domingo, 20 de maio de 2012

CONSTRUÇÃO E DESCONSTRUÇÃO


Um mar assim nos convida a escutar tudo ao redor.
                A cada pessoa conhecida que morre ou que deixa a cidade em busca de melhores condições para se viver, ponho-me a pensar a respeito de sua vida, dos momentos de convivência, das prosas etc. Agora, por exemplo, estou pensando no “Carlos”, alguém que morava no Perequê-mirim, na mesma época que eu.
                “Carlos” teve um berço distante, num lugarejo da distante Iugoslávia, mas está sepultado, há duas décadas, no nosso cemitério central, no coração da cidade de Ubatuba, de onde se sente a maresia e a aragem a tocar as pequenas embarcações, a envolver os casais que se acariciam no jundu e a refrescar as crianças que brincam no lagamar.
                Era um ótimo eletricista, foi casado com uma caiçara. Tiveram um filho que foi uma das primeiras vítimas da AIDS, essa  doença que surgiu no começo da década de 1980. Em seguida, ele também morreu não sei por qual doença. Também a viúva não durou muito tempo, mesmo tendo escolhido outro companheiro maravilhoso para a convivência. Infelizmente acabou a geração desse pessoal.
                De “Carlos”, ao questionar sobre o porquê de sua trajetória desde a sua terra distante até a nossa terra escondida (na época o nosso município estava chegando aos 15 mil habitantes), assim ele, um apaixonado convicto, me respondeu:

                “Eu vivo perseguindo ilusões, desprezo a tirania das convenções sociais e prezo muito a minha liberdade individual. Tudo isso me trouxe aqui; faz-me viver tão tranquilamente longe do meu torrão natal”.

                Mais tarde, logo após a morte de seu único filho caiçara, eu tive outra oportunidade de me encontrar com o “Carlos”, de escutá-lo no rancho de canoa do Licínio “Teteco”. Estava muito abatido; assim desabafou:

                “Agora choro, e, as minhas lágrimas caem no vazio. É uma forma de expiar a falta de ternura àquele que agora está morto. Fiz muitas coisas para o meu filho, mas muito mais deixei de fazer”.

                E nesse clima deixamos o jundu naquele dia de outono. Parece que era tempo mais propício de diálogos e de gestos concretos pelas dores e alegrias que nos cercavam.

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