quinta-feira, 10 de maio de 2012

EU?... PASSARINHO!


                   Agradeço ao Eduardo Souza e ao Luiz Moura que, regularmente, através d'O Guaruçá, nos presenteiam com textos que abordam nossos hábitos culturais. Escolhi o menino com bodoque, do Ubatumirim, registrado pelo Olympio Mendonça, há quase quarenta anos, para que muitos tenham noção, consigam imaginar as crianças caiçaras bodocando desde a linha do jundu até as grimpas dos morros. Ah! Tenho o meu bodoque dependurado há muito tempo! Ainda foi presente do amigo Irineu, o fazedor de facas.


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      Alguns dos meus textos podem, equivocadamente, passar a ideia de que sou um predador, alguém que não respeita ou que estimula o desrespeito à natureza. Na verdade, o caiçara sempre foi quem mais preservou a Mata Atlântica. A historiadora Kilza Setti é também dessa opinião. O litoral começou a sofrer depredações ambientais quando o caiçara vendeu suas terras e os novos proprietários as transformaram em loteamentos. Essa ocupação horizontal do solo acabou com as árvores frutíferas que havia em toda propriedade caiçara.

       A partir desta época do ano, em que a temperatura na Serra do Mar começa a cair vertiginosamente, a maioria das espécies da fauna descia para as várzeas, para lugares mais quentes onde podia encontrar bananeiras e uma imensa variedade de arbustos e árvores frutíferas nos quintais, na planície perto dos rios e do mar: araçazeiros, goiabeiras, cajueiros, laranjeiras, jabuticabeiras, mamoeiros, ameixeiras etc. Os loteamentos não deixaram nada de pé. Hoje os pássaros silvestres estão invadindo as zonas urbanas em busca de alimentos, mas as casas já não têm quintais e pomares como antigamente.

       Outro dia, passando de carro com meu filho pela praia das Toninhas [Ubatuba - SP], lembrei-me das vezes em que ficava hospedado na casa do Plínio, um amigo de infância. Contei a meu filho como eram esses lugares à beira mar naquela época. Não havia energia elétrica, nem rodovia. À noite, a Via Láctea despudorada deixava o céu empanturrado de estrelas. Era quase possível tocá-las com a ponta dos dedos. O branco do chão de areia do terreiro contrastava com o contorno da vegetação oculta pela escuridão onde brincavam centenas de vaga-lumes enquanto o mar executava sua sinfonia na areia da praia e nas pedras da costeira. O amanhecer era marcado pelo cheiro do café coado em coador de pano. Revelava-se, em seguida, ao som do martelar das arapongas na mata, o cenário dos cajueiros, aroeiras, goiabeiras, mamoeiros, mexeriqueiras, araçaeiros no entorno da pequena casa de paredes de taipa e o festim da passarinhada nessas espécies frutíferas.

        Já cacei passarinhos. Já os prendi em gaiolas. Confesso. Mas isso foi coisa dos tempos de adolescência. Depois essas coisas perderam o sentido, os tempos mudaram. Caçar e pescar, aos poucos foram deixando de fazer parte da vida, da cultura caiçara. O próprio caiçara foi deixando de ser, de existir. Hoje, dependuro bananas no pequeno quintal de casa para algumas saíras, sanhaços, tiés, periquitos e tiribas que me visitam nesta época do ano.

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