domingo, 23 de setembro de 2012

A FIBRA DO NHONHÔ (III)


Meu ipê nas suas primeiras flores. Valeu a espera!
A andorinha chegou esgotada, deu a vida pelo anúncio da primavera.

                Hoje, deixo que o tio salvador narre com muita emoção, os últimos dias do Nhonhô Almiro na Praia da Fortaleza, neste mundo:

                “Estando o meu pai muito doente, já internado, o doutor Teófilo me chamou e disse que nada mais podia ser feito. Agora era uma questão de tempo no aguardo da morte. Afiançou que nem mesmo em outro lugar, com mais recursos, alguma coisa poderia ser feito. O sangue tinha engrossado. Era preciso aceitar a situação.

                Após consultar o meu pai, ele mesmo ajudou a decidir: ‘Me leve para a minha casinha. É no meu cantinho, perto das minhas coisas, que eu quero morrer’. Imediatamente eu peguei a licença do trabalho. Expliquei para o frei Pio [presidente da A.S.E.L – Ação Social estrela do Litoral] que desejava passar os últimos dias do meu pai cuidando dele. Era eu e o meu irmão: o finado Clemente. Éramos tão devotados, cuidávamos do meu pai tão bem que, o finado tio Maneco Mesquita, afilhado dele, comentou numa ocasião: ‘Nem mesmo duas moças fazem o trabalho que vocês fazem! Feliz é o meu padrinho por tê-los por filhos!’.

                Eu, por ser o caçula, era o primeiro a ser chamado. Isto acontecia muitas vezes durante a noite. Eu sentia muito sono, estava sempre cansado, mas não arredava o pé na obrigação de servi-lo melhor ainda em seus últimos dias de vida. Afinal, quanto ele fez por mim e por meus irmão!?!

                Disso tudo eu guardo um detalhe que carregarei até os últimos dias de vida: na véspera de sua morte, o meu pai se levantou na sala e foi se deslocando devagar, se apoiando nas paredes, até a cozinha. De quando em quando ele parava, olhava ao redor. Reparava bem no teto e nas coisas que estavam por ali. Ao chegar na cozinha, perto de um fogão à lenha que a gente tinha, depois de tomar um gole de água da talha, novamente continuou contemplando tudo. Quando lhe perguntei se estava sentindo alguma coisa, se precisava de algo, ele disse com a voz bem fraquinha: ‘Não, meu filho, não é nada não. É que estou me despedindo das coisas e da nossa casa porque a morte  vem chegando. Já está aqui’.

                No dia seguinte, vendo-nos tristes, entabulou a derradeira fala: ‘Não fiquem assim tristes e abatidos. A morte é natural, ninguém escapa dela. Os meus pais morreram cedo; vocês nem conheceram os seus avós.  Só recomendo que continuem sendo bondosos, respeitando os mais velhos e não passando a perna em ninguém’. Em seguida ele faleceu.

                Quis a Providência Divina que, naqueles dias, estivesse acontecendo um encontro de líderes comunitários na capela, sob a direção do frei Francisco. Foi uma imensa comoção. Após prepararmos o desgastado corpo, uma imensa procissão o conduziu até a Capela de São João Batista, onde aconteceu a missa de corpo presente.

                Que dádiva tudo ter acontecido na capela em que ele tanto se empenhou, rodeado de tantas pessoas! Depois, no caminhão da A.S.E.L, eu conduzi o cortejo até o cemitério da cidade.

                Enfim, meu pai foi um homem de muita fibra”.

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