sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Entrevista no Camburi (XI)




                Justificativas necessárias
Hoje, conforme algumas reflexões partilhadas com os mais próximos, resolvi dar uma pausa na Entrevista no Camburi. Alguns detalhes e questões apresentadas a seguir podem esclarecer alguma coisa. Por fim, publico a parte XI

1º) Ser fiel à fala do entrevistado, sem alterá-la nem mesmo por exigências das normas cultas da nossa língua, é do agrado (e compreensível!) para quem lê?

2º) O entrevistado também expressa muito por gestos e olhares. Porém, tais particularidades, se detalhadas, estenderiam por muitas páginas o texto. Será que fiz bem em deixar de lado tais detalhes?

3º) Para quem não conhece o entrevistado:  o sr. Genésio é um líder comunitário muito respeitado. Afinal, foi graças à sua perseverança e ao empenho dos parentes e amigos que ocorreu a criação do Quilombo do Camburi. Questão: os leitores captam a importância dos descendentes diretos de escravos para a compreensão da cultura caiçara?

Parte XI

J.R.: O que no caminho?

Genésio: “Esse movimento que a gente vê, que desaparece. Me veio na lembrança; digo assim: ’Hoje é o dia dele; de a gente encontrar qualquer movimento aí no caminho. É de madrugada’. Aí, o senhor sabe: saí daqui quatro e meia. Quatro e meia da madrugada! Noite; muito bem estrelada a noite. Tocha de vagalume por todo lado. Aí fomos: eu com a lanterna na mão; e ela furou –aqui usa muito furar uma lata, dessa lata de leite, e botar uma vela dentro. Fazer um arcozinho assim e fazer um farolete, né? Para alumiar. E ela, a pé com a menina, uma vela botou numa lata e foi mais devagar. E eu fui na frente; uns cinquenta metros na frente, mais ou menos, quando vi, lá pra chegar perto da Cachoeira do Cedro, foi quando eu vi aquela luz que começou a adentrar, adentrar, adentrar...Eu parei lá em cima, antes de pegar a Cachoeira do Cedro. Aquela luz vem, vem, vem, correndo, correndo, correndo...Chegou perto de mim. Aí eu: ‘O que é isso?’. ‘Ah! Você não viu nada?’. E digo: ‘Eu não!’. A mulher tá aí; ela conta. ‘Você não viu nada? Olha, naquele lado assim, assim, assim...Naquela curva ali; tá um violão ali; tá um toque de violão ali que tá retinindo tudo. No caminho; assim, no caminho’. Disse: ‘Não!’. ‘Jura?’. ‘Eu não; eu não vi não!’. Eu digo assim: ‘Quando eu saí de casa, me veio na lembrança que aqui, hoje, a gente ia ver alguma coisa. Então...eu tô acostumado. Pelo caminho toca violão, faz isso, faz aquilo. Me acostumou; enjoei’. A mulher chegou lá botando a alma pela boca, de cansaço, no encontro comigo. Então...o senhor sabe que essas coisas aqui tem. A gente vê essas coisas; até se acostumou. Sobre luz, sobre movimento...Essas coisas, meu amigo, meu grande amigo, isso aparece!”.

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