sábado, 16 de janeiro de 2021

O CAMINHÃO DO BIDUCA

 

Biduca moderníssimo (Arquivo Clayton)

    Biduca, caiçara do Sapê, desde que me lembro sempre trabalhou com viagem e carretos. Hoje ele é o meu homenageado. Qualquer barulho de motor passando, logo se escutava alguém falando: "É o caminhão do Biduca que vem por aí". 
      
   - A mode que o tempo vai clareá e nós vamo podê viajá, né mana? Já separei a vestimenta. Aquela carça branca haverá de ser usada pela primeira vez desde que veio do arfaiate. A artura da barra, acertada pela Odete do Zezinho, tá do jeito, nem encosta no carcanhar. Quando eu tivé lá, junto daquela montoêra de carro, um mais bacana que ôtro, vô pagá para um lambe-lambe fazê uma fotografia caprichada, dessa image de ponhá em quadro, do modo daquela que tem do vovô na nossa sala. Só não sei se arguém ainda é capaz de fazê um mordura daquela, cheia de carocozinho em cada quina e ramage por todo lado.  Desde meninuzinho que sonho em í nessa viage.  Ah! Vamo levá daquele remédio margoso. O Nié contô que foi a livrança na vez que ele andô lá, antes de casá. Aconteceu com ele e com mais gente ainda. É que a nossa barriga, afeita só com o nosso de comê daqui, estranha aquela variedade de lá. Tem de tudo, mas já escutei de muita gente que a melhor coisa é a tar de calabreza na chapa que se come com pão e muita cebola. Hei de prová para mode não morrê aguado. É certo, diz o povo que já foi lá, que cada pensão e quarquer restorante tem uma fartura no cardápio. Não sabeis o que é isso? É uma lista com nomes das comida que ali serve. O Décio, parcêro do Nié na casião, se admira até hoje de tanta comidoria!  Foi dele que eu aprendi este nome bonito: cardápio. Agora pouco tava com ele no Porto da Cruz; acabô de fazê gozação comigo, mandô se precatá contra cacanêra. O Décio, que nem muita gente nossa, não tem jeito, é tiradô de sarro mesmo! Pelo sim pelo não, já pus na mala o vidro como garantia. Deus me livre de virá o avesso de tanto cagá! Também ajeitei na bagage aquela água de chêro comprado treisantonte no João Pimenta. Não paguei ainda; pedi para marcá na caderneta. Na quinzena próxima hei de recebê pelo úrtimo corte de banana e acerto tudo que devo. Vamo viajá, mana! Tomara que na serra não aconteça nada. É costume carro atolá nela, em buraco de lama (que tem de montão!). Quando é assim, tem que arrancá no muque, carçar a roda com pedra e pau e fazê força para empurrá. Fica um chiquêro só, parecendo iguá lugá de cateto chafurdá. Despois tem de se lavá na bica da bêra da estrada, onde até tem casinha para uso da mulherada. Hómi usa o mato, como é costume. Rezo pra que a nossa condução não passe por essa situação.  O Girdo e a Laurentina, que acabaram de se casá, também vão desta vez. Ainda hei de tê um caminhão iguá do Pacheco para podê levá gente em viage mundo afora, se Deus quisé.

  - Se Deus quisé, meu irmão!

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