sábado, 25 de maio de 2013

A CRUZ DE UMA PAIXÃO

            
A Cruz de Iperoig, em Ubatuba,  lugar de tantas paixões! (Arquivo  A/I)

                

              Hoje tem escolas com o nome dela, mas poucos sabem a respeito dessa humilde mulher que faz parte da memória de Ubatuba.  Como seria gratificante conhecer e cultivar o espírito literário da Idalina Graça! Hoje, Da história contada pelo o velho Romão, essa caiçara escreveu a lenda da “Cruz de Iperoig”:

                “Iperoig, a mais linda virgem tamoia, implora a seu Deus o amor do homem branco. Na orla da praia, o jovem missionário ora e medita. As saudades da pátria distante são suavizadas pela fé ardente.
                O amor da jovem índia não o perturba. Há muito que esqueceu as tentações da carne, porém seu espírito sofre. Acostumado a amar e amparar os seres humanos mais infelizes do que ele próprio o é, compreende o imenso desespero da virgem que se lhe oferece e é repudiada.
                Já havia perdoado o amor louco da selvagem donzela, que tentava afastá-lo do Senhor e da gloriosa missão para a qual fora destinado na terra. Pousa seus olhos sonhador sobre a cabecinha amiga e inclinada a seus pés. Olha para os braços roliços, morenos, de linhas graciosas e puras, cruzados sobre os seios pequenos e túrgidos. Iperoig espera...
                Eis que o homem branco, com voz suave e trêmula, diz: - ‘Minha filha. Já o sol nasceu e está aquecendo a terra. Seus raios vivificadores estão dando vida tua pátria selvagem, onde viste pela primeira vez sua luz’.
                Ergueu-a mansamente da areia, onde estava ajoelhada, e viu-a trêmula e palpitante. Seu espírito forte e heroico se sentiu turbado ante aquela criança, que implorava desesperadamente amor. Vacilou por um simples momento, e pousando o seu olhar na incomensurável amplidão do céu, orou febril:  - ‘Deus, Todo Poderoso, tende piedade! Lançai Vosso olhar protetor sobre esta pobre ovelha arisca do rebanho. Senhor! Iluminai com Vossa Divina Luz este pobre coração obscurecido e mergulhado no pecado! Fazei, Senhor, com que esta criança sofredora, conheça a Luz e a Verdade, que sois Vós, Jesus!’
                Enquanto orava, de seus olhos as lágrimas escorriam, lentamente, pelas faces pálidas e encovadas. Ouvi-o Iperoig. E assim falou: - ‘Os guerreiros valentes da nação tamoia não choram quando vão morrer. Tu choras porque eu te tenho amor.’
                Cai, de joelhos, o missionário: ‘Ave-Maria...’
                Sua voz clara e melodiosa se casa com trinado dos pássaros, enquanto o mar na praia o acompanha em responso de prece...
                Parte a jovem tamoia alucinada de dor, ofendida no mais profundo ser, pela recusa do seu amor. Vai pedir a vida do homem branco a seus irmãos. – ‘Negara-lhe ele o amor que lhe ofereceu? Pois bem; ela lhe negará a vida.’
                Segue. Penetra na selva. Eis que das folhas escuras desliza lentamente a horrenda urutu. Um bote e um grito! Iperoig sente-se ferida. Seu olhar desvairado busca, frenético, a ‘árvore da vida’, cujas folhas poderão salvá-la. Mas, ai dela! A árvore nasce muito longe, além, no sopé da serra. As dores atrozes dizem-lhe que a mais linda virgem da nação está para morrer.
                - ‘Não’ –grita aflita – ‘Não morrerei longe dele. Quero vê-lo mais uma vez, antes de partir para o país das sombras’.
                Reunindo todas as forças que lhe restam, já minada pelo veneno atroz, Iperoig tenta voltar à praia. Ampara-se nos troncos, nos galhos, arrasta-se de joelhos, implorando a Tupã para que lhe dê energia suficiente. Torna a enxergar o mar. Seu olhar amortecido pela morte que se aproxima, vislumbra a silhueta amada. Um derradeiro arranco, um último esforço, o grito agônico e tudo se acaba.

                Surge a lua que ilumina dois vultos na praia deserta: um monge que reza e um corpo jovem que dorme seu último sono. Assim atravessam a noite. Quando o sol iluminou mais uma vez as areias alvas, encontrou uma tumba e uma cruz de lenho plantada pelo padre Anchieta. É ela que perdura até os nossos dias: a Cruz de Iperoig”.

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