quinta-feira, 27 de setembro de 2012

HISTÓRIA ENTRE BIJUS


Bica da Bidu: pare e beba escutando a memória caiçara.

                Quando criança, eu não era de muita conversa. Acho que foi porque eu comecei a falar tardiamente, por volta dos quatro anos de idade. Porém, eu tinha a vontade de andar bem ativada. A mamãe me chamava de andejo, batedor de perna, vento noroeste (porque passava rapidamente em todo lugar) etc. Tendo essas marcas registradas eu escutava muitas histórias e conhecia muitos lugares.

                A casa da dona Maria Bidu era um dos pontos mais distantes nas minhas andanças de criança. Eu andava sempre por ali porque brincava com o seu neto Anginho. De vez em quando éramos chamados para tomar café com biju. Naquele tempo o bolo achatado que provinha da goma da mandioca era o nosso pão.

                A gente sentava em mochos (pequenos e baixinhos bancos de madeira), em pedras ou em tocos que sempre tinha por perto, se grudava numa caneca de ágata cheia de café cheiroso e ficava roendo a parte que nos cabia. Nessa hora, aproveitando que os meninos tinham “assentado o rabo”, a vó de Anginho contava coisas que sabia.

                Foi numa dessas ocasiões de merenda que, olhando para o lado da sua praia de origem (Caçandoca), ela falou de algumas festas antigas que aconteciam por perto de casa. Também frisou que todos daquele tempo gostavam de festar, inclusive em outros lugares, mesmo que não fosse perto de onde moravam. Um exemplo: quando ia ter festa na Praia Grande do Bonete, bem distante da Caçandoca, o sinal era feito por fumaça um dia antes. Depois de confirmado o evento, o pessoal do lugar se ajuntava e saía num grande grupo disposto a se divertir. Imagine uma boa quantidade de gente se deslocando quilômetros e quilômetros a pé somente pela busca do prazer. Eles levavam ao menos um tambor. Iam cantando e dançando pelo lagamar e pelos caminhos de servidão. De longe se escutava a empolgação. Mais tarde o Virgílio da Praia Grande confirmou isso tudo. "Essa gente descendente de escravos gosta muito de festa".

                No lugar onde acontecia a festa, no caso do exemplo  da Praia Grande do Bonete, havia uma expectativa crescente conforme aumentava o som das batidas do instrumento. Todos esperavam na praia, no ponto de chegada do caminho. Em seguida eram acolhidos, “repartiam entre si a comidoria e alguns descansavam  para a função na noite”. Era a noite toda de dança. Só depois de clarear o dia era oferecido o café como despedida. Então, novamente o grande grupo retornava à Caçandoca. A dona Maria dizia que parecia até “um monte de bicho de frieira” que se deslocava molemente ao som dos cantos e danças. Conforme as suas palavras, “era nessas ocasiões que a gente namorava bastante”.

                A fotografia que ilustra o texto de hoje (ano de 2012) é da Bica da Bidu. Ela continua saciando os caminhantes do íngreme caminho que liga as praias da Fortaleza e Grande do Bonete. Se você silenciar bem ainda poderá escutar uma voz melodiosa e o som de panelas sendo areadas no tempo d’antes sob a cobertura da mata.

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