva na escadinha do cais! Quando a vara envergou e aponta chegou ao pé, foi quando Tiana gritou: - VAI ESCAPAR... ZÉ!Zé Capão, que suava o topete para tirar a enorme e valente Pirajica fora d’água, respondeu - QUE NADA... TIANA! PASSA O BIROTE, QUE ESSA TÁ NO NALHO DO ZÉ VIEIRA!
        A notícia rapidamente chegou a cidade, e por várias semanas não se falava em outra coisa. A frase, rapidamente foi cortada, aproveitando somente, o final, TÁ NO NALHO DO ZÉ VIEIRA. Qualquer um pode usar, desde que tenha praticado uma proeza qualquer, principalmente aqueles que gostam de levar vantagem em tudo. Podem ser momentos esportivos, amorosos, negócios etc. Os jovens caiçaras usavam por qualquer motivo, principalmente quando conquistavam uma garota, aí saiam aos quatro cantos da cidade dizendo: "MULHER COMIGO É ASSIM! CAIU NO MEU PAPO, TÁ NO NALHO DO ZÉ VIEIRA!" Quer dizer que está bem segura, está presa, não sai mais daqui. Esta frase foi usada pelos caiçaras do centro por muito tempo. Eu ainda uso. O Birote é uma corda mais resistente, com mais ou menos 10,00 metros, que os pescadores mais antigos e precavidos, usavam devido à fragilidade da vara de bambu. Essa corda mais grossa, era amarrada em continuação da linha do anzol a partir da ponta da vara, até o pé, onde fica enrodilhada como um coque. Se o peixe for muito grande, joga-se a vara na água, para não quebrar, e fica com o birote na mão, para tentear o peixe até que ele fique cansado. O nalho, que ele se referia, era a linha de nylon, da vara, que, sendo dele, era mais forte que as demais, impossível do peixe arrebentar.

FONTE: O GUARUÇÁ

terça-feira, 25 de novembro de 2014

A SANTA CRUZ

As orientações do Tio Dico, junto ao Rio Puruba. (Arquivo JRS)

                O nosso país, assim como os demais colonizados e cristianizados pelos europeus, mantém tradições que muitos desconhecem as suas origens. Num dia desses, estando pensando a respeito disso, veio à mente as festas religiosas tradicionais dos caiçaras, de um tempo em que nem existiam as capelas, mas em determinadas casas, nas diversas praias, eram comemoradas as datas festivas. “Na casa da Gertrudes acontecia a festa do Sagrado Coração de Jesus. O dia de São João era uma senhora festa na casa do João da Mata”. Assim se recordava o finado Aristeu Quintino.

                Na prosa que eu tive com o Seo Genésio, lá no Camburi, a lembrança mais forte nele era a Festa da Cruz, comemorada no dia 3 de maio. “Era uma grande festa. Vinha gente de todo quanto era canto para esse nosso lugar”.

                Outras comunidades no município de Ubatuba (Centro, Marafunda e Praia do Puruba) têm como festa principal a Exaltação da Santa Cruz, comemorada em 14 de setembro. Diz a história que a mãe do imperador Constantino, Helena – a santa, foi quem encontrou a suposta cruz de Cristo lá no Oriente Médio. Porém, na tomada de Jerusalém, os persas se apoderaram dela. Somente depois de quinze anos, em 628, o imperador bizantino Heráclio, após vencer Cosroes II, devolveu a relíquia numa emotiva cerimônia ao seu lugar de origem. Desde então, esse dia, 14 de setembro, ficou marcado para sempre como  a Festa da Exaltação da Santa Cruz.

                Conversando com o Élvio Damásio a respeito de certos eventos de outros tempos, ele também é da mesma opinião de que as comunidades católicas já não têm o mesmo ardor nas comemorações populares (quermesses com danças e pratos típicos, regatas de canoas com disputas em outras modalidades, procissão marítima e apresentações folclóricas em geral etc.). Mais recentemente, o saudoso Ney Martins, quando predominava uma pastoral popular na religião católica, conseguia unir “o profano e o sagrado” nas festas da cultura caiçara. Foi em ocasiões assim que pude conhecer Ocílio Ferraz, Inezita Barroso e outros nomes da cultura popular brasileira.

