quinta-feira, 25 de março de 2021

UM PADEIRO NA VITÓRIA

 

Arte em casa (Arquivo JRS)

     

Embarcados pelas comunidades isoladas (Arquivo Rê)



      Eu precisava comprar pão: “ordem da patroa”. Cheguei e parei na fila. Notei o rapaz do Lar Vicentino esperando a sua carga para levar aos idosos que ali são assistidos. Beto Maciel, padeiro de primeira, sempre atento às necessidades da coletividade e buscando ajudar com alguma coisa, certa vez expressou a preocupação com caiçaras que moravam em pontos distantes, em comunidades isoladas, nas ilhas. Imaginou que faria uma boa ação se ensinasse às pessoas dessas comunidades a arte de fazer pão, contribuindo para a diversificação alimentar imposta pelas circunstâncias. E assim fez!

       Juntando a fome com a vontade de comer, conforme o ditado, o Beto patrocinou uma viagem de barco a um grupo de evangélicos para a Ilha da Vitória. Seguiu junto munido de equipamentos e ingredientes à aula que esperava dar lá. Chegou se admirando pelo fato de todas as moradias estarem localizadas no alto do morro. Expliquei, depois, que é um sentimento que vem dos primórdios: era medo do morro descer e soterrá-los caso morassem nas partes baixas, perto da costeira. (Na ilha vizinha, em Búzios, não tem essa crença e esse costume). Ele também constatou a falta de água aos pobres daquele lugar, naquela época seca, sem chuva. Ah! Também ficou desapontado pelo fato de ninguém se interessar no aprendizado de fazer pão. Quer coisa pior para um padeiro com toda disposição para ensinar a fazer pão, esperando realizar algo tão sonhado e tão bem planejado?

     Não importa, amigo! O que valeu foi a sua intenção e o seu empenho em realizá-la! Não posso dizer muita coisa a respeito da desmotivação dos ilhéus, das ilhoas, mas recordo-lhe que a culinária caiçara nunca prezou pelas novidades além daquilo que estava ao nosso alcance. Assim comíamos das espécies de raízes, de algumas ervas, dos frutos do mar, das frutas da terra, da caça e da pesca. Do milho saía o piché. O quê? Nunca comeu? Da mandioca, além da farinha, tinha bolo, tapioca e beiju.  Isso tudo que é derivado de trigo (macarronada, pães, bolos etc.) não constava como dote à mamãe, às minhas avós e aos mais antigos. “Pizza não existia quando eu era criança”, brinco sempre com os meus familiares após uma rodada dessa iguaria deliciosa.

 

Em tempo: recomendo a leitura do texto A VITÓRIA FOI DOS PEITOS, de março de 2011.



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