quarta-feira, 19 de maio de 2021

EU PASSEI DA PONTE PRA CÁ

Zé Pedro na capa do livro (Arquivo JRS)

       "Que a sabedoria e os causos do Mestre Zé Pedro continuem nos orientando a vida e nos alegrando. Grande abraço". (Dedicatória no meu exemplar - Ubatuba, 29/05/2014).

      Moacyr Pinto,  sociólogo e professor aposentado, morador de São José dos Campos, certa vez lançou este importante livro do Zé Pedro: Eu tenho o meu sonho. Lá se vão sete anos. Nesta semana faleceu Mestre Zé Pedro. Nossos sentimentos à comunidade quilombola da Fazenda da Caixa, da Casa da Farinha.

      Eu conheci Zé Pedro em 1981. Onze anos depois eu o reencontrei numa roda de ciranda, na sede do Núcleo Picinguaba. Era Mestre de Ciranda. De agora em diante ele permanecerá em nossas memórias com a sua simplicidade, suas histórias, seus causos e seu contagiante riso. Segue uma passagem resgatada pelo amigo Moacyr.


      De primeiro eu trabalhava na cana, em Picinguaba. Um dia saí do serviço, era quatro e meia da tarde, e fiquei na venda do seu Zé, um velhinho que tinha um bar em Picinguaba, tomando umas bebidas com uns amigos. Lá pelas nove horas da noite eu vim embora.

     Quando cheguei na praia, na barra desse rio da Fazenda, o Napoleão, que morava na beira da barra  e era o barqueiro que passava as pessoas pro outro lado, tava jogando truco com o Norival, com o João Derfino e o compadre Neco, que era filho dele. Eu já tava meio chutado e gostava de jogar truco - até agora eu gosto - e sentei lá com eles. Tinha duas garrafas de pinga Riopedrense em cima da mesa.

     Eu comecei a jogar com eles e a tomar pinga. Quando dei por fé, a pinga tinha acabado e já era meia-noite!

     Eu vim embora por dentro, num caminho que passava por uma ponte. Quando andei uns cem metros, um homem me alcançou e veio conversando comigo. Vim conversando com o cara numa boa. Viemos, viemos e quando chegamos na ponte - era uma ponte de um pau só - eu tava meio ruim, meio tonto, mas passei e esperei o cara do lado de cá. Quando vi que ele tava parado, eu falei:

  - Ô, meu amigo, vamo passá?

  Ele disse:

  - Não, eu num passo água não! Num posso passá a ponte,  na água!

  Aí eu olhei bem nele e vim embora pra casa. (Ar de riso). Só que eu penso até hoje quem era ele e porque ele veio atrás de mim. Não era gente deste mundo, né? Eu acho que ele veio me protegendo - anjo da guarda - pra não deixar acontecer alguma coisa comigo até na ponte. Depois que eu passei da ponte pra cá, acho que ele achou:

  - Bom, já passô a ponte, agora ele vai.

Nenhum comentário:

Postar um comentário