                É mérito da Igreja Católica essa religiosidade popular. Os leigos do Brasil, num tempo de pouca assistência da religião oficial, foram responsáveis por isso.  Quem me afirmou nesse sentido pela primeira vez, em 1991, foi o Zé Pedro, lá na Praia da Picinguaba. Ao lhe perguntar por que as tradições (Ciranda, Cana-Verde, Xiba...) estavam morrendo, ele foi categórico: “É por causa de religião. O motivo é este. Veja você: quando eu era mais jovem, aqui na Picinguaba só tinha a religião católica. Todas as festas eram em torno dela. Todo mundo era católico e participava de tudo. Ajuntava muita gente nas nossas festas. Depois, foi chegando outras igrejas que diziam que tudo era pecado, vaidade, que não se podia dançar e nem adorar os santos. Desse modo foi morrendo tudo, as pessoas foram se esquecendo. Agora tá assim. Já tem quatro igrejas diferentes nesse nosso lugar. E as pessoas estão cada vez mais desunidas. Essa tem sido  a nossa cruz nos últimos tempos”.

                Creio que se faz urgente repensar a mística na cultura caiçara. É lógico que, se depender das orientações vindas de Roma, uma teologia mais ligada às paixões do povo deverá sucumbir. Também a doutrina da mídia é converter a todos em realizados consumidores. No fundo, a individualidade predomina e fortalece atitudes acomodantes e individualistas. Em síntese, é dizer: “Eu não quero me incomodar com mais esse aspecto, essa tal de cultura popular e de religiosidade se complementando, dando esperanças mais festivas aos pobres”. Porém, as minhas mais importantes lembranças de vida em comunidade aconteceram em datas festivas, com a caiçarada preparando algo para compartilhar após a parte devocional, inclusive as bebidas, danças e folguedos. Prova maior disso nos ainda vemos na Congada e na Dança de São Gonçalo. Pensando agora, quantos momentos marcantes eu vivi às margens do Rio Puruba tendo a comunidade da Capela Exaltação da Santa Cruz como referência? E as festas da Comunidade do Itaguá? E os leilões que me recordo nas praias da Fortaleza, Perequê-mirim, Sapê e Sertão da Quina?

                Era uma alegria genuína que passava de pai para filho, que se mantinha pelas gerações. Eram mutirões e mutirões por todo lado (embarrear casa, puxar canoa, roçar, plantar etc. Aquilo era é divino! Enfim, era Tempo de Santa Cruz! Certo estava o meu povo quando repetia: “Não troco essa fé pelo lenho da cruz”.

A SANTA CRUZ

As orientações do Tio Dico, junto ao Rio Puruba. (Arquivo JRS)

                O nosso país, assim como os demais colonizados e cristianizados pelos europeus, mantém tradições que muitos desconhecem as suas origens. Num dia desses, estando pensando a respeito disso, veio à mente as festas religiosas tradicionais dos caiçaras, de um tempo em que nem existiam as capelas, mas em determinadas casas, nas diversas praias, eram comemoradas as datas festivas. “Na casa da Gertrudes acontecia a festa do Sagrado Coração de Jesus. O dia de São João era uma senhora festa na casa do João da Mata”. Assim se recordava o finado Aristeu Quintino.

                Na prosa que eu tive com o Seo Genésio, lá no Camburi, a lembrança mais forte nele era a Festa da Cruz, comemorada no dia 3 de maio. “Era uma grande festa. Vinha gente de todo quanto era canto para esse nosso lugar”.

