terça-feira, 20 de julho de 2021

SERMÃO DAS AVES (I)

 

Tiribas no açaizeiro (Arquivo JRS)

Macho da saíra verde (Arquivo JRS)


Rolinha no ninho (Arquivo JRS)


Pintamam buscando refeição (Arquivo JRS)

    Olho umas imagens de passarinhos feitas no nosso pequeno espaço, num bairro bem populoso de Ubatuba. Faz parte do meu dia amanhecer ouvindo passarinhos. Alguns estão perto, no nosso terreiro; outros falam do morro. Apuro a audição, além dos barulhos próximos e reconheço a inconfundível araponga. Outro diferente, parecendo um arranhado em madeira dura e seca, é o tucano. De vez em quando é um nambu emitindo seu sinal gratificante. (É pássaro que há muitos anos não avisto em minhas andanças). No rio que passa perto daqui, sempre me detenho para ver socós e garças. (Penso que, apesar do esgoto jogado nele, tem peixe. Afinal, é disso que vivem estas aves). Agora mesmo ouvi a corruíra mandando uns sinais no corredor, perto das orquídeas: "Deve estar chocando naquele buraco do bloco no muro". Então me recordei que, bem jovem, li um texto de Rubem Alves em torno de passarinhos. Me lembrei do título e fui em busca. Achei! Agora, faço questão de compartilhar o Sermão das Aves.

   Dizem que são Francisco, há oitocentos anos, pregava aos bichos. Naquele tempo isto não atrapalhou. Pelo contrário, até ajudou o seu reconhecimento como santo. Hoje, o resultado teria sido diferente: das alturas da santidade seria rebaixado às humilhações da psicose. Confesso que isto me preocupa um pouco porque, sem haver chegado ao ponto de pregar aos animais, reconheço que alguns dentre eles, especialmente as aves, me têm feito sermões.

    Primeiro foi uma rolinha que vi no terreno do meu vizinho, aqueles olhinhos mansos e assustados, bicando migalhas no cimento. Rolinha desgarrada, eu pensei. Porque elas não são como os pardais, bichos urbanos e progressistas, amigos do tráfego e das construções. Preferem os espaços em que o silêncio permite que o seu arrulho encrespe a sombra, como dizia  Cecília Meireles. Mas eu estava enganado. No dia seguinte ela voltou, decidida, para ficar, acompanhada de parentes e amigos. Parece que a boa notícia se espalhara: agora o cimento era coisa boa para rolinhas...

    Depois foram os bem-te-vis, que começaram a se aboletar nas antenas de televisão, em quantidade cada vez maiores, e de lá cantavam o seu canto sem assunto e gostoso, enchendo o espaço urbano de memória de um passado que se havia perdido. Era como se o tempo do nunca mais voltasse.

   Aí fui ajudar o meu filho numa horta que ele estava plantando num terreno abandonado, e vi coleirinhas, pássaros conhecidos meus da infância, dos quintais de jabuticabeiras e de laranjeiras de Minas gerais, de muitos anos atrás.

   Há poucas semanas, assentado perto de uns vasos de samambaia, na minha casa, vi um minúsculo pássaro baixar voo, pousar num deles, e simplesmente desaparecer no emaranhado das folhas. Era uma corruíra. Sem pedir licença, fizera seu ninho na minha varanda.




  
   
     

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