quarta-feira, 3 de setembro de 2014

EU E O BEIJA-FLOR

Beija-flor no ninho num pé de graviola (Arquivo Anilsi)

Seo Martins, da Trindade. (Arquivo Eric Porto)
               Agradeço ao Elias pelo texto de hoje. Adoro receber contribuições  ao  nosso  ser caiçara.    Um forte e carinhoso  abraço à  família.


Há alguns dias atrás fomos surpreendidos por uma visita agradável, um beija-flor passou a fazer ponto em frente nossa janela. Quando acordava ao abrir a janela lá estava ele, sentado no fio do telefone do vizinho que passa próximo. O passarinho dava um pequeno e curto voo rasante e logo voltava. A curiosidade bateu forte e passei a querer saber por que ele não saía dali. Eram todas as manhãs e tardes, e não consegui descobrir o porquê de ter escolhido esse lugar. Afinal, não tinha nenhuma flor ou bebedouro e  era  apenas  um beija-flor .  

Enquanto varria a varanda, ao olhar para a laranjeira que tenho em minha casa, notei algo diferente, que me fez voltar ao passado e lembrar do meu avô, Seo Martins. Era um velho caiçara nativo de Trindade-RJ, um grande guerreiro defensor  dos costumes e tradições  de um povo que aos poucos vão se perdendo no tempo.

Eu era pequeno, mas lembro como se fosse hoje, quando chegávamos na sua velha morada, casinha de pau a pique muito aconchegante. Era notória a alegria com que recebia os amigos, mas principalmente os netos. Ele pegava uma pindaíba (caniço ou vara pra pescar) e também um bonito apodrecido, “moído” como ele costumava dizer, e corria providenciar a mistura para o almoço. Não demorava muito, vinha ele com quatro garoupas de encher os olhos de qualquer pescador. Vem-me água na boca só de lembrar aquela posta de garoupa com banana verde, o nosso tradicional azul marinho:

- Vamos fazer um escardado pra daqui a pouco.

 Minha avó costumava sempre cozinhar umas mandiocas para o café da tarde e socava no pilão outras, deixando para os passarinhos comer. Esse cuidado mantinha o quintal colorido de aves, que já contavam com a refeição proporcionada por vovó. Meu avô também era defensor  dos bichinhos, gostava tanto deles que junto a casa tinha um poço de água corrente feito por ele através de um desvio da água da cachoeira, onde minha avó lavava louça, roupas e onde ele consertava os peixes .Nesse poço ele passou a criar uma lagosta ou pitu, aquela toda listrada de preto, que um dia ele havia pego para servir de  isca para pescar e resolveu criá-la no poço. Apiedou-se do bichinho e deixava claro que não podíamos matá-la. Era a ordem dele para todos os netos.

Hoje, quando desvendei o mistério do beija-flor e, ao olhar a laranjeira, o vi a alimentar o seu filhote, lembrei - me de sua preocupação com os bichos, veio à memória quando eu chegava em sua Casa com o meu bodoque, ele me dizia:  


- Meu filho não dê bodocada naquele passarinho; ele trouxe seu filhote para se criar perto de nós.

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