quinta-feira, 14 de março de 2013

A SEREIA DO JOAQUIM

Tio Dico, o balseiro do Puruba, indicando o "lugar onde boto vem namorar". (Arquivo JRS)



Num dia desses alguém me perguntou sobre botos, sereias e outros bichos estranhos que, conforme contam, se apaixonam de vez em quando pelos seres humanos. Até o tio Dico do Puruba já comentou de fulano ou sicrano que era filho de boto, tem parte com sereia e outras coisas mais. “Eu não posso afirmar, mas os mais antigos diziam!".
        O finado Mané Bento, parente nosso da praia da Fortaleza que detestava o Artelino Flor, ao ser provocado para dizer se o inimigo era filho de relação semelhante, com tais seres, respondia: “Que nada! Aquele só pode ter sido parido pelo Coisa Ruim!”. Era uma risadaria só.
Só do Joaquim Silvino, homem bravo do Canto da Pegada, é que eu ouvi “à boca de siri” umas histórias estranhas. Murmuravam das madrugadas, ou melhor, das suas saidas na canoa nas altas noites de Lua cheia, quando tomava o rumo da Ponta da Fortaleza e lá ficava horas e horas antes do clarão do dia despontar pela borda da Ilha dos Porcos, no Largo das Caçoas, onde tudo cheirava à arroto de melancia. O finado tio João Batista, numa noite de insônia, contou isto: “O Joaquim, quando sai remando em noite enluarada, assim que quebra a linha da Ponta, toca a canoa até o Saco do Zacarias e apoita bem perto da Pedra da Carmelina. Não demora muito para uma sereia, linda de morrer, se encostar no lajedo. Ali eles proseiam, proseiam, proseiam... Tem gente que jura até pela própria mãe que os dois se enlaçam parecendo uma coisa só. Eu não duvido não!”.
Estou contando a respeito desse assunto só agora porque o homem bravo, capaz de se enamorar por um ser que explicam como metade mulher e metade peixe, já é morto. Em cima do seu chão tão querido agora tem um hotel por nome de Refúgio do Corsário, em cujo folheto de propaganda, dizem, até mencionam o Joaquim como possível descendente do destemido Cavendish, um famoso aventureiro e bandido do mar que se amoitava por ali e deixou as primeiras marcas de pegadas no canto rochoso. “Tá valendo!”, conforme expressão do Fernandes Barreto, ao defender a “propaganda como alma do negócio”. Ah! Também, ao ler no meu tempo de ginásio o livro O coronel e o lobisomem, de José Cândido de Carvalho, o que se contava a respeito desse caiçara bravo me veio à mente. Tem lá uma passagem onde o coronel Ponciano se atraca com uma sereia e até propõe que fiquem juntos, morando como marido e mulher. Acho, apesar de tanto tempo, que é mais ou menos isso. Agora me pergunto se o respeitado homem, da cepa dos Silvino (?), não chegou a esse extremo. Quem sabe se a amargura notória em seus últimos dias não teria como motivo umas escamas que atrapalhavam o meio do caminho. Quem sabe?

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