quinta-feira, 10 de setembro de 2020

E POR FALAR EM LETRAS...

 Arte do Estevan, meu filho (Arquivo JRS)

Arte do Estevan, meu filho (Arquivo JRS)

            Ao relatar que o Antônio de Puruba aprendeu de uma forma bem peculiar (“Pegava um pedaço de jornal e perguntava pra  quem soubesse: Que letra é essa? A pessoa dizia e eu escrevia no chão. Daí em diante escrevi largamente...”), agora digo aqui uma experiência pessoal, o meu princípio de alfabetização: tudo começou no lagamar, na areia molhada da praia. Meu pai, quando íamos cedo na praia esperar os pescadores que vinham de visitar seus tresmalhos, riscava as letras com uma vareta e depois pedia que eu copiasse do jeito que estava. Assim me iniciei nas letras, no caderno bem grande da praia. Primeiro aprendi a escrever o meu nome inteiro. Gostava tanto que, ao ver um espaço limpo, quando voltava para nossa casa, logo pegava um pedaço de carvão para deixar as marcas da minha evolução. Paredes, chapas de madeira, cascas de árvores, pedras... Tudo ganhava rabiscos. Nunca levei bronca por isso.

            A Dona Maria Balio, mulher de muita fibra, dizia que assim que chegou ao Sapê, onde eu nasci, logo se interessou em ensinar às crianças da região. Por volta de 1952 já estava ministrando aulas no Sertão da Quina. Era um trabalho voluntário, gratuito. Além do aprendizado das crianças, também orientava as mães a respeito de cuidados gerais (saúde, higiene, vestimentas etc.), possibilitando aquilo que hoje seria chamado de empoderamento das mulheres. Nenhum papel era desperdiçado quando aparecia. “Eu juntava eles, com a minha máquina de costura, sob a forma de cadernos para usar nas aulas”. Mais tarde, em 1959, ela já estava num novo desafio, na praia Grande do Bonete: “Eu lá ensinava num rancho de canoa, no jundu. As crianças se espalhavam pelas canoas e na areia mesmo. Nem me lembro de quem providenciou lousa e giz. Para os alunos aquilo era um espetáculo maravilhoso. Precisava ver a satisfação deles conforme iam aprendendo! Só quando o tempo virava, com ventania e chuva, é que não tinha como dar aulas, tudo ficava respingado, molhava de verdade. Pouco tempo depois, o Adelino cedeu a sua sala para servir de escola. A casa dele era no canto de lá [esquerdo, depois da barra] da praia. Eu andava tudo isso a pé. Ficava se segunda até sábado cedo com eles. O fim de semana vinha para casa”. (Do Sapê até a Grande do Bonete, gente!).

Outra coisa desta mulher valente: promovia a festa de Natal. Conseguia angariar uns presentes com quem tinha mais dinheiro e distribuía para nos alegrar. Foi vereadora, juntamente com o seu filho Zé do Prado, num tempo em que era apenas um trabalho voluntário, de serviço ao município, sem nenhuma remuneração. Me recordo de um evento religioso no Largo do Sapê, no final de 1968, quando a banda da cidade, entre outras músicas, executou A Banda, de Chico Buarque. A apoteose foi quando um helicóptero sobrevoou o povo caiçara concentrado ali. Todos acenavam com um lenço branco para saudar a imagem de Nossa Senhora que diziam estar nele, nos abençoando. Muita gente chorava, mas eu não entendia a razão.  O que importava para mim era a festa, o povo reunido, o espaço lotado com a nossa gente. Que beleza!





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