quarta-feira, 12 de maio de 2021

BRINQUEDOS DE PALAVRAS - II

 

Mano Guinho quase alcançando a Pedra do Imbé (Arquivo JRS)

          Em outro texto, dias atrás, expliquei que as minhas crianças, quando eram pequenas, na hora de dormir, pediam sempre Histórias do Zezinho. Então, espremido na cama estreita, buscando palavras, eu criava narrativas com coisas que aconteceram no passado. Muitas vezes usava nomes de gente conhecida como uma forma de homenagem. Os eventos viravam brinquedos porque as palavras são poderosas.  

     

     Artelino veio de uma terra distante. De um lugar onde ninguém da família do Zezinho conhecia. Por isso que ele era também conhecido como Nortista. Mas o nome dele era Artelino Flor, morava no morro da praia Brava. As suas prosas sempre tratava de coisas amadas que o tempo lhe havia roubado. Por exemplo: o irmão dele, um ano mais novo, viajou para trabalhar em São Paulo e nunca mais deu notícias. Foi assim que Zezinho soube-lhe a origem: era nordestino.

   Como o irmão, ele deixou a sua terra; precisava trabalhar, ganhar dinheiro para poder ajudar a família que era pobre demais.  Na cidade grande logo conseguiu ser empregado. Pouco tempo depois o seu patrão construiu uma casa na praia e o levou para ser caseiro.

     Caseiro é a profissão de quem zela pela casa de alguém, mora na propriedade, mas separado do casarão, na casa de caseiro. Artelino usou esta frase para que o Zezinho entendesse melhor: "Eu estou aqui como se fosse um cão de guarda do patrão. E o Pindá, aquele vira-lata ali, é o meu cão de guarda de verdade!"

     Pindá era um cachorro preto, bem peludo. Zezinho dizia que era da "raça de cachorro barbudo". Artelino dizia coisas maravilhosas dele. Um dia segredou que, no barranco, perto da Pedra do Imbé, o Pindá cavoucara uma coisa que tinha farejado. Era uma caixa enleada com uma coisa diferente. Assim que o sol bateu nela, aquilo foi se derretendo e a caixa se abriu. Sabe o que tinha lá dentro? Moedas de ouro! Muitas e de diversos tamanhos! Emocionado, naquele dia distante, terminou a prosa:

     "Hoje, Zezinho, é a derradeira vez que nos vemos. Estou me despedindo só de você porque sei que não vai comentar a respeito disso com ninguém. Vou voltar para a minha cidade, do lugar de onde precisei sair. Estou quase morto de saudade da minha gente, do papai e da mamãe".  

      Ele se foi naquele mesmo dia, de carona no caminhão do Getúlio que buscava uma vez por mês banana naquele nosso lugar. Nunca mais se teve notícias daquele homem. Nunca ninguém soube nadica de nada pela boca do Zezinho. Só vocês agora estão escutando a história do Artelino Flor.  Uma coisa com certeza aconteceu (porque é normal acontecer!):  o tempo levou mais coisas amadas do Artelino. Tenho a convicção de que até ele, depois de tanto tempo, já foi levado. Ser rico ou pobre é indiferente ao tempo. 

      Quando eu não dormia antes de acabar a história, ainda fazia esta pergunta: "E ai, gostaram?".

 

Um comentário:

  1. Gostei. Torço para que ele tenha conseguido realizar seus sonhos e não tenha encontrado nem um espertalhão aproveitador. Valeu amigo irmão.

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