sábado, 26 de maio de 2012

SEMPRE É TEMPO


Frutos do quintal: não é preciso muito para receber  as retribuições da terra.


                Tio Nestor, de todos, o “Totô”, era quem cortava os nossos cabelos nos primeiros anos de vida, na praia do Sapê. A sua casa era entre árvores que a gente adorava, principalmente bacuparizeiros e laranjeiras. Ele era muito paciente e amoroso; nos agradava sempre com guloseimas. Conversava sobre qualquer assunto e vivia repetindo que “sempre é tempo de aprender”.

                Hoje, pensando no espírito do “Totô”, que sempre nos ensinava alguma coisa, acordei pensando na biodiversidade. Afinal, não passa um dia sem que a gente não escute essa palavra na televisão, sobretudo agora em época de acontecer um encontro importante em relação ao meio ambiente. Apelei ao Antônio Carlos Diegues, um caiçara de Iguape, para ir mais além do tema e chegar até a etnobiodiversidade. A ajuda vem de seu livro A etnoconservação da natureza.

                “Para a ciência moderna, a biodiversidade pode ser definida como a variabilidade entre seres vivos de todas as origens [...] É uma característica do mundo chamado natural, produzida exclusivamente por este e analisada segundo as categorias classificatórias propostas pelas ciências ou disciplinas científicas, como a botânica, genética, a biologia etc.

                As populações tradicionais não só convivem com a diversidade, mas nomeiam e classificam as espécies vivas segundo suas próprias categorias e nomes. Uma importante diferença, no entanto, é que essa natureza diversa não é vista como necessariamente como selvagem em sua totalidade; ela foi, e é, domesticada, manipulada. Uma outra diferença é que essa da vida não é vista como ‘recurso natural’, mas sim como um conjunto de seres vivos  que tem um valor de uso e um valor simbólico, integrados numa complexa cosmologia.

                Nesse sentido, pode-se falar numa etnobiodiversidade, isto é, a riqueza da natureza da qual participam os humanos, nomeando-a, classificando-a, domesticando-a, mas de nenhuma maneira nomeando-a selvagem e intocada.

                Pode-se concluir que a diversidade pertence tanto ao domínio do natural e do cultural, mas é a cultura como conhecimento que permite que as populações tradicionais possam entendê-la, representá-la mentalmente, manuseá-la e, frequentemente, enriquecê-la, como se viu anteriormente.

                Nesse sentido, os seres vivos, em sua diversidade, participam de alguma forma do espaço, se não domesticado, pelo menos identificado ou conhecido. Eles pertencem a um lugar, um território como locus em que se produzem as relações sociais e simbólicas”.

                Pense nos milhões de migrantes que estão deslocados de seus locais de origem, afoitos pela pura sobrevivência. Quais as contribuições que podem dar aos novos ambientes, onde foram acolhidos? E o que dizer dos caiçaras que agora são dirigidos pelas modas externas, que não fazem nenhuma questão de pensar a respeito do espaço que permitiu essa cultura tão específica?

                Se voltar para tudo isso é valorizar a etnobiodiversidade, pois, de acordo com o  saudoso tio "Totô", "sempre é tempo de aprender".

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