terça-feira, 22 de dezembro de 2020

PODE SER DITO SIM!

Mestre Sabá (Arquivo Mariana)
  

      Silvério era Sabá, o Mestre Sabá de tantas boas prosas na minha infância. Tempos atrás passei pela sua área, a Pedra Branca (na Enseada); fui até onde morava o seu mano Bastos. Reparei que aquelas colunas de portão, erguidas pelo Oscarlino e eu, ainda estão firmes. Naquele tempo, eu tinha entre doze e treze anos de idade, era servente de pedreiro. Voltei um pouco mais na minha breve existência e me recordei do final da Copa do Mundo, de 1970, quando nos reunimos ali, no terreiro do Gastão, para a grande final. O Brasil trouxe a taça de tri-campeão do México. Aquele era o mesmo chão de Fabiano, Pitiá, Dito Henrique, Basílio, Conceição, Mariana, João Batista, Maneco Antunes, Zé Carlos e tanta gente boa. Alguns já se foram, cumpriram suas etapas de caiçaras. 

    Mestre Sabá, o saudoso Sabá, permanece na memória. Vez ou outra me recordo de suas falas e de suas gostosas gargalhadas. Gratidão à Mariana, sua filha, por me autorizar, a pedido do Roberto (bisneto do Velho Henrique), o uso da imagem desse homem que também deu sua contribuição ao meu ser caiçara.

    Escutei bem, guardei suas falas:

    "No caminho daqui encontrei o Otacílio, o branco. O preto, agora de namoração com a Ló do Chico Simão, quase nem se vê. É amor mesmo! Que dure todo o tempo que tem de durar é o que lhes desejo. Mas voltando ao início, o branco me fez parar o carrinho de mão, com essa miuçalha de peixe que ainda está ai, só para me perguntar: 'Nós somos ou nós seremos, Sabá?'. Pensei pouco, pois com ele não se pode parar muito tempo, nem gastar muita paciência. A minha resposta foi que somos isto agora, mas seremos outra coisa depois. Me saí bem, Zezinho?"

    Após eu ter balançado a cabeça afirmativamente, Sabá continuou:

   "Foi isto que ele complementou: 'Você respondeu bem, Sabá. É a confirmação que tudo está sempre se transformando. Por isso, depois que foi pescado, que deixou o mar, esses peixes aí no seu carrinho não são mais frescos, concorda? Então, por que você continua anunciando como peixe fresco?'.    Sabe que eu não tive como discordar dele, Zezinho? Mas... pensando nessa direção... o que pode ser dito, então? Não pode ser dito, né?".

    Na hora, querendo provocar uma reação, emendei na fala:

   - Mas lógico que pode ser dito, Sabá! Quem disse que não pode? Pode ser Dito da Jacinta, pode ser Dito Henrique... Pode ser Dito Barreto, pode ser Dito Graça... Pode ser Dito Preto, pode ser Dito Funhanhado...

    Aí veio o melhor: aquela gargalhada gostosa do Mestre Sabá. "Você não tem jeito, menino. Não nega mesmo que é filho do Carpinteiro!".

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