                Outras comunidades no município de Ubatuba (Centro, Marafunda e Praia do Puruba) têm como festa principal a Exaltação da Santa Cruz, comemorada em 14 de setembro. Diz a história que a mãe do imperador Constantino, Helena – a santa, foi quem encontrou a suposta cruz de Cristo lá no Oriente Médio. Porém, na tomada de Jerusalém, os persas se apoderaram dela. Somente depois de quinze anos, em 628, o imperador bizantino Heráclio, após vencer Cosroes II, devolveu a relíquia numa emotiva cerimônia ao seu lugar de origem. Desde então, esse dia, 14 de setembro, ficou marcado para sempre como  a Festa da Exaltação da Santa Cruz.

                Conversando com o Élvio Damásio a respeito de certos eventos de outros tempos, ele também é da mesma opinião de que as comunidades católicas já não têm o mesmo ardor nas comemorações populares (quermesses com danças e pratos típicos, regatas de canoas com disputas em outras modalidades, procissão marítima e apresentações folclóricas em geral etc.). Mais recentemente, o saudoso Ney Martins, quando predominava uma pastoral popular na religião católica, conseguia unir “o profano e o sagrado” nas festas da cultura caiçara. Foi em ocasiões assim que pude conhecer Ocílio Ferraz, Inezita Barroso e outros nomes da cultura popular brasileira.

                É mérito da Igreja Católica essa religiosidade popular. Os leigos do Brasil, num tempo de pouca assistência da religião oficial, foram responsáveis por isso.  Quem me afirmou nesse sentido pela primeira vez, em 1991, foi o Zé Pedro, lá na Praia da Picinguaba. Ao lhe perguntar por que as tradições (Ciranda, Cana-Verde, Xiba...) estavam morrendo, ele foi categórico: “É por causa de religião. O motivo é este. Veja você: quando eu era mais jovem, aqui na Picinguaba só tinha a religião católica. Todas as festas eram em torno dela. Todo mundo era católico e participava de tudo. Ajuntava muita gente nas nossas festas. Depois, foi chegando outras igrejas que diziam que tudo era pecado, vaidade, que não se podia dançar e nem adorar os santos. Desse modo foi morrendo tudo, as pessoas foram se esquecendo. Agora tá assim. Já tem quatro igrejas diferentes nesse nosso lugar. E as pessoas estão cada vez mais desunidas. Essa tem sido  a nossa cruz nos últimos tempos”.

                Creio que se faz urgente repensar a mística na cultura caiçara. É lógico que, se depender das orientações vindas de Roma, uma teologia mais ligada às paixões do povo deverá sucumbir. Também a doutrina da mídia é converter a todos em realizados consumidores. No fundo, a individualidade predomina e fortalece atitudes acomodantes e individualistas. Em síntese, é dizer: “Eu não quero me incomodar com mais esse aspecto, essa tal de cultura popular e de religiosidade se complementando, dando esperanças mais festivas aos pobres”. Porém, as minhas mais importantes lembranças de vida em comunidade aconteceram em datas festivas, com a caiçarada preparando algo para compartilhar após a parte devocional, inclusive as bebidas, danças e folguedos. Prova maior disso nos ainda vemos na Congada e na Dança de São Gonçalo. Pensando agora, quantos momentos marcantes eu vivi às margens do Rio Puruba tendo a comunidade da Capela Exaltação da Santa Cruz como referência? E as festas da Comunidade do Itaguá? E os leilões que me recordo nas praias da Fortaleza, Perequê-mirim, Sapê e Sertão da Quina?

                Era uma alegria genuína que passava de pai para filho, que se mantinha pelas gerações. Eram mutirões e mutirões por todo lado (embarrear casa, puxar canoa, roçar, plantar etc. Aquilo era é divino! Enfim, era Tempo de Santa Cruz! Certo estava o meu povo quando repetia: “Não troco essa fé pelo lenho da cruz”.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

NOSSAS TRADIÇÕES

Acompanhando tudo.  (Arquivo JRS)



                   Olá, Marcos Prado! Seja bem-vindo ao blog!

