segunda-feira, 14 de setembro de 2020

O VELHO ASSUNTO DO ACARAÚ

 

                                            Canoa no Itaguá (Arquivo JRS)

           Cheguei cedo para um trabalho contratado pelo saudoso João de Souza. Ah, faz décadas isso! Na entrada do Camping do Velho Rita se encontrava proseando João Barriguinha, João de Souza e Acari. O assunto era política porque estava na época de eleições municipais. Os elogios, primeiramente eram para o Basílio Cavalheiro, o prefeito daquele tempo (e também morador do bairro!), pelas melhorias na orla do Itaguá (muro de pedra para conter as ondas das ressacas, evitando invadir a área da estrada de rodagem no jundu, construção do ginásio de esportes, o “Tubão”, etc. Mas uma coisa parecia ser angustiante aos três caiçaras naquela prosa política: o rio Acaraú. O motivo era que, por estar muito estreito, com construções quase fechando o seu leito, as grandes chuvas causavam sempre um estrago no bairro, invadiam terrenos e casas por ali tudo. “Não tem como remover as casas que já estão construídas”, “De nada adianta afundar o leito dele”, “Se fizer um corte, endireitar o rio, de nada vai adiantar”... Até parecia um gabinete de técnicos prontos a chegar na solução ideal do problema. Naquele momento chegou o Velho Rita. Logo se inteirou e deu a posição que eu julguei ser a melhor: “De um rio pode-se fazer dois. Basta anular uma rua dali de traz e transformar a reta, que vai até a praia, num rio. A maior parte do tempo ela vai correr com pouquinha água, mas nas grandes chuvas, vira um rio potente e deixa de fazer o estrago aqui do nosso lado. É difícil isso? Claro que não! Hoje tem máquina escavadeira na prefeitura. Se não tivesse, a gente podia fazer no braço. É para o bem nosso mesmo. Só é preciso fazer umas duas pontes para poder ter travessia aos dois lados. Isso não é difícil. De repente, o lugar onde hoje corre o Acaraú, deixe de existir, seja tudo aterrado. Então deixa de ter dois rios e fica só o segundo. Dali em diante o segundo será o primeiro e único. Está bom assim?”. Todos acharam a ideia um absurdo por um motivo apenas: “Nem pensar uma coisa dessa! Onde nós vamos pescar depois disso? Nem pensar! Todos nós crescemos comendo traíra desse rio. Desde criança nós pescamos traíra, acará, bagre e outros a cada dia ali. Nossos filhos, nossos netos vivem ali pescando sempre nos finais de tarde. Agora mesmo, olha ali a Celeste e o neto dela esperando com paciência a chegada de alguma coisa no anzol”. Resumindo: morreu o assunto. O problema continuou. Pior: se agravou! Agora é esgoto que transborda pelos espaços do bairro. Só não  se repete mais como antes porque as grandes chuvas já não são tão frequentes. É evidente que diminuiu a oferta de água no nosso lugar. Com certeza os descendentes desses antigos caiçaras não se arriscam a pescar há muito tempo no rio que corta o bairro com seus odores terríveis. Nem deve viver peixe com tanta sujeira ali! 

           Agora, novamente em véspera de eleição na cidade, o assunto bem que poderia voltar a ser falado, discutido pelos candidatos a alguma coisa na próxima fase administrativa do município. O velho assunto do Acaraú se mantém atualíssimo. Eu ainda acredito que não apareceu ideia melhor do que aquela do saudoso Sebastião, o Velho Rita.

Em tempo: hoje, feriado municipal "Dia da Paz de Yperoig" (1563). Nós sabemos que foi quando se concluiu a traição dos indígenas  que aqui viviam, resultando no extermínio do povo Tupinambá. O correto seria reconhecer como Dia da Traição de Yperoig)

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