quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

GOIABADA CASCÃO (II)

Aceita um coquinho azedo, de tucum? (Arquivo JRS)


     - Mãe, o que é goiabada cascão?
   - Não sei, menino. Não deve ser coisa boa porque cascão lembra crosta de sujeira. Só sei que goiabada é coisa boa demais!

   Assim, graças a uma letra de música, eu persegui a tal de goiabada cascão. Não demorou muito para eu começar a entender outras partes da música, saber o que é boia-fria e outras coisas. Era tempo de censura, de não se falar muito sobre a política do meu país. Quem mandava era o poder militar. 

         Para fazer frente aos desmandos dos militares, logo surgiram grupos guerrilheiros. O objetivo maior era implantar outro modelo de governo. 

   Mas...o que tem o universo caiçara a ver com isso? Tem muita coisa! Eu sei de quase nada!

   Parece que foi ontem, mas já se passaram quarenta anos desde que o velho Bermiro, da Praia do Perequê-mirim, me contou o seguinte:

   “Essas coisas que o Idílio, o seu pai e outros conversam a respeito do governo é perigoso. Tem gente que mata e morre por isso. Ninguém me garante que não haja gente rondando por aqui, escutando e marcando quem não está contente com a situação. Eu mesmo já vi coisa séria nesta praia. Tá vendo a casa ali, que o Cride cuida? É de um professor barbudo de São Paulo. Pois é, no mês de dezembro de 1968, assim que começou a temporada, veio um grupo de rapazes e algumas moças e ficaram por aqui quase uma semana. Dizem até que foram no sertão treinar tiros. O Bráz confirma isso. Pouco tempo depois, no rádio, num noticiário da Tupi, eu escutei que eram jovens armados, chamados de guerrilheiros, que aprisionaram uma pessoa importante no Rio de Janeiro, 'peixe grande' dos Estados Unidos. Será que estava nesse meio alguns desses jovens que ficaram naquele tempo por aqui?”.

   No momento, lendo o livro Pedro e os lobos, de João Roberto Laque, me veio a imagem do velho caiçara e a prosa daquele tempo. Eu era adolescente, mas já me interessava por outras coisas. Acho que a mamãe estava certa ao me chamar de "cabeça de tinhanga, intiqueiro" (que sempre intriga com alguma coisa). Eis a informação na obra:

    Dez de dezembro. Duas dezenas de militantes da Vanguarda Popular Revolucionária estão na praia do Perequê-mirim - litoral norte de São Paulo - para a realização de um novo congresso.
   Depois de fazer uma análise da situação política nacional e internacional, a direção traça a tática de luta a ser adotada daqui para frente. E a discussão maior se dá diante da posição apresentada por João Quartim e seu grupo, que defendem um recuo tático em relação às ações armadas.

  Continuando a leitura, soube que, por tal postura, João Quartim acabou sendo expulso da organização. 

    Passada a fase da goiabada cascão, eu prefiro encerrar com a fala do seo Bermiro: 

   “Acho que aquele pessoal era gente boa. Até vendi um balaio de goetes pra eles!”

Um comentário:

  1. Muito legal, José Ronaldo, você ter tido esta informação sobre o Congresso da VPR de 1968. E espero que esteja gostando do meu livro. Abração.

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