quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

ESCUTE, MININO!


Pescador na boca da barra do Indaiá   (Arquivo JRS)

        Passando a ceia com parte dos familiares e me preparando para almoçar com a outra parte, lembrei-me de uma poesia de tanto tempo. Faz parte da seção Folhas Amareladas.  Através dela desejo Boas Festas aos que acompanham as minhas postagens. Que tenhamos um ótimo 2014. Forte abraço a todos.


Notro tempo as coisa era diferente;
bem diferente de hoje:

A Folia do Divino tava em todo lugá,
inclusive na ilha do Mar Virado, Vitória...
Muita gente, todo mundo acompanhava
com grande devoção. Diferente de agora!

Se cantava, rezava e festejava;
em todo lugá o divino tava.
A criançada arteira
também tava junto.

Se dançava San Gonçalo,
Cana verde, muito tipo de bate pé.
A comidoria era em demasia;
dava e sobejava pra todo mundo.

Notro tempo aqui não havia estrada,
nem carro se via:
ou se ia a pé
ou se bardeva de canoa.

Ninguém tinha dinheiro;
todo mundo era pobrezinho.
Negociava pimenta, ólhio de caçoa, banana,
farinha de mandioca e até laranja pros barco.

Toda gente tinha sua roça.
Quem não tinha casa de farinha...
fazia às meia.
Na pescaria junto,
cada qual arrecebia quinhão iguarmente.

Todo mundo temia Deus;
tinha reza todo dia.
Cada casa com seu oratório;
todo mundo se conhecia.

Notro tempo se via fartura de tudo:
camarão encalhava no lagamá;
tainha se tecia feito boba;
barrica transbordava de farinha
e banana até se dava pros animá.

Antes de aparecer turista
ninguém brigava por terra.
Ela só servia pra prantá.

E pexe!?
Havia gamela de sapresado,
balaio de seco...
e fresco tinha todo dia.

Para o que fartava
tinha armazém de secos e molhados:
João Glorioso no Saco da Ribeira,
Macié na Enseada...Otros na cidade.

Notro tempo todo mundo se ria,
tomava banho de cachoeira,
molhava os pé no mar...
Toda criança era feliz.

Toda gente grande devia educá as criança.
Criança miúda já sabia arrespeitá.
Desde cedinho as criança tudo ia aprendendo
e logo sabia se virá.

Pra minina não havia muita diversão.
Os minino jogava bola todo dia.
Mais...minino e minina trabalhava na roça,
com enxada mesmo!
Só minino ia pescá.

Os homi grande tava sempre no mar:
ia pescá, molhá a canela, olhá o mar.
As mulhé, não! Elas só ia de noitinha
na água se banhá - no tempo quente!

Na capela se rezava mais no domingo.
Domingo era dia santo: rezava cedo
e de tardezinha.
Na parte da tarde sempre tinha função em arguma casa.

Quando arguém tava construino,
vinha muita gente ajudá a fazê.
Era o pitirão: todo mundo fazia,
todo mundo comia, todo mundo bebia.

Nas festa do nosso lugá todo mundo sabia;
nas festa de otro lugá a gente tava interado.
E quem podia ia!
A comidoria e a consertada sempre era dada.
Só no leilão as pessoa ajudava.

As festa que mais deixa saudade
é as do meis de junho:
tinha fogueira, foguetório,
doce de mamão, bolo, consertada, quentão...
Tudo era assim de bão!

Notro tempo se tinha mais tempo:
prá olhá o céu estrelado,
apreciá o tamanho do mar...
Apercebê os vaga-lume
e estória pra escutá e contá.

Notro tempo havia jundu;
embaixo da amendoeira a gente proseava
a respeito de tudo. Nada se guardava!
Se ia mariscá enquanto as criança comia ingá.
Havia roda de mulhé e roda de homi.
Todo mundo se arrespeitava.

Notro tempo Maria era Mariquinha,
Eugênia era Ogena,
Tio Onofre era Tinorfe,
Sebastião era Bastião...
Eta tempo bão!

Mais...naquele tempo também havia farra.
Tinha gente arrelaxada, vadia...
e se xingava de filho de rapariga, de boi chifrudo...
As criança artera continua sendo
homi e mulhé arteira.
Otros tomaro jeito.

Naquele tempo só luz de carosene
sabia mistério da noite.
Tinha boitatá, lobisomi...
Bambuzá e figuera devia se evitá.

De otro tempo...
me alembro mais desse lugá.

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