quinta-feira, 22 de julho de 2021

SERMÃO DAS AVES (III)

 

Aves em festa (Arquivo JRS)

Aves como inspiração (Arquivo JRS)

       Alguém passou e disse, vendo eu arrancar capins da beirada da calçada: "Tá com coragem, amigo! Por que você não espalha mata-mato aí, por toda extensão?". Respondi que não precisava e que eu não concordava com tal prática.

      Mata-mato é um líquido, um veneno que se borrifa para exterminar mato. É recorrente seu uso no deserto verde, onde nada pode competir com a monocultura. Depois de o produto ser aplicado, tudo seca. O que vai acontecer com as aves que ciscarão por ali, que comerão resíduos daquilo? E as minhocas e demais seres que fazem parte da terra, que compõem a sua dinâmica? Creio que essas práticas são criminosas. Aquelas rolinhas, aqueles bicos-de-lacre, aqueles canários e tantos outros passarinhos que buscam nosso espaço (um lote comum, com mais da metade construído) como lugar agradável, sem perigos e com alimentos, devem continuar assim, bem vivos; nos manterem contentes por vê-los e ouvi-los. Acompanhemos Rubem Alves continuando o assunto no deserto verde. (Lembrando que ele morava próximo da grande região canavieira, junto da cidade de Campinas).


      Deserto verde. Ideia verde. Verde é a cor que desde tempos imemoriais se associou ao oásis, à sombra, à água, á fruta. Onde está o verde, ali está a vida. Desertos, lugares de morte, eram vermelhos e amarelos. Não mais. As plantações de cana. Que vida dura e teimosa se atreverá a viver no seu meio? Talvez as formigas... E é assim, com todos aqueles campos verdes e belos, a perder de vista. Vão-se a flora e fauna, aquela vida que a natureza levou milhões de anos para produzir. Definitivamente. Que inseto conseguirá sobreviver em meio a tantas pesticidas? E que semente de capim ou frutinha silvestre permanecerá para ser comida?

    Poderão me acusar de sonhador romântico. Perder tempo com passarinhos, quando há tantas contas a pagar... [...] Mas, não é só romantismo. É instinto de sobrevivência. Os pássaros, no seu retorno, nos dizem que algo irremediável está sendo feito aos nossos próprios corpos. Sermão silencioso sobre a vida em fuga, em busca de um lugar...


   No presente momento político, com autorização para compra e uso de centenas de produtos já condenados por seus riscos em países mais avançados, cabe a nós brasileiros tomar posição em favor da vida. Os riscos são para nós, mas são, primeiramente, aos outros seres mais frágeis, que tanta importância têm na grande teia alimentar do planeta. Assim, observemos os pássaros para entender o que eles nos dizem.

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