quarta-feira, 13 de abril de 2011

Mané Hilário (parte 3)

Gente daqui mesmo:
         Estou com 93 anos completo. Eu sou de 1908; 1º de dezembro de 1908. Eu nasci numa casa na rua Dr. Esteves da Silva. Não tem uma saída ali, uma saída que vai no mercado, que tá amurada de bloco, só tem espaço pra fazê casa? Ali foi onde nasci. Do lado era uma padaria do Adolfo Inácio e tinha uma casa dele do lado de onde era o lugá. Nóis morava ali. Então o papai alugô pra minha mãe ganha eu. E aí ficamo mais uns cinco anos morando ali. O Adolfo Inácio era o seu avô [do Júlio]. O seu bisavô era o Zé Inácio.
          Eu morava aqui, eu sou daqui. Depois eu me mudei de novo, outra vêiz lá pro Perequê- açu; fiquei lá no terreno nosso; lá onde a madame morô. Lá era tudo nosso. Agora tão entrando um povo, tomando conta. Tá na mão do advogado, mas até agora... São 66 arqueires de terra. Tá na escritura, tem posse na prefeitura, mas até agora não ressorveu nada. Eu não dô bola; eu tô nessa idade, não dependo de nada mesmo.
         A vida naquele tempo em Ubatuba era a pesca e a roça. Ubatuba não tinha açougue, não tinha medicina, não tinha nada. Caía uma criança doente - que Deus o livre o coitadinho-, a folha de laranja era o remédio –chá- e outros remédio que os mais velho –casero- ensinava, e, com a graça divina todos ele sarava. Hoje, qualquer uma coisinha vão pro médico, vão pra Santa Casa. E às veiz nem o médico sabe o que a criança tem. Mas vão lá pra mão do médico, mas correm pra lá. Naquele tempo não tinha nada disso; era tudo remédio casero. Uma criança que tinha uma dor de barriga – chá- raspa aí uma casca de canela, bota na água morna, dá pra ela sará quer ele sara. E sarava. “Ai, tô com uma dor”. Faiz uma folha de laranja, dá uma folha de laranja. Ah...criança naquele tempo era muito verme, não tinha recurso,  era remédio casero. Erva hortelã –aqueles remédio que nóis tem dentro de casa; e crescia e morria com 80, 90, 100 anos. Não tinha nada, não tinha médico. Não tinha não! Não tinha! O único homem que era entendido naquele tempo era o Luís Domiciano, o seo Juquinha... O Adorfo Inácio também tratava. 
         O Juquinha era famoso. Ele tratou de mim. Eu trabalhei em Santos; eu vim de Santos com uma maleita. Não, de lá eu vim adoentado. De uma maleita não; foi de uma injeção que eu tomei lá: que não podia ninguém embarcá, pegá navio sem sê vacinado. Eu vim. Aí me deu uma febre. “Isso não é nada não, Hilarinho. Eu vou dá um remédio pra você”. E ele me deu um remédio e eu fiquei bom. Eu tinha 15 anos; eu tô com 93. (2002)
         Em Santos trabalhei roçando bananal. Peguei um navio aqui e fui. Fui ganhá um dinheiro lá pra passá um Natar aqui. Você vede como era: eu fiquei dois meses e vim embora; depois não vortei mais. Muitos ia pra lá; de navio ou por terra; levavam cinco ou seis dias de viagem. Chegavam lá c’oa mão inchada, pés inchados de tá andando por esse caminho aí, pra trabalhá no sítio lá. Arguns ia de canoa de volga. Eu nunca fui de canoa de volga.

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