                Agora mesmo, no último domingo, fui à Praia da Barra Seca para rever os amigos caiçaras e assistir a uma regata de canoas. Que belas canoas!
                A acolhida, preparada pelos moradores, era um legítimo café caiçara incrementado. As pessoas se empenharam na diversidade (frutas, bananas, batata doce cozida, bolos...). No cerimonial, logo que pisei na areia, encontrei o Élvio, o narrador oficial dessas provas e mestre da dança-da-fita do Itaguá. As “feras do remo”, inclusive os veteranos, estavam ansiosos: Higino, Carneirinho, Nélio, Nelson, Neco, Jorge, Paulo, Zeca, Jorge e tantas outras feições familiares. Rapidamente, os poucos turistas também se aculturaram. De outras praias vieram outros remadores com muita disposição de mostrar seus talentos. Afinal, era uma genuína confraternização. Estevan, meu filho, mesmo tendo de pedalar muito, adorou esse dia.
                O mar da Barra Seca, na regular calmaria, deixava em evidência o “peito de areia”, onde uma arrebentação distante mostrava o quanto as águas invadiram, no último século, esse local. “A caiçarada teve de correr”. 
             As provas tiveram início: canoa de um, de dois e de três remos; prova para as crianças, mulheres e casais... Todos eram atores principais sob aprovação dos mais antigos. Conforme a tradição, em dia de festa, vestidos a rigor eles apuravam a vista e não perdiam as emoções dos momentos. Que graça vê-los contentes, engrandecidos pela tradição que as novas gerações se esmeram em atualizar!

                

sábado, 22 de novembro de 2014

LEGISLAÇÃO E PESCADORES

Pescador caiçara (Arquivo Ubalino)

  •       Olá, Rute Miranda! Seja bem-vinda!

  •     O meu amigo Peter Németh continua atento às injustiças aos pescadores caiçaras. Agora, a sua manifestação é contra a decisão do Ibama, o famoso “meio ambiente” citado e  temido pelos mais pobres, de querer expulsar os pescadores de cerco da Ilha Anchieta, antiga Ilha dos Porcos. A história se repete: a mesma coisa aconteceu no começo do século XX, quando centenas de famílias de roceiros-pescadores tiveram de deixar a ilha porque o governo resolveu construir uma Colônia Correcional. A situação agora é esta: 1º) O parque da Ilha Anchieta é só a parte da terra, e é estadual; 2- O polígono de interdição à pesca é da Sudepe de 1980, e é federal, onde a pesca é proibida. O governo federal e o estadual não se bicam e, para piorar, o fiscal atual tem a visão preservacionista (natureza sem o homem) e hoje o correto é o socioambientalismo (natureza com o homem).


         A questão me faz recordar de tantos pescadores que tiveram até recentemente a atividade pesqueira na ilha como a única garantia de sobrevivência. Dito Funhanhado, Elídio, Sansão, João da Mata, Gonçalo, Guilherme Bureta, Dito da Mata, Horácio são alguns dos tantos nomes que passavam mais tempo naquele espaço do que em terra, com os familiares. Deles escutei muitas histórias, muitos causos. Era de suas pescarias que o saudoso Sabá entregava o nosso peixe de cada dia. “Olha o peixe fresco!”. E o que dizer daquela variedade de jaca, bem redondinha e verde, parecendo uma bola de futebol, preservada pelos pescadores da Praia do Sul? Tenho quase certeza que não se encontra mais delas no continente!


         É bom lembrar, ou ensinar aos mais novos ubatubenses e aos novos colonizadores, que as moradias e as diversas técnicas dos pobres roceiros-pescadores nunca ameaçaram a existência dos outros seres. O que está acabando com o nosso patrimônio natural é um modelo de espoliação e exploração que tem por base a sociedade industrializada.

         Medidas assim, que expulsam indefesos pescadores, tornam o nosso meio ambiente mais fragilizado. Afinal, esses trabalhadores são aliados da natureza, pois sabem que dependem dela para se manterem vivos. Também perde o município porque deixa de existir um turismo cultural.
            
