sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

VIRGINHA, A PURA

Padre Anchieta, em Yperoig (Arquivo JRS)  


     Virginha logo se tornou adulta, mas não cresceu muito. Coisas da genética. Antes dos dezoito anos já tinha escolhido um companheiro: rapaz pobre, mas trabalhador. Entendia de mecânica; dava conta dos apertos que a mocinha exigia, mas, segundo ela, era pobre garantido até o fim da vida. Seus passeios se resumiam em dar voltas na feira de artigos diversos e apreciar a paisagem na avenida da praia. Comprar um saco de pipoca ou dividir um lanche no carrinho era o máximo que se permitiam de gasto aos domingos.

     Quando o rapaz não se dispôs a dar um golpe nos irmãos para ficar com a propriedade da mãe, Virginha deu-lhe um chute. Tive pena do coitado. Nunca ele imaginaria a cobiça da amada, conhecida desde quando cursavam o ensino médio, no ano anterior. E assim, até hoje, ele continua honesto naquilo que escolheu como ofício. Antes da pandemia, eu me encontrei com ele na ilha do Prumirim. Estava com outra parceira e parecia feliz. Enquanto ela, pesarosa pelo pecado, escolheu na igreja outro companheiro pouco tempo depois. Dessa vez casou-se de verdade para apagar a culpa do primeiro ajuntamento.

     Tedi, o segundo marido, tocava na igreja. Gente fina. Era de outra cidade. Estava no oposto da branquidão da esposa. Não posso dizer como se sentia a família dela, pois sempre se acharam superiores por serem loiros. E agora? Talvez pensassem que acolher um negro na família angariasse pontos para a salvação, para merecimento do céu. Afinal, era uma caridade da filha extensiva a toda família. Numa conversa, escutei isto do pai dela: "Deus haverá de considerar atitude tão caridosa da minha filha. Agora ela se redimiu do pecado de antes".

     Só que Tedi também não prometia acúmulo de riqueza porque era simples empregado de uma firma terceirizada. Como ficaria a ambição da esposa em ter cartões, carrões, viajar sempre, ter roupas finas, ir à praia etc? Enfim, motivos não faltaram para o casamento durar poucos anos.

     Houve um motivo mais forte: a moça tornou-se empregada numa loja e em poucas semanas estava na função de secretária do patrão, depois do horário regulamentar. Os demais funcionários a chamavam de  A Pura. Ela gostou e até carimbava nas notas de compras o seu apelido. A ambição falou mais alto do que o medo do inferno. Seus modos mudaram, suas vestimentas tornaram-se ousadas. Logo estava dirigindo o carro do patrão e presenteando toda a família. Esqueceu o Tedi depressa porque dinheiro fala mais alto. Os deuses e deusas, imagens e semelhanças nossas, hão de entender esses jogos tentadores. Atualmente o seu amado rico lhe dá um tratamento todo especial. Dias desses ele a elogiou após despachar a minha compra: "Sou mais rico agora com a minha Virginha Pura". 

   É isto: a fila anda!  Coisas da vida, né? 

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