terça-feira, 24 de dezembro de 2013

ENCANTAMENTOS

Mãe d'água desorientada -  (Arquivo JRS)

É forte, entre os caiçaras, a herança tupinambá de encantamentos. Um exemplo, repetido até bem pouco tempo por algumas gerações passadas, era notado na época da revoada da formiga içá: as mulheres se punham rente a saída, bem na boca do formigueiro, e começavam uma cantiga que encantava os tão apetitosos insetos. Tudo por cobiça às suas bundas cheias de proteínas. A finada Maria Bidu, de balaio preparado, cantava assim: “Venha logo formiguinha. Vem pro meu balaio vem. Uma farofa gostosa quero fazer para o meu bem”. 

        Outro exemplo de encantamento, notado na maré seca, quando se ia mariscar, eram os assobios chamando os guaiás. Esse eu sei muito bem! Conforme assobiava, a caiçarada dizia mentalmente: “O guaiá saiu da toca. Coitadinho não tem pai. O guaiá saiu da toca. Coitadinho não tem pai”. E eles vinham, se grudavam no pau de isca para mais tarde se findarem em nossos dentes. Eis um dos motivos pelos quais os velhos caiçaras desgastavam os seus dentes. "Os dentes do tio Silvário estão limados de tanto comer guaiá!".  Delícia! 

Lendo o glossário do Peter, em relação à santola,  outro parente do guaiá, achei a definição de assobiar santola: “ato de ir caçar santola na maré baixa do dia com a mesma técnica do guaiá, só mudando o tipo de assobio e o modo de pegar a santola”. Ah! Faz muito tempo que eu não vejo santola!

Onde nasci, na Praia do Sapê, os rios eram para tudo: desde a água para se servir, beber,  até como  fonte de alimentos: mussum, jundiá, piaba, cafula, lagosta, sururu, cágado, mãe d’água e tantos outros seres se teciam. Viravam iguarias em nossos pratos. Balaios, peneiras, pequenas redes e anzóis já ficavam por ali, preparados para a serventia, em alguma moita do porto do rio, o lugar onde as pessoas se concentravam para as tarefas, tais como lavar roupa e louça, escamar e consertar peixe, lavar tipitis...
Não sabe o que é mãe d’água? É um caranguejo do rio, tal como o sururu era o marisco da água doce. Até parece um pequeno guaiá, mas totalmente marrom. Se bem que, numa das cabeceiras de cachoeira, em Caraguatatuba, por volta de 700 metros acima do nível do mar, em 1994, eu encontrei uma variação de mãe d’água amarela, quase no tom do guaruçá. A fotografia postada é de um mãe d’água trazida pela força da água e encalhada na boca da barra do Rio Indaiá, na Praia do Perequê-açu.

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