sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A FIBRA DO NHONHÔ


As mudanças chegaram com a capela e a escola (Arquivo Mendonça)
                No começo do século passado, na Praia da Fortaleza, era produzida muita pinga. Dois alambiques davam conta do recado. Ou seja, muita cachaça por cabeça. Então, um passatempo comum aos domingos era brigar. Era dizer do lugar: “Domingo que não tem briga, gente ensanguentada, com cabeça quebrada... não é domingo”.  Era assim. Faz-me lembrar, conforme a memória de João Tãozinho, os domingos no Ubatumirim: os jovens da praia e do sertão já tinham um ponto demarcado no meio do caminho, entre os dois lugares, para os embates dominicais. Brigavam como um esporte olímpico! “Dar peadas, se esbofetear, ficar se aloitando até no serão era sagrado depois de uma semana na lida”.

                O que provocou as mudanças de alguns hábitos, mais respeito e melhor convivência foi a moral cristã. Explico: ao chegar naquela praia, na década de 1930, o padre João, o alemão, não se conformou com aquele quadro. Ao travar conhecimento com os moradores, logo percebeu no jovem Almiro, o Nhonhô Almiro, uma pessoa íntegra, capaz de uma tarefa da Igreja: ser o responsável por uma capela naquela praia.

                O Nhonhô assumiu a missão: era analfabeto, mas andava com um caderno e um filho (Salomão) que ia anotando as contribuições angariadas. Primeiramente passou pelas casas pobres do lugar explicando como era importante ter um espaço reservado para as orações,  poder escutar as mensagens da Bíblia e tornar a vida melhor.  Depois, ampliando o espaço, foi passando em outras praias e alcançou o centro da cidade. Tudo era registrado naquele caderno, cujo responsável era o menino. Conseguido o material, sobretudo telhas, os pitirões foram convocados.  Desse esforço abnegado nasceu, em 1940, a Capela São João Batista da Praia da Fortaleza.

                Depois da capela pronta, o padre de visão civilizadora se lançou em outra empreitada: implantar uma escola às crianças caiçaras naquele lugar. Dessa vez  o tio Onofre, morador no jundu do Canto do Cambiá, cedeu a sua casa, ou melhor, a sala assoalhada que servia aos bate-pés (xiba, ciranda etc.). Pronto! Nasceu a escola! Anos mais tarde, com a venda da casa para o turista Pierre, a casa da tia Martinha assumiu tal função. Nela eu estudei no final da década de 1960. Era uma Escola Mista, e, na mesma sala, a professora dava conta de três séries distintas. Bem mais tarde, a década de 1980, ela foi para o prédio atual, na via de acesso ao Morro da Maria Bidu e à Praia Grande do Bonete. Está onde era o Bananal do Sul, dos finados da minha avó Eugênia. É preciso dizer uma coisa: antes de a escola existir, ficava a cargo de um professor itinerante alguns rudimentos de alfabetização. Cada criança tinha um caderno e um lápis como se fossem as armas do soldado de prontidão para a guerra: bastava um toque de buzo diferente, em um dia qualquer, para os pequenos se deslocarem até a praia e receberem as lições. Depois restava cumprir as tarefas e ficar aguardando a próxima ocasião que podia até durar meses.

                Então, a partir da escola e da capela, as pessoas foram se transformando na realidade da nossa infância. Quer saber mais? Recomendo as poesias do mano Mingo e um bom papo com o tio Salvador.

                Só um ponto negativo nisso tudo: os dois alambiques faliram. A minha sugestão: que ao menos um deles seja reconstruído, no lugar original, debaixo das jaqueiras do Canto do Recife, para ser mais uma atração histórico-cultural.

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