           O fato assombroso e incompreensível, é que isso aconteceu mesmo após a lavra da MOÇÃO do CONSELHO CONSULTIVO do PARQUE ESTADUAL DA ILHA ANCHIETA Nº 1/2013, DE 14 de janeiro de 2013, referente a permanência da atividade da pesca com cerco flutuante exercida por pescador artesanal, atividade prevista como “atrativo turístico” no próprio Plano de Manejo da Ilha.

         Desejo ao Peter muita força e clareza para não esmorecer na luta. Um abraço.

sábado, 15 de novembro de 2014

DE QUEM É A COSTEIRA?

Escavando na Prainha (Arquivo JRS)
                            Para a leitora Cristiane Cerqueira, uma paulistana que nunca mais quis deixar Ubatuba.
               
               Quando criança, a minha diversão preferida era ir pular pedras pelas costeiras. Coisa boa! Desconfio que esse prazer e as pedaladas constantes deram-me as forças que tenho nas pernas. Também foi assim que aprendi as diversas denominações dos lugares dado pelos antigos caiçaras. Pedra do Alçapão, Costeira do Tolino, Pedra do Zé Bráz, Lage Preta, Toca do Mero... são alguns exemplos. O legal é que eles trazem uma carga emocional muito importante na minha história. Só para ilustrar: foi na Pedra do Alçapão que eu vi o papai pescar a maior garoupa da minha vida. Era uma tarde, pouco antes do serão, quando a vara se retesou. A danada entocou, mas o ardiloso pescador tencionou a vara numa greta de pedra e, no dia seguinte, logo cedo, lá estava a bitela boiando. Que beleza! Comemos e repartimos com  mais gente!
               Ainda continuo gostando de estar pelas pedras das costeiras, mas agora a agilidade já não permite pular como antigamente. Num dia desses, lembrando do casal que morava na Prainha do Padre, deu uma vontade de rever o outro lado do Morro do Ocaraçu, “onde a gruta desemboca no mar”. E assim, na maior disposição, me dirigi à prainha que também já foi do Matarazzo, o Cicillo,  prefeito de Ubatuba de 1964 a 1969. É a chamada fase áurea na administração desta cidade. Depois... só penúria! Prova?
               A prova está no nosso tesouro que dia a dia é encolhido e não sabemos como impedir, e nem como fazer mais. Explico melhor: chegando onde moravam os saudosos Antônio e Benedita, os últimos caseiros de um espaço que eu e tantos circulavam livremente, uma senhora declarou: “O senhor não pode entrar aqui, não pode passar para o outro lado. Eu cumpro ordens”. Nem perdi tempo para argumentar com alguém que é "pau mandado". Também sei que, há muito tempo, os administradores municipais perderam o rumo do desenvolvimento baseado na sustentabilidade, nas riquezas naturais e culturais que temos. Em casos assim, a Marinha do Brasil não poderia ser acionada? Quantas histórias e belezas têm do outro lado do Ocaraçu!!!

               “Ah! Se eu fosse um homem de visão, com a política adequada que temos aqui e o tanto de dinheiro que tenho de sobra, a primeira coisa que faria na Prainha do Padre era uma escavação arqueológica!”. Assim brincava o Velho Ademar nas prosas do jundu de Iperoig.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

ZÉ DO QUEPE

Praia do Perequê-mirim (Arquivo JRS)


