terça-feira, 19 de março de 2013

NÃO SE TORNOU LIVRO...

Raul Quedas, seja bem-vindo!  Eis a Prainha do Tapiá. (Arquivo  JRS)

Mas bem que poderia! Me refiro ao trabalho do mano Mingo [Domingos Fábio dos Santos], apresentado ao Departamento de Geografia (USP - 1993),  cujo tema é Plantando na terra, colhendo no mar. A partir de hoje, me proponho a apresentá-lo, em algumas partes, para que os leitores do blog saibam do conteúdo. Afinal, foi o principal trabalho utilizado para sustentar toda a movimentação na área da Caçandoca, na demarcação de “território quilombola”. Vamos em frente!


Sendo uma região marítima, Ubatuba, desde cedo foi colonizada, sendo palco de escaramuças entre portugueses, franceses e índios tupinambás.
Após a supremacia lusitana, quando aquele trecho do litoral entre Santos e Rio de Janeiro, se tornou uma das regiões mais dinâmicas do Brasil colonial, Ubatuba também se destacou economicamente, seja como porto escoadouro dos produtos do Vale do Paraíba, seja pela própria produção pesqueira e agrícola. Até finais do século XIX, haviam fazendas por todo o Município, sempre com o modo de produção baseado no escravismo.
A decadência se dará com o fim do regime escravocrata e com o desvio dos fluxos de circulação de mercadorias para os portos de Santos e do Rio de Janeiro.
Entre o crepúsculo do século XIX e meados do século XX, aquele trecho do litoral, isolado pelas muralhas cratônicas na retaguarda e pelo Oceano Atlântico à frente, se viu esquecido pelo restante do país.
Para entendermos a espoliação praticada contra os caiçaras, há que se analisar as estruturas econômico-sociais vigentes, os padrões culturais e costumes da população praieira. a grosso modo, pode-se dizer que Ubatuba manteve as características novecentistas até  meados do século vinte, ocasião da abertura e melhoria das vias de acesso do Vale do Paraíba com o Litoral Norte. Isso vai se verificar na religiosidade, na ingenuidade de visão do mundo e das pessoas, na produção econômica, nas festas etc. A apropriação da terra até esses anos, vai ser semelhante aos anos do período colonial, que no dizer de Maria L. Marcílio (1986): “A terra só tinha valor comercial quando explorada e em produção. A noção de propriedade da terra no sentido do completo usus e abusus, tinha pouca consistência dentro desse sistema de cultivo e agricultura itinerante. É por essa razão que poucas foram as sesmarias solicitadas no município até início do século XIX. E poucos eram os lavradores preocupados em oficializar sua posse ou os títulos de sua propriedade individual”.
Depois do breve período cafeeiro, por volta de 1850-60, Ubatuba sofreu uma gradativa diminuição e estagnação de sua população, que perdurou até meados do século XX.
         Para entender melhor, os ritmos populacionais deste território variavam muito. Em 1771, o município só contava 1.338 almas, entre livres e escravos. No final do século já conseguira dobrar em números (2.652 habitantes em 1799). Trinta nos depois ela duplica seus habitantes, mais uma vez. Em suma, num período de 60 anos (1771-1830) a população do município cresceu 418 por cento.  No recenseamento geral de 1872, eram ainda tão-somente 7.565 pessoas. Em 1940, quando o turismo ainda não havia descoberto Ubatuba, sua população havia regredido para os níveis do final do século XVIII: ou seja, 3.227 no total. Nessa época, Ubatuba conservava-se, ainda, como uma coletividade de roceiros-pescadores, que plantavam para o gasto. Trinta anos depois, já se processava o implacável movimento de destruição da economia caiçara e da expulsão dos posseiros tradicionais, numa ação consertada pelo grande capital paulista de especuladores e das transnacionais do turismo. juntando-se a isso o controle em massa das epidemias e endemias do litoral, a queda brusca da mortalidade, ocorre um crescimento acelerado da população. Em 1970, o município já contém uma população, de fato, contada em 15.203 habitantes.  A partir de então, a estrutura e posse da terra deixam de ser aquelas típicas de uma economia camponesa, do sistema de queimada e da roça de alimentos, desmanteladas cruelmente pelo capitalismo selvagem.
A especulação desenfreada e o turismo anárquico e desgovernado expulsaram os velhos caiçaras de suas terras e, em seu lugar, implantaram a destruição ecológica,  avidez fundiária e o vazio humano das casas de fim de semana.

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