quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Escuma dos dias

1993 - Estou conduzindo um grupo de alunos da Estufa para uma entrevista com o tio Genésio

                Sempre me pego pensando em momentos e pessoas de outros tempos. Às vezes porque foram situações engraçadas ou sérias demais ou mesmo sem foco nenhum, somente pela pessoa que me era agradável. Artelino Flor, de quem eu já contei algumas coisas, apesar de enigmático, se classifica nisto.
                Agora, por exemplo, penso num momento distante (no tempo e no espaço!), na prainha do Costa, por ocasião de uma puxada de rede. O tempo estava assim: sol forte, ardendo desde que clareou o dia. Depois que a rede foi lançada, iniciada a puxada, eu, tio João, Toninho (do Dário) e o Artelino, o "Fraco", éramos do cabo direito, no Canto da Paineira. No outro lado, rente à Pedra do Pindá, faziam força: vovô Armiro, Fernandinho, Ondino e tio Tião. Tio Genésio era o mestre da rede: circulava entre as duas pontas, empensava as partes dos cabos recolhidas do mar e ditava o ritmo dos puxadores. De vez em quando ralhava com a gente por causa das risadas: “Parem com isso! Desse jeito começam as cabeçadas no pano!”.
                Com o tempo de uma hora garantida na subida e descida do jundu, dava tempo de muita prosa, sempre com boas risadas. Afinal, sempre tinha uma bobajada espontânea. Pela minha lembrança, só o Artelino, do nosso lado, era sério. No outro era o vovô quem impunha respeito. Nisso foi que, reparando numa borra espumosa a se movimentar a cada avanço de onda, o "Fraco" fez o seguinte comentário:
                “É! Temos que aprender com tudo! Vejam o Genésio que enxerga marcas na água, sente o tanto de peixe ainda com a rede em meio largo, quando as cortiças ainda estão longe de aparecerem; distribui ou recolhe chumbeiros ainda no escuro, conforme o correr das águas, no tocar do búzio. De onde veio essa sabedoria? De olhar, de especular; pondo todos os sentidos em ação! Hoje mesmo, na minha chegada no rancho, ele comentou que a pescaria seria boa. Eu quis saber o porquê de tanta certeza. Eis o que me falou: ‘Bote reparo na escuma grossa do lagamar! É sinal de boto; de muito boto! Andaram surrando tainha ou carapau; enxotaram para a arrebentação. É se preparar para encher a rede!’. Pelo peso no cabo, eu acredito que ele tava certo”.
                Dito e feito! As três canoas voltaram rendidas para a Fortaleza, de quando em quando bebendo água pelas bordas. Foi fartura mesmo!
                Mais tarde foi a minha vez de especular o tio Genésio, de querer saber mais coisas da espuma dos botos. Então, sentados na canoa “Rosinha”, o amoroso tio, com os olhos lá longe, me ensinou um monte de coisas. Esta frase eu nunca mais esqueci:
                “As escumas estão por aí: no lagamar e na vida. Conforme botamos reparo, enxergamos nas escumas dos dias as coisas que queremos ou não queremos. Não é mais difícil e nem mais fácil do que ver nas escumas dos botos!”.

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