               Na Praia do Perequê-mirim, na casa da Dona Belinha, foi onde eu conheci a ave chamada arara. Fiquei encantado por ela. Por isso, sempre que podia, eu adentrava àquela chácara maravilhosa, que começava no jundu e chegava até a nossa escola e na pista (a estrada Ubatuba-Caraguá). Diziam que o finado marido dela tinha sido o engenheiro responsável pela obra (estrada) na década de 1950.
               No quintal da Dona Belinha tinha de tudo um pouco. Até uma fruta estranha, por nome de kiwi, eu conheci naquele quintal. E ela sempre nos acolhia muito bem. De vez em quando eu ganhava uma deliciosa maçã. Ficava imaginando que a fruta vermelha e brilhante da história da Branca de Neve era igual, inclusive no tipo de embrulho, um papel fino e roxo. A história da Branca de Neve e os sete anões? É! A minha irmã tinha um disquinho que a gente não se cansava de ouvir, na vitrola das filhas  do Almeida (Sueli e Miriam)! Eram paulistanas e para lá voltaram. Nunca mais tivemos notícias.
               Quando chegou a minha adolescência, a Dona Belinha vendeu a sua propriedade. No lugar de tudo aquilo que me encantava foram surgindo prédios. Tudo aquilo, depois de pronto, recebeu o nome de Casa Grande. Virou um condomínio chique. Assim é até hoje. “Bote reparo quando estiver passando por lá”. Quando olho por sobre o muro daquele condomínio e avisto enormes árvores de fruta-pão, logo penso: “Ainda é plantação da Dona Belinha”.
               Eu acompanhei toda a obra, fiz amizade com a piãozada toda (Nerso Pinguinha, Odilon Satanás, Osvaldo Capoeira, Zé Paraiba, Francisco Ceará, Toninho Mineiro, Dito Preto e tantos outros), mas um deles era especial. Era o Zé do Quepe.
               Zé do Quepe era cearense, da família Bezerra. Na obra, ele era o vigilante e apontador das horas de trabalho. Andava fardado, de quepe e um cassetete de borracha.Na verdade, ele cuidava do relógio-ponto, controlando as entradas e saídas do pessoal. Ali todo mundo “era do trecho”, migrantes que viviam em barracos de obras. O detalhe era que, sempre que estava mais folgado, o Zé do Quepe ultrapassava o limite da bebida, ficava um bêbado chorão. Era quando se punha a declamar poesias, recitar trovas dedilhando um violão muito surrado. Aqui vai uma de pinga que aprendi com ele:

         
Aguardente é  jiribita                                                                     Feita de pau de capucho                                                                      Bate comigo no   chão                                                                         Bato com ela no bucho.                                                                                                           
Aguardente é   jiribita,                                                                         Não há bebida tão  boa!                                                                       Até os padres gostam  dela,                                                                 Quem dirá quem é à toa.                                                                                                                                                                                  Aguardente é  jiribita,  
 Feita de cana  crioula...                                                                       Quem bebe em  demasia,                                                                   Perde a calça e a ceroula.                                                                                                                                                                                                                                                                   

               É essa gente toda que, convivendo com a gente, levou um pouco de nós e deixou um pouco deles.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

NOSSAS BRINCADEIRAS

Miringuitos nos Caminhos de Servidão (Arquivo JRS)

               Há pouco tempo o primo Cláudio, que vive no Rio de janeiro desde o tempo em que estivemos na Marinha, me perguntou sobre as sementes pretas e brilhantes que faziam as vezes de bolinhas de gude na nossa infância, na Praia da Fortaleza. Eis a resposta: “É miringuito, semente de cubatã”.

A árvore denominada de cubatã é muito comum nos nossos Caminhos de Servidão e pelas costeiras. No meu quintal, quase sempre estou achando mudas dela. É que as sementes são trazidas pelos morcegos e germinam com muita facilidade.

O miringuito, bem antes de eu conhecer as bolinhas de vidro (gude), fazia parte de nossas disputas. No terreiro da Tia Martinha, onde estudávamos, em qualquer intervalo de tempo, a molecada estava disputando partidas. Eram pequenas caçapas e triângulos no chão duro, sob gritos de “pega risca”, “tudo”, “livre eu”, "cafifa, cafifa" que cobiçávamos as mais belas sementes (pretas, marrons, avermelhadas e amareladas). Depois da aula, muitos se dirigiam ao Canto do Cambiá, perto da casa do Tio Maneco Armiro, onde sabíamos da existência de um grande cubatã. Era debaixo da sua copada que vasculhávamos em busca das sementes mais bonitas. Elas eram jogadas por último pelos perdedores. Por isso que os melhores jogadores (na estecada e na mira) nunca precisavam se rebaixar ao ponto de quase que varrerem debaixo da frondosa árvore. Eles rapelavam tudo, se vangloriavam das belas sementes conseguidas apenas pelo talento no jogar bem. 
             

