segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

ESFREGA BEM PARA BRILHAR

Bucha no muro da mana Ana (Arquivo JRS)

     Bem ali, na praia do Sapê, entre o Pontal e a Maranduba, foi o meu primeiro lar. Um vasto espaço de areia branca entre a nossa casa e a da tia Rita Carlota era bonito de se ver. Por ali a criançada brincava todos os dias.

    Perto dali, seguindo por um caminho curto na capoeira, ficava o rio onde mamãe lavava roupa, louça, consertava peixe, limpava caça e levava em baldes o precioso líquido  para ser usado em casa. A gente, criança pequena demais, seguia a mãe; brincava nas cercanias, sem se afastar muito dela: entrava e saía da água a todo instante, subia nas árvores, fazia caminhos pelos capim melado e estava sempre vasculhando a mata para ver se avistava alguma fruta (maracujá roxo, goiaba, caju, pitanga...)

    As nossas panelas - poucas! - , ganhavam brilho com areia e bucha, ficavam atraentes. Era a "palha de aço" daquele tempo. Ainda hoje, creio eu, por este Brasil afora, esses são os recursos dos mais pobres. Só duvido se há muitos rios com águas limpas por aí afora. Aqui (em Ubatuba) são poucos mesmo! E a sujeira despejada neles segue para o mar. Em época de férias e feriados prolongados a coisa piora.

    De vez em quando ainda avisto tralhas das bucheiras; parecem com chuchuzeiro porque são da mesma família. Ao avistar a planta, ao ver aquele formato, como se fosse um grande pepino, me recordo do cotidiano da mamãe e de todas as mulheres caiçaras, quando as panelas e caldeirões saíam pretos das casas devido ao uso no fogão à lenha, mas voltavam brilhando. Elas se orgulhavam por deixarem as vasilhas assim.  Também não posso deixar de citar que as buchas nos auxiliavam na hora do  banho. A saudosa mamãe não se cansava de repetir: "Se esfrega bem porque eu quero te ver brilhando como as panelas". E a gente se esfregava com pedaços de bucha, como se fosse uma massagem. No banheiro de casa, até hoje, sempre tem bucha vegetal. 

   Naquele tempo o sabão já era comprado na venda (armazém), mas ainda tinha gente, como a vovó Martinha, que o fazia em casa, usando cinza e mais coisas. De vez em quando eu e o primo Zé Biaco ajudávamos na coleta dos caroços da gigante nogueira que havia ali, no terreiro da tia Rita. Era um dos componentes do sabão da vovó. Ou seja, sabão em pedra era o elemento estranho nas águas límpidas daquele tempo. Na semana passada, ao ver um sem-noção passar a manhã lavando seu caminhão na rua, com toda aquela imundície seguindo para o rio mais próximo, senti tristeza. Parece ser irreversível o nosso fim pelas nossas próprias e péssimas atitudes ignorantes. E agora, com o descaso das autoridades atuais, as coisas parecem piorar.

           Ah! Os rios eram piscosos! Todos tinham uma grande diversidade de seres!

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