sábado, 30 de janeiro de 2021

UM ETERNO INTIQUEIRO

  

Eu e tio Tonico mariscando (Arquivo JRS)

    "O mar é um eterno intiqueiro, meu filho"   (Genésio do Camburi)


     Intica é provocação, encrenca, discussão, querela;  Intiqueiro é quem está sempre provocando, querendo confusão, mexendo com quem está quieto, se importando com alguma coisa etc. A frase do Genésio, dita há uns dez anos, se referia ao mar. Comparava-o com um intiqueiro eterno em relação à costeira, à areia da praia, ao jundu e ao mangue. Certíssimo!

          Coisa impressionante é o mar! Vive na correria, num vai-e-vem constante, sempre transformando algo. Mesmo que grande parte das vidas nele desapareçam, nós sentiremos a necessidade de se aproximar dele para receber sua energia. Ainda que não possamos nos banhar nele devido a poluição sufocante e causadora de doenças, nós necessitaremos admirá-lo,  admirar sua dinâmica que é parte fundamental do planeta Terra, da VIDA. Apenas podendo olhá-lo, ainda que de longe, não nos esqueceremos que ele nos alimentou, nos deu a sustância para ter saúde e avançar nos anos. Quantas vezes mariscamos nele? O que dizer de nossas pescarias nas costeiras, nos largos e nos mergulhos? E os prazeres e medos que passamos nele, sabendo que éramos como uma folha navegando sobre esse colosso?

           Se um dia perdermos os sentidos que captam esse mar por inteiro, ainda nos restará as recordações de tudo que vivemos em decorrência dele, inclusive o cheiro da maresia, o voo dos pássaros, o arranque do peixe no anzol, a força que demos no remo para conduzir a canoa, a fartura na rede que puxávamos na praia, o rumorejar de suas águas em baixas e altas marés, as braçadas e mergulhos desde criança ainda... Quando acabar tudo isso, nós já seremos findados. 

         Não tem como não ser intiqueiro, sobretudo com a política do presidente atual que faz de tudo para facilitar a vida daqueles que destroem os recursos naturais e perseguem as culturas tradicionais.


         No poema Duras lições, intica o mano Mingo:


A natureza tem ritmo e candência
inadequados para quem não tem paciência:
os loucos derrubaram a mata atlântica
e plantaram cafeeiros nos morros.
Vieram as enxurradas e levaram de roldão
nutrientes, solos e plantação.

Os tolos aspergiram inseticidas de avião
e mataram abelhas, joaninhas e passarinhos,
o gafanhoto virou praga,
acabou a polinização
e o silêncio tomou conta da criação.

Os egoístas aterraram os manguezais
para construir marinas e condomínios
taparam as tocas dos guaiamus
e jogam esgotos no mar para desgosto do caiçara,
para adoecer a tal ponto as baleias,
que, por tristeza, se suicidam nas areias.

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