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

LÁ VEM O ROGÉ!

Tio Salvador, Silas e outros posam com caçoa na Praia da Fortaleza (Arquivo Salvador)

             Rogério Mesquita, o primo  Rogé,  nasceu na Praia das Sete Fontes, passou um tempo em Santos, mas viveu o maior tempo de sua vida em Ubatuba, principalmente na Praia da Fortaleza. Nesta poesia o mano Mingo consegue falar melhor desse caiçara que viveu tal qual um andarilho entre nós. Como adorava pescar o Rogé!

Rogé Mesquita
vendia sardinha,
bebia cachaça,
comia farinha,
fazia graça,
cantava modinha,
não tinha morada
nem namorada.
Atravessou incólume
Muito trecho de mar
e acabou naufragado
na porta de um bar.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

PETER E OS PESCADORES CAIÇARAS

O Projeto Colonial Capitalista de extermínio dos Pescadores Tradicionais.

Trecho do texto CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ASPECTOS DE VALORAÇÃO ECONÔMICA DOS SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS ASSOCIADOS AO CONHECIMENTO TRADICIONAL DOS PESCADORES ARTESANAIS. autor Peter Santos Németh.:

Para Moura (2013) “a conquista dos mares e oceanos pela modernidade, incluindo as ciências modernas”, são parte de um “projeto colonial” no qual:

(...) força-se a modernidade ao setor pesqueiro na conquista de territórios marinhos de pesca pelos Estados Modernos em favor das indústrias de pesca nascentes e em prejuízo da pesca artesanal, que passa a ser desvalorizada culturalmente e pilhada em seus recursos materiais. Esta conquista de territórios marinhos de pesca tem sido chamado de modernização capitalista da pescaem diversos países, inclusive no Brasil, conforme relatado em McGoodwin (1990), Pálsson (1991), Lalli e Parson (1993), Vandergeest e Peluso (1995), Parsons (2002) e Roberts (2007). (MOURA, 2013, grifos do autor)

Para Breton e Estrada (1989, apud CARDOSO, 2001) o Capitalismo ao invés de conseguir dominar o conjunto dos fatores da produção pesqueira, como fez com “todo o plano da tecnologia; há que conformar-se com um controle e planejamento parciais dos outros elementos constitutivos das forças produtivas, ou seja, os recursos haliêuticos como objeto de trabalho e os pescadores como força de trabalho” (CARDOSO, 2001).
Assim, a extrema especialização necessária para exercer a atividade pesqueira, ainda garante certa “liberdade” (DIEGUES, 1983) e autonomia ao pescador, “pois à beira-mar não se passa fome, por isso nunca vai haver pescador amansado” (NÉMETH, 2010). 
Outro ponto vivenciado foi que o peixe capturado é considerado, pelos pescadores de canoa, como dinheiro em caixa. Chegando na praia, o balaio de peixes se transforma em dinheiro vivo, pois a venda é feita diretamente ao consumidor, que muitas vezes está aguardando o pescador chegar (KANT DE LIMA e PEREIRA, 1997).
Assim o pescador garante o sustento certo de sua família, proporcionando a experienciação de um grau de liberdade e autonomia extremamente elevados. Esse aspecto, o de transformar através do PHT do Mestre pescador, o pescado em valor econômico, é o mais precioso pois, funcionam o meio natural e os estoques pesqueiros quase como uma despensa ou um caixa eletrônico de banco, onde o pescador pode, a qualquer momento, baseado em seu PHT, conseguir o dinheiro suficiente, ou, na pior das hipóteses, o alimento necessário para a subsistência familiar.
O antropólogo Viveiros de Castro (2014) em entrevista concedida à revista Piauí, cita o norte-americano Marshall Sahlins que nos anos 1970 se ocupou da dimensão econômica de sociedades mais “pobres” que, segundo a visão então consagrada, mal conseguiam assegurar a própria subsistência com técnicas pouco desenvolvidas e baixa produtividade. Segundo Viveiros de Castro, o que Sahlins argumentou, “colocando em questão a santíssima trindade do homem moderno: o Estado, o Mercado e a Razão, que são como o Pai, o Filho e o Espírito Santo da teologia capitalista”, é que não fazia sentido, para esses grupos, acumular bens.

