terça-feira, 28 de maio de 2013

VERDADES NO MAR; VERDADES EM TERRA

                       
          
                   Hoje, ao lembrar do pessoal que viveu tanto tempo na pesca (Chico Félix, Chico Romão, Zé Lucas...), me veio a vontade de reeditar este texto. Espero que gostem!

                Se tem uma coisa que me impressiona muito, mas muito mesmo, é conversa de embarcadista. Sempre se escuta coisas fantásticas, testemunhadas por essas pessoas que têm o mar como companhia por muito mais tempo que a terra. Alguns deles, apesar de até terem se aposentado da faina marítima há tempos, ainda estão inseguros em terra firme devido ao tanto de tempo em que viveram no balanço do mar. O meu amigo Oscar, natural da Ilha do Prumirim, que viveu embarcado por muito tempo, quando em terra, demorava alguns dias para conseguir se equilibrar em sua velha bicicleta. Era comum ele dizer nos primeiros dias depois de um período de pesca: “Nem conte comigo para sair de magrela por esses dias. Se quiser ir caminhando...tô dentro!”. Outro pescador que há tempos está em terra firme é o Zé Lucas, do Perequê-mirim. É impressionante escutar os seus causos! Querem um aperitivo? Lá vai!

            - Pode contar, Zé, alguns causos vividos no mar que te marcou demais?
            - É lógico que sim! O primeiro deles aconteceu próximo da Ilha Monte de Trigo, depois de São Sebastião, do tempo em que eu nem era ainda mestre de barco. Existe um pássaro interessante, de pés minúsculos, mas com uma envergadura de asa fantástica. Sabe que ele não mergulha? O peixe que pesca é aquele que está na superfície da água; passa o bico avantajado e captura. Ele não mergulha, nem pousa na água justamente por tem uma asa muito grande que não permite alçar voo do nada. Na verdade, as asas, ao serem esticadas na altura da água, ficariam mais da metade submergidas e perderiam a sua oleosidade de flutuação. Digo isso para que você entenda o que vem agora: aconteceu de, na referida ilha, por ocasião de muita manjuba, numa das descidas, um deles se atrapalhou e ficou na água. Ficou quietinho, flutuando, como se nada tivesse acontecido. Então, já sabendo que esse pássaro não sai voando da água, todos do convés do barco se voltaram para o fato, como se dissessem ‘como ele vai se virar agora?’. Foi quando aconteceu algo que nenhum dos homens presentes, todos já velhos pescadores, tivessem visto ou imaginado: um outro pássaro do bando desceu, segurou aquele que boiava na altura do pescoço e começou a levantar o seu corpo da linha d’água até o ponto onde as asas do primeiro se desgrudaram da água, começaram a bater até ganhar autonomia de voo. Impressionante, né.
            - E aquela vez das toninhas e atobás? Conta, Zé!
            - Tá bem. Dessa vez foi pra fora do Bom Abrigo, pra mais de quatro horas de navegação, quando a embarcação estava com a carga quase completa de sardinhas. Não muito longe de onde a gente navegava, um bando de atobás desciam freneticamente a cada instante. Aquilo chamou a nossa atenção. Na mesma hora, estando eu de mestre, ordenei que fôssemos naquela direção para ver o que era aquilo, que tipo de peixe estava por ali chamando a atenção dos atobás. Aqui vem o inacreditável: naquele ponto do mar estava um cardume de toninhas. Elas mergulhavam muito profundamente, traziam, até mostrar na superfície, anchovas. Então, as aves pegavam como quem estivesse recebendo um presente; em seguida, ganhavam as alturas satisfeitas com as valiosas presas. As toninhas voltavam a mergulhar e traziam mais peixes. Tal espetáculo permaneceu por  quase uma hora, quando todos os pássaros pareciam estar saciados. Na verdade, elas estavam capturando os peixes de águas profundas e trazendo para que os atobás se alimentassem. Um dos pescadores que assistiu tudo disse no final: "Que exemplo! Será que alguém vai acreditar em nós quando, em terra, a gente contar isso?"

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