sexta-feira, 10 de setembro de 2021

AOS CAMBOTES

       

   

Praia e mar em cerração - Arquivo JRS

      É privilégio poder começar o dia apreciando o mar, identificar as gaivotas e embarcações ao longe, notar um cardume de botos em cambalhotas, "aos cambotes" como dizia papai e os mais antigos caiçaras. Pensei na hora: "Estão perseguindo tainhas. Mas... a esta altura do ano?". Que mar generoso! Ele nos inspira a tolerar mais o mundo e os malfeitos que aparecem por obras nossas, de humanos, mas também nos cobra por novas atitudes, capazes de alimentar utopias. Lá longe, onde o mar se funde como céu, repito as palavras de Eduardo Galeano: A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.

     Dizem que, por causa do mar, parte de nós enquanto moradores do litoral, estamos menos sujeitos a tantas doenças nervosas. Concordo! Afinal, quem pode achar normal toda uma vida num ambiente infernal das grandes cidades, dos seus barulhos e poluição atmosférica? Quem  é normal achando normal paisagens degradantes e vidas degradadas?

     É por isso que, a cada oportunidade, as pessoas fogem dos centros urbanos em busca de outros ares. Vão para o campo, na convivência rural, ou procuram o litoral, o ambiente das praias.  Depois... vivem a angústia... de voltarem ao cotidiano. Imagino a situação como a imagem de uma nuvem pesada pairando sobre essa gente. Entretanto, muitos dentre essa multidão dirão sem pestanejar que caiçara é preguiçoso, estraga tudo, não valoriza o que tem etc. Isto mesmo! Esses moradores, esses nativos que preservaram o ambiente atraente à multidões, são desmerecidos por muitos. Mas saiba de uma coisa: se os habitantes do litoral cultivassem a mesma sanha dos que vivem nos centros urbanos industrializados, essa  natureza  exuberante que se compõem com o mar já não existiria mais. Portanto, há uma contradição quando se fala mal dos nativos, mas se vive a cobiçar o ambiente deles. É esse espírito perante a vida que nos garante essas maravilhas da natureza próxima do mar. Ou seja, um espírito diverso desse é uma mentalidade tão fraca que nem é capaz de enxergar a própria incoerência. Como vai se acabar? Um ditado nosso responde: "Vai morrer mordendo o próprio rabo".

     Um aviso ao visitante: o mar que você vê pode não ser o mar que a nossa gente enxerga. O seu deslumbramento pode estar muito aquém do nosso respeito e integração com ele. Portanto, na próxima oportunidade diante do mar, reflita sobre a cultura caiçara que oferece a todos esse paraíso. E se recomponha em seus conceitos para não alimentar preconceitos que se virarão contra si mesmo, capaz de deixá-lo  eternamente aos cambotes.  

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