Tampouco era lógico produzir estoques, quando esses estão ao redor, “na própria natureza”. Do ponto de vista dos caçadores-coletores, não lhes faltava nada. Trabalhar pouco era uma escolha, e aqueles grupos constituiriam o que o antropólogo chamou de primeira “sociedade de afluência”. (...) Em vez de símbolo de atraso, a “sociedade primitiva”, escreveu o antropólogo carioca, “é uma das muitas encarnações conceituais da perene tese da esquerda de que um outro mundo é possível: de que há vida fora do capitalismo, como há socialidade fora do Estado. Sempre houve, e – é para isso que lutamos – continuará havendo”.  (VIVEIROS DE CASTRO, 2014, grifos do autor)

Fonte: canoadepau.blogspot.com

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

É DIA DELES!


            Passeando entre as sepulturas, parei diante daquelas de pessoas bem especiais. Agora, faço questão de falar sobre o Seo Florindo Teixeira Leite, de recordar dos tantos momentos de prosa em sua casa, onde, por diversas vezes lhe cortei os cabelos. “O meu pessoal é da Praia da Almada. Ainda tenho herança lá. Pode ser que os meus filhos ainda briguem por alguma coisa, mas eu não preciso de nada. O que eu quero é saúde para trabalhar até quando a morte aparecer e me levar”. Sempre admirei a coerência desse caiçara que tantas redadas deu na Praia do Itaguá, que tanto pescado proporcionou aos seus parceiros de rede e aos pobres que acorriam para ter ao menos um peixinho como mistura. Agora, o que é desta citada praia, outrora abundante de pescados? Esgotos matam nosso mar a todo momento, mas sobretudo nas temporadas devido o grande número de visitantes. É a morte se aproximando mais rapidamente de nós.
           Os povos antigos, não aceitando o limite imposto pela morte, inventaram a possibilidade de se ter outra vida. Dessa mesma época vem a ideia de lugar maravilhoso para quem foi bom e de lugar ruim para os maldosos. Ainda são muitas as versões de Céu e Inferno. Todo povo tem os seus recantos reservados após a morte.
           O cristianismo, percebendo a força das tradições ditas pagãs, deu novos nomes para antigos sentidos. Assim, seguindo a crença de que todos os mortos vinham em determinada ocasião ao convívio dos vivos, a Igreja decretou o Dia de Todos os Santos seguido do Dia de Finados. Pronto! As celebrações primitivas agora estão legalizadas!
          O que importa é a memória que temos de nossos entes queridos. É isso que os imortaliza! Ir aos cemitérios, acender velas, levar flores etc. é apenas uma demonstração de quanto reconhecemos a importância deles naquilo que somos hoje.
          Nos cemitérios, os nomes, cruzes e até mesmo fotografias nos recordam das pessoas que se esforçaram para melhorar a sociedade, porque tudo que é/foi ruim nós vamos  apagando da memória. De gente assim ainda restará a serventia de adubar a terra, de alimentar outros seres. Tá bom assim?
         O escritor João do Rio escreveu algo parecido com isto: “Mesmo a linda morte é uma beleza horrível”.
         O meu finado pai sempre tinha uns dizeres sobre a morte: “O Céu e o Inferno são aqui. A única certeza que temos é a morte. Quem nasceu vai morrer”.

         Só sei que a morte lembra-nos que tudo se acaba em pó. Então... é bom refletir sobre a vida simples e o respeito a todos os seres que recobrem esta Terra.