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Capa do livro - Arquivo JRS |
Dias desses eu ganhei um presente que adoro: livro. Foi dos estimados Jorge e Joana que veio parar em minhas mãos, com o título de Rebentação, escrito por Renata Conde, uma prazerosa leitura. Classifico assim a narrativa, sobretudo para quem nasceu e cresceu na beira do mar, na cultura caiçara.
Nas páginas da Rebentação, parecia que havia muitos momentos familiares. A autora foi feliz em captar o ambiente da beira mar, da gente da pesca. Teve um momento em que eu me recordei do tio Dico do Puruba quando me explicou o sumiço das ostras dos rios Puruba e Quiririm: "Ah, meu filho! A minha gente toda foi criada com as ostras daqui. Era fartura, só das grandes. Acho que você nunca vai comer um escardado de ostra. É coisa de lamber os beiços e depois dormir! Faz tempo que não tem mais; de vez em quando as crianças, mergulhando, pegam umas e outras, mas não é nada diante do que tinha. Sabeis como se acabou? Foi uma maré de óleo que entrou barra adentro, matou tudo. Faz tempo. Eu era novo, ainda namorava. Até hoje a nossa água não se recuperou". Uma história parecida eu escutei em prosa com o saudoso Genésio do Cambury: "Aqui tinha muita ostra neste nosso rio, mas hoje em dia não se encontra uma para remédio. Elas desapareceram quando passou a estrada [BR 101 - Rio-Santos] lá em cima, despejando por muito tempo barro na cachoeira. O nosso rio ficou barrento um tempão. Acho que foi isso que matou tudo". A autora, recorrendo a um fato histórico (o petróleo que alcançou o Nordeste brasileiro no ano de 2019, onde os pescadores sentiram-se só na empreitada de conter um acidente que foi muito pior devido ao descaso dos poderes constituídos na época, de uma presidência que produzia noite durante o dia de tanto incendiar florestas), nos emociona porque somos parte do mar e de suas vidas que correm em nossas veias: "O petróleo tomou tudo. A areia estava fúnebre, pontilhada de manchas de dois, três metros quadrados, que eram continuamente regurgitadas pelo mar. Cada porção de gosma tinha a espessura de um colchão de luxo, no qual nunca ninguém dali havia dormido. O óleo tinha atravessado a rebentação. Foi além da dor".
Por fim, me emocionei quando a autora cita uma praia onde estão os parentes, gente dos Lopes: "Essa história foi escrita pelas comunidades originárias de Ubatuba (...) que construiu em mim a ideia de mar, lugar em que o conheci. Foi onde vivi a surpresa do gosto salgado e da força das ondas. Ali me sentei com pescadores da Comunidade da Praia do Peres e aprendi". Sim, minha irmandade! Ela está se referindo à Prainha do Peres, no caminho do Bonete, onde nasceu e se findou o tio Zaca, o Tobias e tanta gente nossa! Ah, quantas prosas eu pude ter por ali! Por isso recomendo a leitura e sou grato à sensibilidade da Renata. Valeu! Gratidão ao Jorge e Joana pelo presente!
Em tempo: a minha maior preocupação - e de muita gente no momento! - é com essa onda reacionária contra a cidadania comprometida com os mais excluídos e contra os nossos direitos tão arduamente conquistados. O medo que eu tenho é que ela avance, passe a rebentação da democracia e nos sufoque de vez.
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